De 1 a 8 de Novembro de 2020, de domingo a domingo, durante oito dias seguidos, serão exibidos pinturas realizadas entre 2019 e 2020.
01.11.2020 (Domingo - Dia de todos os Santos)
02.11.2020 (Segunda-feira - Dia dos Finados)
03.11.2020 (Terça-feira)
04.11.2020 (Quarta-feira)
05.11.2020 (Quinta-feira)
06.11.2020 (Sexta-feira)
07.11.2020 (Sábado)
08.11.2020 (Domingo)
CICLO DE EXIBIÇÕES DE PINTURA ON-LINE EM “LOUVOR AO HOMEM”
O ponto de partida deste corpo de trabalho são os retratos de “Fayum” (Séc. I – IV), pinturas que tinham como primeiro objectivo apresentar a aparência do morto em vida, posteriormente eram colocados sobre o sarcófago onde jazia o defunto mumificado. Estas obras datam da época da ocupação romana no Egipto, são retratos realistas de raiz religiosa e funerária, derivam da arte greco-romana que continuou na Arte Copta (Séc. IV–VII) e na Arte Bizantina (Séc. IV–XV), através da iconografia. Esta tradição pictórica foi-se transformando durante a Idade Média, as imagens dos defuntos surgiram como imagens de santos, sendo o ícone, (termo derivado do grego εἰκών, eikon, imagem) descrito como a imagem representativa da mensagem cristã. A sua origem é antiga, celestial, nasce das lendas e do cultos que lhes garantiam o seu respectivo status. As “imagens santas” de pessoas falecidas eram usadas em procissões e peregrinações, operavam milagres, eram proféticas e também através delas alcançavam-se vitórias. Possuíam poderes carismáticos, protegiam minorias e tornavam-se protectoras do povo, uma vez que, por natureza, ficavam fora da doutrina teológica sobre as imagens. Elas falavam sem a sua intermediação, com uma voz vinda directamente do céu, contra qual nenhuma autoridade oficial tinha poder. As imagens autênticas pareciam capazes de possuir um poder sobrenatural. Deus e os santos também passaram a residir dentro das imagens e falavam por meio delas. O surgimento das primeiras imagens cristãs – os ícones, favoreciam uma experiência incompreensível, que satisfazia a alma e os desejos, para além do que as autoridades da Igreja eram capazes de atender. A reprodução de réplicas, reflecte a crença de que a multiplicação da imagem original ampliava o seu poder.
“A existência de algum tipo de história antes da era da arte, o significado social e cultural da imagem era diferente, exigindo outro tipo de argumentação. (…) A história do retrato icónico inicia–se na Alta Antiguidade, quando o Cristianismo adoptou as imagens de culto dos pagãos, numa reversão total da sua atitude original, e desenvolveu uma prática própria para elas.” (Semelhança e Presença - A história da imagem antes da era da arte, Hans Belting).
“LOUVOR AO HOMEM”
“Ele elaborou um plano para uma tarefa comum para a humanidade, cujo objetivo é a ressurreição corporal de todos os seres humanos. (…) leva a vida cristã mais pura (...) dá tudo o que tem, é sempre alegre e paciente.” (L.N. Tolstoi escrevendo para V.I. Alexeev, 1881)
'Ele foi um investigador russo da salvação universal. (…) Na base da sua filosofia estava o luto pela situação humana, e não havia homem na terra que sentisse tanta tristeza pela morte de pessoas e tanta sede de devolvê-las à vida.” (Nicholas Berdyaev, The Russian Idea - N.Y., 1948)
A vida de Nikolai Fedorovitch Fedorov (1828-1903) é descrita como a de um santo, um profeta da encíclica e da ressurreição. Ascético, uma das figuras mais originais da Rússia do século XIX. Acreditava que o verdadeiro domínio do homem sobre a natureza estaria fundado, não tanto na sua exploração, mas na sua transformação. Profundamente religioso, acreditava que o mundo tinha sido criado por Deus para algum propósito e que o homem dotado de razão e consciência tinha uma missão divina a cumprir. “Qual era essa missão? E, de maneira mais geral, para que o homem foi criado?”. A sua ideia radical era a vitória sobre a morte. O objetivo proposto “o retorno geral à vida, a ressurreição total” de todos os antepassados e todas as pessoas que algum dia viveram.
