PEDRO GOMES

CRONOLOGIA INVERTIDA - PEDRO GOMES


«A música desperta o tempo e desperta-nos para a sua mais finafruição, a música desperta… nesta perspetiva podemosafirmarque é ética. A arte é ética na medida que desperta.»
Thomas Mann, A Montanha Mágica (1924)


S/ título (2020) é a última série de desenhos que o artista Pedro Gomes realizou para a exposição Encontro às Cegas, no Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), em Lisboa. Trata-se de oito desenhos brancos e quadrados, de 140 por 140 cm, que se dispõem da seguinte forma: quatro desenhos no topo e quatro desenhos em baixo, formando um painel de 280 cm de altura por 560 cm de comprimento. Através da acumulação de imagens retiradas da realidade, desta vez representações de espaços expositivos de diferentes tipologias, o artista projeta, numa primeira instância, uma espacialidade racional determinada por uma metodologia precisa e apurada. Contudo, num segundo momento, o artista intervém nos desenhos através de incisões emocionais que resgatam as imagens desenhadas para o campo do sensível e do sensorial. Mas, como se faz esta passagem do racional para o emocional? O que se entende por projeto preciso e por campo sensível? De onde vêm as imagens e a metodologia executada? São algumas das possíveis questões que se levantam a partir do descritivo da última série de desenhos que o artista realizou. Assim, tendo em consideração que o resultado de um determinado trabalho artístico é mais a consequência do caminho percorrido do que propriamente um momento único de criação, será necessário revisitar as obras anteriores para que se possa entender em que momento surgiu uma determinada ideia ou solução. Neste sentido, será possível reavivar a memória para que as formas frequentemente geradas possam despertar para um conceito intemporal.

Os desenhos de cor amarela S/ título (2019), também apresentados na exposição Encontro às Cegas, no MNAC, carregam consigo algumas das problemáticas que têm acompanhado a obra do artista, nomeadamente: a representação de edifícios e paisagens urbanas; a incisão a branco sobre fundos de cor amarela; e o metódico enquadramento das imagens, algumas centradas na folha de papel e outras como se de um padrão infinito se tratasse. Ambas as situações, já anteriormente utilizadas, resgatam a realidade para uma dimensão bidimensional e, portanto, para o campo do desenho como mapeamento do real. Esta delimitação da disciplina artística concebe uma força interna ao próprio desenho, que expande os seus limites e questiona o espectador sobre o que está a ver e como pode ver. Os edifícios e paisagens urbanas representadas tornam-se estruturas que tendem para a abstração da realidade como forma da sua transcendência ou da sua distopia.

