PEDRO GOMES

Entrevista de Susana Pomba


"Em minha casa”. E assim foi. Pedro Gomes recebeu-nos no dia 7 de Setembro de 2010, às 18h, na sua casa em Lisboa. Na mesa grande da sala estavam dispostos os prints que levaram às páginas aqui impressas. A conversa passou-se nessa mesa, o retrato feito pela Vera Marmelo foi tirado no terraço da casa.


DE QUE MANEIRA É QUE CRESCEU A TUA PROPOSTA PARA O DIA PELA NOITE?

Num espaço nocturno como o Lux, as pessoas propõem-se ser estimuladas tanto auditiva como visualmente, a nível de ideias. Há uma experiência de sentidos muito forte. É uma aposta social que vai muito por essa via. É essa a expectativa das pessoas e de quem propõe alguma coisa. Era isso que me interessava. O espaço era na entrada. Seria quase como uma proposição para o que vai acontecer a seguir, o âmbito do que se vai passar. Estabelecer esse contexto, evidenciá-lo.

QUERIA FALAR DO CONTEXTO DA A EXPERIÊNCIA, UMA A EXPERIÊNCIA SENSORIAL.

Aquela figura que fecha os sentidos é uma cara, em que uma série de mãos, - onde não é explícito se são do próprio ou de outro -, fecham os sentidos da pessoa.


COMO EXPLICAS ESSE FECHAMENTO QUANDO O QUE ACONTECE ALI É OPOSTO, AS PESSOAS ENTRAM, SOBEM AS ESCADAS E VÃO LIBERTAR ISSO TUDO.

Porque isso é o que vai acontecer a seguir. Para conseguir experimentar uma coisa em condições, se calhar primeiro deves-te fechar e depois abrir. Para veres uma coisa deves fechar e depois abrir os olhos.


PRECISAS DE PASSAR POR UMA SITUAÇÃO QUALQUER, DE NÃO PODERES FAZER UMA COlSA PARA MELHOR A PODERES VIVER.

Basicamente era isso, fazer uma proposição, que estaria à entrada, no inicio do percurso. Antes do “acontecimento”, temos aquela figura que nos recebe.


AQUELE É UM ESPAÇO DE TRANSIÇÃO. NO FUNDO AQUELA FIGURA TAPA OS SEUS SENTIDOS, NÃO ESTÁ A COMUNICAR DIRECTAMENTE.

Esse tempo e essa passagem são muito rápidos, portanto o nosso diálogo com aquelas pessoas tem de ser um diálogo rápido. Quis estabelecer um nível zero da experiência que vem a seguir, construída pelas pessoas.


E O PÚBLICO É DIFERENTE, PORQUE NÃO VEM NECESSARIAMENTE VER OBRAS DE ARTE.

É diferente e até menos viciado . O público do Lux é especifico, de uma determinada faixa etária. É um grupo muito urbano, muito informado. As pessoas às vezes nem se apercebem, mas estão muito estimuladas. Vêem muitas imagens, pela internet, são estimuladas diariamente por muita coisa. Por isso têm uma capacidade de leitura muito grande. É um público não viciado em relação ao público das artes plásticas, mas é um público com grande capacidade de percepção e leitura. É um alvo interessante . O que leva as pessoas ali é a diversão, não será a primeira coisa que vêem, mas depois ao longo do ano, a minha peça pode ser vista em situações diferentes. Espero que o trabalho seja suficientemente interessante para que as pessoas ao fim de verem duas ou três vezes, tenham diferentes experiências. Um dia se calhar vês um trabalho com mais paciência e mais disponibilidade e noutro dia verás outra coisa. E se estás numa atitude mais descontraída, vês de uma maneira, se estás mais eufórico, vês de outra. À entrada vês uma coisa e à saída vês outra.


UTILIZASTE CONTRAPLACADO PELA PRIMEIRA VEZ. UM MATERIAL NOVO ONDE É ESCAVADO O DESENHO. COMO INSERES ISSO DENTRO DA TUA PRÁTICA?

Passo a vida a tentar encontrar técnicas diferentes. A maneira de ver uma imagem é criada estabelecendo uma relação física com essa imagem e com as mais variadas técnicas. É dar corpo a essa imagem, e participar na leitura e na perccpção que temos das coisas. Muitas das imagens que são vistas rapidamente, se calhar, se lhes dermos corpo fisico, obrigamos as pessoas a vê-las com outro tempo . Depois esse corpo físico pode tomar os materiais mais diversos.


NESTE CASO, QUERIA DAR-LHE TRIDIMENSIONALIDADE, E ALGO QUE SE RELACIONA MUITO COM A LUZ, UM ALTO E BAIXO-RELEVO, QUE VIVE MUITO DA ILUMINAÇÃO.

Aquele sítio vive disso. E é um material que conhecemos muito bem, o contraplacado lacado. Vemos aquilo por todo o lado, basta ir a nossa casa.


E COMO É QUE CHEGAS ÀS IMAGENS? O QUE É QUE TE MOVE PARA ESCOLHER DETERMINADAS IMAGENS?

Interesso-me por imagens com as quais estamos familiarizados. Que já vimos tantas vezes e às vezes tão rapidamente... É dentro desse imaginário e experiência colectiva dos media que nós construimos a nossa personalidade. . Algumas vezes nem sequer partem da nossa vontade. As imagens são-nos propostas regularmente, às vezes com o mesmo sentido de sempre, outras com sentidos diferentes. É pegando nessas imagens e potenciando-as que eu tento trabalhar.


