Pedro Gomes
(1972)
Nasceu em Moçambique, em 1972. Fez o Curso Avançado de Artes Plásticas no Ar.Co e um MA Sculpture no Chelsea College of Art, em Londres.
Vive e trabalha em Lisboa.
Participa em bienais desde 1994, tendo integrado, em 1996, a exposição 7 Artistas ao 10.º Mês, no CAMJAP. Nela surgiram os trabalhos Sem Título (série Habitat), em esferográfica sobre papel, para definir paisagens urbanas obtidas a partir da ampliação de fotografias. Sobrepondo e adensando duas ou três tramas de cor, preenche superfícies em que contornos e formas se definem em negativo no branco da folha, e em positivo na mancha mais ou menos escura dos enovelados de escala mínima.
A esta série, paradigmática de uma componente do seu trabalho em que presença e ausência humanas, identidade e anonimato, massificação e diferenciação são equacionadas através da escala arquitectónica, poderia associar-se três outras, nas quais, de outras formas, reelabora estas questões: em 1997, uma série de nove cabeças de alumínio fundido, feitas em Londres a partir de fotografias retiradas de jornais, indistinguem contornos numa espécie de neutralização da representação em que se assume a perda temática gradual. Em 1998, conjuntos de cadeiras negras, desenhadas a borracha sobre papel, configuram a imposição do silêncio à estrutura de um lugar. Em 1999, com desenhos feitos a fogo, retomados em 2000 por Linha de Fogo, define, nos contornos estilizados de pessoas a fotografar ou a filmar, o lugar de uma mancha (papel queimado com maçarico) com potencial alastramento. Este torna particularmente significativa a expectativa do apagamento da figura, iniciado na ocultação do seu olhar e do rosto, extensível depois à máquina de captação das imagens e ao corpo.
Há no seu trabalho uma outra vertente mais escultórica em que a paisagem também pode estar presente, como na instalação de prédios de gesso em tabuleiros de vinho (Exangues, 1998, nos Armazéns de Abel Pereira da Fonseca), mas em que, formalmente é o recurso a correntes, fitas ou cabos que melhor define uma remissão metafórica global para a condição dependente ou serial do humano citadino: viajante mas condicionado (vejam-se as malas de viagem ligadas por cabos de plástico em 1996); hábil manipulador, mas em perda de presença e de identidade (Jogos de Guerra, em 2001, consiste em dois objectos em forma de computador, envoltos em tecido camuflado e ligados por corrente); afectivo, mas em função de um aprisionamento e de um circuito fechado (em Estarei Sempre Contigo, 1995, faz uma acumulação de vários tipos de tubagens em círculos, presas por braçadeiras de metal); atento ao corpo, mas em função de cruéis idealizações e espartilhos (em Light Diet, 2000, dois enormes paralelepípedos são cobertos com fitas de plástico coloridas, e as estreitas paredes laterais, por espelho num caso, por balanças domésticas no outro);
hábil inventor de dispositivos cujo movimento se vê traído pelo boicote interno das suas próprias formas e funções (Stop, 1999, é feito de um painél electrónico parado na sua numeração e por um cilindro com fios enrolados parado na sua circulação).
Apesar da sua formação em escultura, há em Pedro Gomes um gosto particular pelo desenho e, nos dois casos, por materiais não convencionais, reconhecíveis porque próximos do quotidiano das pessoas, capazes de um apagamento da referência e da expressão directas, a favor de uma recriação plástica e crítica de ideias apropriadas no mundo supostamente civilizado. É também o caso da série Paraíso, apresentada no Funchal em 2000. Na exposição antológica aí realizada, vários momentos da sua obra foram revistos em favorável confronto evolutivo.
A intervenção feita nas paredes de um apartamento vazio na Calçada da Ajuda (2003), um conjunto de desenhos a que chamou Masturbações, equivaleu a uma utilização do espaço como suporte sem precedentes no seu trabalho. Também as séries realizadas em 2002, Piscinas e Montanhas, introduziram um procedimento técnico novo na sua obra. A ideia do negativo da fotografia foi retomada em função dessa alteridade geográfica que o branco luminoso da tinta sobre os fundos manchados do ferro nelas introduz.
Leonor Nazaré, 2004