A série de desenhos S/ título (2019) que compõe o painel A Óptica do Utilizador, apresentado na Appleton Square, em 2019, por ter sido exposta numa sala quadrada, consubstancia o essencial da discussão em torno do modelo do cubo branco que o artista havia tentado em obras anteriores. Neste caso, o tipo de visualização que a ocupação de três paredes inteiras da sala gera permite indagar a galeria e o modo como este local austero determina a forma de percecionar as imagens que se mostram. Cada desenho de cor branca, proveniente do conjunto de 34 do painel supramencionado, representa um modelo museográfico diferente daquele em que estão instalados. Esta dissonância, amplificada pela sobreposição de imagens e, em alguns casos, de um padrão white noise, também se revela muito pertinente para questionar o ecrã como uma tecnologia do olhar. Esta premissa está presente ao retirar, rasgar e rasurar partes das pinturas representadas nas salas de exposição. Estas ideias e imagens também estão presentes na série de desenhos S/ título (2018) exibidos na exposição Um Quarenta na Galeria Diferença em 2018. Desta feita, apesar de os desenhos de cor amarela estarem apresentados em estruturas móveis no meio do espaço expositivo, as imagens foram retiradas de espaços museológicos do final do século XIX. Este paradoxo, entre tipologias de museografia, aparece refletido na atenção dada em igual medida à importância das imagens, às estruturas de museografia e ao espaço envolvente. A disciplina de desenho expande-se para uma apropriação sensorial da experiência espacial e deixa de se limitar apenas ao espaço bidimensional da folha de papel. O modo como ambas as séries – Um Quarenta e A Óptica do Utilizador – discutem o espaço envolvente foi antecedida pela obra Panorama (2018) apresentada na Drawing Room pela Galeria Presença. Panorama tratava-se de um painel de grandes dimensões que ocupava todo o stand da feira que se dispunha pelas três paredes, incluindo os dois cantos. Os desenhos são compostos por diversas imagens sobrepostas, que continham imagem de edifícios, vegetação e padrões, que privilegiam um ruído incessante de ecrãs, como se se tratasse de uma não imagem. Na série de desenhos que compunham o painel exposto na exposição Urbe, no Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, em 2018, também se encontrava uma proliferação de imagens sobrepostas, nomeadamente a conjugação de edifícios e vegetação. Contudo, ao contrário dos desenhos apresentados em Panorama, os desenhos da série Urbe foram posteriormente intervencionados pelo artista. Ao rasurar e rasgar pequenas partes do desenho o artista privilegia e hierarquiza a visão, salientando e dando a ver determinadas partes da representação. Estas escolhas também estiveram presentes no painel de desenhos amarelos que foi apresentado na exposição 16 de Setembro na Galeria Presença, no Porto, em 2017. Tal como o painel de cor amarela presente na exposição Encontro às Cegas, os desenhos de edifícios e estruturas oscilam entre o padrão infinito e o objeto finito. Diferentes visualizações do conjunto de desenhos, talvez entre o perto e o longe, permitem, ao espectador, uma determinada experiência sensorial. As sensações, perante uma escala maior na dimensão da obra, mas menor nos edifícios representados, situam-se entre a curiosidade promissora e a repulsa latente.

As obras apresentadas nas duas exposições, Inscape, Galeria Presença, no Porto, e A Torre na Galeria Miguel Nabinho, em Lisboa, realizadas em 2016, terão sido o ponto de partida para o que se seguiu no percurso do artista. Em A Torre aparece pela primeira vez a cor amarela como fundo nos desenhos de edifícios. A psicologia das cores associa o amarelo à dimensão da loucura, o que aproximava a mitologia rigorosa e demente dos desenhos às doenças do foro psicológico. Nessa mesma exposição os troncos de palmeiras e outras árvores aparecem como focos unidimensionais que ocupam toda a folha negra, como se a imagem fosse revelada através da incisão e da destruição do plano que lhe dá luz. Em Inscape o desenho sofisticado e complexo de catos explode na folha de papel negra como se quisesse mostrar as entranhas e impurezas que o compõem. O surgimento da imagem é inebriante e encanta quem a observa. Também a dimensão da loucura parece estar presente na execução meticulosa de captar o desenho quase impossível de um cato.

O olhar interior e íntimo que os desenhos dos catos permitem parece ter vindo da série de fotografias apresentadas na exposição Campo Grande, no Pavilhão Branco, e das obras em madeira na exposição ID, na Galeria 111, ambas em Lisboa e em 2011. Por um lado, as fotografias mostravam uma preocupação no interior profundo do papel que, rasgado, mostrava o material rarefeito de que é feito. Por outro lado, as placas de madeira negra concentravam o olhar no recorte escavado, de pequena espessura, que as imagens revelavam. Terá sido este processo, de retirar camadas à madeira, que deu origem aos desenhos que o artista atualmente realiza, ou seja, é no modo como retira parte do material – papel ou madeira – que a imagem se torna visível. Este recorte da imagem também está presente, de um modo mais evidente, na obra S/ título que o artista realizou, em 2010, para a escadaria da discoteca LUX, em Lisboa. Desta feita, a relação forma-fundo faz sobressair um desenho de uma pessoa que não ouve, não vê e não fala. A contradição desta expressão com a ideia de diversão noturna é exacerbadamente evidente e irónica. Formalmente a experiência de recortar a imagem do seu fundo, apesar de já ter sido utilizada anteriormente, tem aqui o seu auge.