ESCOLHES IMAGENS QUE AS PESSOAS JÁ ESTÃO MUITO HABITUADAS A VER PORQUE AS QUERES VOLTAR A COLOCAR EM QUESTÃO? É UMA CRÍTICA?

É uma critica, mas vista de dentro. É uma critica como cúmplice.


É ESTE O NOSSO TRABALHO. É PROPOR ÀS PESSOAS UM MOMENTO DE REFLEXÃO.

Seja com sentido de entretenimento, que é o caso, ou não, uma discoteca, por exemplo, propõe-se a isso. Propõe-se música, que se possa fazer música. Isso é criação. Por exemplo, nós temos aqui à nossa frente (na mesa) um trabalho com uma bisnaga. Comprei 12 bisnagas até chegar ao modelo que teria a leitura que eu queria. seguindo a minha intuição consigo perceber o que é essa leitura, mas colectiva, porque é uma experiência em que participo. O que é que quer dizer uma bisnaga? Nessa pesquisa vou à procura das coisas mais diversas. Depois acontece uma coisa, acabo por ser eu a fotografar. A certa altura já pesquisei o suficiente para saber exactamente o que quero.

A melhor maneira é não andar à procura, mas pegar numa máquina fotográfica e encontrar o objecto, a situação, encenar o que quer que seja, às vezes trabalhar com modelos, procurar a situação certa a fotografar. E é mais fácil ser eu a fotografar. Também me cria uma relação de empatia com aquela imagem e de poder sobre aquela imagem. Acabo por ser eu a fotografar em 90% dos casos. Começo com a expectativa de encontrar a imagem certa na internet, aparecem umas coisas muito interessantes mas não é bem o que está certo... Acabo por pegar na máquina fotográfica, capto a imagem, fui eu que escolhi, sei em que condições é que aquela imagem aconteceu e não outras. E portanto aí já tenho uma relação mais física. Como parto de uma determinada memória, e não é uma memória muito específica, vou procurar algo que é símbolo de alguma coisa. Mas depois ao andar à procura da imagem que preenche esse sentido, também construo a minha memória. Estou a trabalhar com a minha memória, a reconstruí-la. Se estiver a pensar num castelo, não tem de ser um castelo medieval português.


NA OBRA QUE TE PEDIMOS PARA FAZER PARA ESTE PEQUENO LIVRO, PARA A PÁGINA IMPRESSA, PODIAS OU NÃO RELACIONAR COM A OBRA DO LUX. ACABASTE POR DAR SEGUIMENTO, DE ALGUMA MANEIRA, AO TEU PROJECTO INICIAL E REPRESENTAR ALGO MUITO FORTE.

Para mim são dois projectos. Porque aquele projecto que está no Lux é por natureza fechado. É um projecto muito fechado e vive disso em todos os sentidos. Neste contexto tinha de trazer outra coisa para propor às pessoas num formato livro. A ideia inicial era alguém que se suicida com uma bisnaga. Com o que isso tem de absurdo. Porque o momento do suicídio é um momento de experiência limite. É uma contradição. E é essa proposta que eu espero que seja duplamente forte, porque primeiro a bisnaga tem que ver com entretenimento, na maneira mais estúpida, mais parva. Se eu te aparecer com uma bisnaga na mão é impossível não reagires com alguma felicidade.


HÁ SEMPRE ALGUM MEDO, NEM OUE SEJA DE ME MOLHARES (RISOS).

É assim um medo quase de palhaço. É alguém que vem trazer felicidade. A bisnaga traz isso. É um elemento de pura felicidade, pura estupidez, e da falta até de responsabilidade. Depois temos o momento do suicídio. É o contrário. É alguém que teve uma experiência limite.


MAS NÃO DEIXA DE SER A IMAGEM DE UMA ARMA COM TODAS AS SUAS CONOTAÇÕES.

Sim, é uma pessoa com uma arma. E estamos nesse contexto, algo que, se calhar, eu e tu achamos que não faz parte da nossa vida. Mas faz. Primeiro é uma imagem que tu conheces. Tens uma leitura imediata - a pessoa e a arma. E coloca-te numa situação limite, desperta os teus sentidos. É uma proposição forte. O suicídio é o que sabemos. Alguém que escolhe acabar com a vida. Acha que chegou ao fim. Mas este é um suicídio completamente absurdo. Tem muito que ver com o entretenimento e com a maneira como nós nos propomos a ser estimulados numa situação de lazer e entretenimento.


ESTAMOS A FAZER UM JOGO DE ESTÍMULOS QUE GOSTARÍAMOS QUE FOSSE O MAIS INTENSO POSSÍVEL.

Mas é uma falsa intensidade. Propomo-nos durante algum tempo, seja a ir ao cinema, ver um filme de acção, seja a sair à noite , beber uns copos, ouvir música e falar com os amigos de assuntos que, se calhar, não vão ser os mais importantes da vida naquela altura. Mas nós achamos que aquelas conversas são intensas. O lazer é isso. É um momento de proposição de intensidade, de experiências. E uma casa nocturna é muito isso. Achei que o suicídio da bisnaga era uma boa metáfora para aquilo que nós esperamos do lazer, em sentido amplo. Na indústria do lazer.