Em 2009 e 2008, a ideia de um conjunto de desenhos dispostos em painéis foi tratada de diferentes modos em quatro exposições distintas. Em todos os casos a técnica de execução consistia na perfuração do papel por detrás da folha, fazendo assim um desenho às cegas, ou seja, sem ver o resultado final. Esta técnica foi usada pela última vez nestes trabalhos e revela como, com uma execução exímia, se fez um conceito complexo no modo como as imagens acontecem através da sua ocultação. Na exposição Amnésia, na Galeria 111, o painel S/ título (2009) era constituído por diversos desenhos de recortes de revistas sociais que se disponham formalmente através de manchas brancas e negras. Esta formalidade contrastava com o efeito aleatório das imagens reproduzidas e do picotado que lhe dava forma. No projeto Atelier (2009), apresentado no Empty Cube, o painel transformava-se num acumular de desenhos que não eram totalmente visíveis. Neste caso, uma fotografia a preto-e-branco de um conjunto de catos presenteava o espectador com um enigma, ou seja, que imagem ou imagens estão por detrás de todo o espaço preenchido com desenhos negros muito pouco visíveis. O conjunto de desenhos intitulado TEC (2008) foi exibido na Sala do Cinzeiro do Museu da Eletricidade em Lisboa. Aqui, as imagens relacionadas com a tecnologia automóvel eram reveladas através de papéis cinzentos em que apareciam em diferentes tons de amarelo. Pela primeira vez, mesmo que subtilmente, a cor amarela aparece na obra do artista como forma de revelar obstinadamente, e de um modo também de loucura, a complexidade do desenho. Se nestes três trabalhos consequentes – Amnésia, Atelier e TEC –, o painel de desenhos apresentava-se plano, ou seja, bidimensional, a obra Finisterra (2008), exibida no Convento do Espírito Santo, em Loulé, revelava um pressuposto, já anteriormente experimentado, o uso de um canto, executando assim uma obra tridimensional que ocupa o espaço expositivo. A imagem trata-se de mais uma paisagem urbana em grandes dimensões, que parece submergir o espectador com a sua tridimensionalidade.

Com esta técnica de perfuração no verso do papel o artista também realizou: From Combat to Leisure (2008), executada para a exposição no Museu de Arte Contemporânea de Elvas – Coleção António Cachola; e as obras S/ título (2007) apresentadas na exposição Imagens Impressas, na Galeria Filomena Soares. Por um lado, a sobriedade do conjunto de quatro desenhos – três folhas negras e uma folha branca – da obra From Combat to Leisure reflete sobre o poder da imagem na veiculação de uma possível narrativa: através do conjunto de três desenhos brancos em folhas negras de ténis e skates em contraste com uma granada executada a preto sobre uma folha branca. Ao revelar um formalismo tão latente, o artista foca-se numa premissa do olhar sobre as obras e sobre o objeto que se representa e se vê. Por outro lado, a exuberância pictórica da série de desenhos S/ título, em que diversas imagens como edifícios, retratos, conjunto de pessoas ou paisagens urbanas surgem em papéis bancos, porém revelados através de uma inebriante paleta de cores que dignifica a simplória imagem representada. Como a impressão das imagens é feita no verso, o inesperado trabalho só se revela no fim de todo o processo, sendo uma surpresa, porém controlada e manipulada pela mão do artista, reveladora do mundo surpreendente de imagens em que vivemos.

A exposição Contacto (2004), no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, revelou certos pressupostos que o artista tinha desenvolvido até então, nomeadamente o uso do fogo para desenhar, e as imagens de retratos e mãos, que posteriormente veio a desenvolver. Nesta exposição estava ainda um painel composto por seis desenhos que, dando continuidade a esta pesquisa, revelam que cada um deles é visto como um objeto individual que faz parte do seu conjunto. No primeiro pressuposto, o fogo aparece como uma forma paradoxal de fazer aparecer a imagem. Não só porque o fogo destrói e queima o visível, transformando-o em cinzas, mas porque o desenho é elaborado no seu verso, o que impede de ver a imagem realizada. Para resolver um problema técnico, relacionado com o esboço da imagem, é a primeira vez que o artista desenha no verso do papel. No segundo pressuposto, as figuras e as personagens retratadas exibem-se em contactos afetivos que denotam uma vontade de aliar o conceito fogo à ideia de contacto entre duas pessoas. Este feliz encontro é mais um bom exemplo de como o artista tende a aliar a técnica utilizada à imagem reproduzida.

A aliança entre a técnica e a imagem parece, também, estar presente no projeto Ter (2005), apresentado no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa e no Museu Grão Vasco, em Viseu. Neste caso, tratava-se de um painel de diversas imagens em que o personagem, talvez o próprio artista, posa com objetos em tudo semelhantes aos existentes no museu. Os desenhos a preto sobre o fundo branco, sem modelação de tridimensionalidade, questionam a relação forma-fundo entre os objetos representados e apresentados no museu e os seus usos quotidianos ou delirantes. Ao mostrar estas humorísticas imagens, o artista põe em causa o recorte rigoroso da forma sobre o fundo neutro, o branco. Quando as imagens são mostradas no museu em grandes painéis e em relação direta com a museografia presente a ironia parece dilatar-se. Este entendimento, entre a imagem e o local em que é apresentada, foi utilizado pelo artista, na mesma altura, no projeto Palleiros (2005), realizado para o espaço d’A Chocolataría, em Santiago de Compostela. Nesta ocasião, o artista desenhou, em grande escala, cães de guarda, utilizando o contraste forma-fundo já patente no projeto anterior. Mas, desta vez, o negro é executado com os vestígios de lixo de pequenas dimensões, pós, terras e pequenas pedras existentes no espaço exterior do pátio do centro de arte.

O projeto Calçada da Ajuda 222 (2003) foi realizado numa casa abandonada, e as obras consequentes, do mesmo ano, intituladas Masturbações, trazem consigo, pela primeira vez, algumas das preocupações que foram descritas anteriormente e que foram suas consequências: a relação forma-fundo; a técnica de recolha e colagem de vestígios e sujidades; e a ligação das obras aos espaços envolventes. De facto, o artista relaciona-se com o espaço de uma casa abandonada para realizar desenhos de rapazes perdidos e escondidos a masturbarem-se. O artista desenha em lugares surpreendentes, diretamente na parede através da colagem de sujidades e de lixo encontrado na sua própria casa, figuras quase fantasmagóricas que povoam o espaço da habitação. Neste caso, não só a técnica de recolha de materiais e colagem na parede parece aliada à ideia de abandono e encontro com estas personagens errantes, numa relação entre os espaços público e privado, como também as imagens parecem aliadas ao próprio espaço em que são apresentados, onde a decadência e a precariedade parecem vingar.

Na exposição anterior intitulada Vá para fora cá dentro (2002), na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, o artista apresentou duas séries distintas mas interligadas pela dimensão técnica. Pela primeira vez a medida de 140 cm, com a qual o artista tem sistematicamente trabalhado, aparece por uma questão prática, já que as chapas de ferro utilizadas nestas obras tinham 150 cm e seria necessário ter uma margem de 5 cm para quinar para cada lado. Em ambas as séries expostas – Piscina (2002) e Montanha (2002) – o desenho realizado a tinta de plástico branca é efetuado sobre a superfície texturada e oxidada do suporte de ferro. Desta feita, e ao contrário do que fez posteriormente, o desenho branco é neutro, parece que existe uma inversão em que a intervenção do artista está no fundo que suporta a imagem. Através da oxidação e de processos químicos, o fundo de ferro ganha vida própria numa superfície aleatória e descontrolada. Este desfasamento, entre a forma e o fundo, parece revelar um domínio das inebriantes imagens apresentadas, ora de montanhas com neve, ora de piscinas e a sua habitual envolvência.

As obras Paraíso (2000) foram apresentadas na primeira exposição individual do artista na Galeria Presença intitulada Acesso (2001). Nestas obras, o artista intervém diretamente em chapas de ferro cromado com desenhos de palmeiras, que também desenhou em 2018. Nestas primeiras intervenções em ferro, que antecedem as obras expostas em Vá para fora cá dentro, a imagem aparece por uma ação de enferrujar o próprio material, como se houvesse uma distância entre a mão e a imagem final, intermediado por uma ação externa. Esta mesma distância também podemos encontrar nos desenhos Linha de Fogo (2000), apresentados na exposição Controle Remoto (2001), no Museu de Arte Contemporânea, na Fortaleza de São Tiago, no Funchal, e mostrados na exposição Encontros às Cegas, no MNAC. As imagens de pessoas ostentando câmaras de filmar e máquinas fotográficas parecem queimar a sua própria visualidade, através do excesso das imagens que elas próprias captam. Estes trabalhos foram os primeiros em que o artista utilizou o fogo como ferramenta de desenho em que faz aparecer a imagem. Este efeito é contrário à ideia de fogo como destruidor e apagador do visível, tornando as imagens em cinzas.

A série de desenhos S/ título (1998), apresentada na exposição Acesso, revela um conjunto de cadeiras elaboradas em borracha derretida. É a primeira vez que o artista concebe imagens sem qualquer modelação tridimensional, ou seja, o contraste forma-fundo é realizado através do negro da imagem em relação com o branco da folha de papel. Esta bidimensionalidade vem reforçar a ideia de uma imagem que se constrói preenchendo o limite dos seus contornos. As imagens de cadeiras em diversas disposições – ora alinhadas ou em círculo, ora duas, ou mais de três – revelam uma metodologia de experimentação precisa e demorada, em que o processo parece revelar-se mais pertinente do que o resultado final. Esta metodologia de experimentação parece ter tido grande impacto nos processos demorados e sistemáticos que o artista desenvolveu ao longo do seu percurso.

Na série S/ título (1997) o artista, que teve formação em escultura, revela um último trabalho que relaciona a tridimensionalidade à bidimensionalidade que passa a investigar. Nestas obras, que também se apresentam na exposição Encontro às Cegas, no MNAC, surgem pela primeira vez as figuras humanas que aparecem em silhuetas de rostos realizadas em alumínio, material que também usa pela primeira vez. Ao retirar a identificação destas figuras humanas estas tornam-se pessoas indiferenciadas que se perdem na multidão. Tal como em desenhos posteriores, a desumanização vem impor uma ideia em que o excesso de imagens e das suas tecnologias de reprodução são impeditivas de encontros emocionais e sentimentais de longa duração, ou seja, a fugacidade é inerente à contemporaneidade.

Os desenhos S/ título da série Habitar (1997) e da obra precedente I’m afraid I’m not here at the moment, but you can leave a message after the beep… (1996) foram as primeiras obras bidimensionais que o artista realizou, apesar de as preocupações parecerem do âmbito espacial. Os espaços interiores e as paisagens urbanas desenhadas através de um emaranhado de riscos circulares vão modelando uma imagem que se decifra aos poucos e na qual se vão descobrindo novas visões e novos fios condutores. Estes mesmos fios parecem estar literalmente presentes na escultura Estarei Sempre Contigo (1995). Através de um conjunto muito diferenciado de fios – elétricos, tubos de plástico, entre outros – o artista modela um gigante anel que funciona como um vórtice, não apenas para o espaço que o circunda, mas sobretudo do olhar do espectador. Em ambos os casos – desenhos e escultura – as obras encantam e inebriam o olhar como forma emocional e sensorial de estabelecer um contacto mais íntimo e promissor. É exatamente no estabelecimento desta relação, entre o olhar e a imagem representada, que a obra do artista tem sido produzida, desde estas primeiras obras, presentes na exposição Encontro às Cegas, no MNAC, até aos últimos desenhos realizados da série S/ título (2020) que encerram esta mostra.

Apesar de o tempo não andar para trás, nem os acontecimentos do passado servirem de oráculos do futuro, a determinação da importância de diversos fatores, pormenores, ou sinais que as obras de arte consigo carregam, pode revelar que só mais tarde, num determinado momento, sem que isso seja procurado ou premeditado, esses fatores apareçam e tragam consigo uma história, uma emoção, ou simplesmente uma pequena anotação, que faz toda a diferença. Talvez neste sentido, a persistência e perseverança encontradas nas obras de arte de Pedro Gomes ao longo do tempo sejam o que desperta para outras imagens visíveis, ou o mesmo é dizer, para outro mundo.


Hugo Dinis

Lisboa, fevereiro 2020