Neste sentido, Fedorov proclamou vários princípios a seguir. A «salvação geral» e a «vida eterna» foram consideradas como únicas opções moralmente aceites. Os seus ensinamentos “exigem o paraíso, o Reino de Deus, não no além, mas aqui na Terra. Exigem a transformação da vida na Terra, da realidade terrena, transformação essa que deverá se espalhar por todos os corpos celestes e nos aproximar do mundo intangível do além”. O paraíso terreno devia ser alcançado por meio do trabalho da própria humanidade. A realização de uma “causa comum” era alcançada através da unidade fraterna das pessoas e a síntese das suas culturas. O objectivo da sua «doutrina» era a união de todos os povos, de todas as classes, dos crentes e não crentes, através da ciência e da arte, da razão teórica e prática, no domínio da natureza para a vitória sobre a morte. Este «santo» acreditava que, num objetivo comum, a humanidade direcionaria as suas energias na cooperação universal em direção ao ato de salvação universal. Este era o dever, a tarefa da “Filosofia da Causa Comum”. Vencer a morte e colonizar o Universo.
Fedorov foi o percursor do “Russian Cosmism Movement” que surgiu no início do século XX. Era uma controversa escola de pensadores e filósofos russos, que afirmavam que a humanidade estava a entrar num novo estágio de evolução, e que nós, os humanos, deveríamos assumir o nosso papel activo no Cosmos. Esta visão influenciou muitas figuras da vanguarda russa, mas os seus ensinamentos acabaram por ficar esquecidos. As suas ideias só se tornaram amplamente conhecidas após a publicação póstuma da sua obra. O objectivo de ressuscitar os nossos ancestrais e criar uma humanidade unida, digna de governar o universo era a novidade desta ideia. O conceito inovador acabou por assustar as pessoas e o mundo intelectual da época, devido ao facto de que a ressurreição é um acto apenas da graça de Deus, e não da actividade humana. Sendo a pedra basilar da Igreja, a imortalidade e a ressurreição. A exigência de ressurreição dos mortos devia ser entendida literalmente como o grande “pathos” do Cristianismo (Ortodoxo). O Homo sapiens é um animal fraco à mercê das forças da natureza, submetido a um ciclo sem sentido e interminável, do nascimento, à procriação, à morte e à desintegração. No entanto, Deus dotou-o de razão, portanto, era o seu dever introduzir alguma ordem racional nesse universo.
Fedorov foi bibliotecário no Museu Rumyantsev em Moscovo, que mais tarde foi rebatizado de Biblioteca Lenine. O bibliotecário, dedicou a sua vida a salvaguardar a biblioteca, através da anotação dos livros existentes. Elaborando um índice que identificava os diversos e diferentes livros. Para preservar o homem era necessário a lista das pessoas falecidas, a necrologia e o estudo da linguagem de fontes históricas, a filologia. Tal e qual como na biblioteca e através do índice dos falecidos, conseguia-se deste modo recuperá-los. As lápides dos defuntos também são de primeira importância, o seu conteúdo, bem como os seus retratos que serviriam de base de identificação. Juntamente com caveiras e ossos coletados das sepulturas, constituíam a base material da ressurreição. A interpretação está na ideia de ressurreição do mundo. A morte é uma forma de doença epidémica. O objetivo da “causa comum” era alcançar cientificamente, de acordo com o desígnio de Deus, a ressurreição dos mortos, na medida em que é o supremo acto de amor dos vivos pelos seus antepassados falecidos. O autor une os avanços científicos com a sabedoria ancestral do povo, incorporando a educação com superstições tradicionais e remanescentes de culturas antigas, que ele considerava como a "criatividade das massas".
Era no campo que se devia realizar o projecto através de escolas rurais, ao lado destas, devia haver igrejas e cemitérios formando um elo entre os mortos e os vivos. Para realizar a ressuscitação das gerações anteriores, a memória dos que partiram devia ser mantida viva, preservando os seus túmulos e artefatos, bem como os seus pensamentos e o trabalho realizado pelas mãos das pessoas que faleceram. A biblioteca e o museu ficariam próximos e preservariam todos os artefactos e documentos. O museu não é um armazém de objetos antigos e com exposições sem vida, mas um centro de pesquisa dirigidos por professores, alunos e habitantes locais, mediante um modo de vida em comunhão com a natureza, rural, mais simples do que a vida urbana. Mediante uma vida comunitária que reviveria neles um senso de parentesco com as outras pessoas. O museu seria “a expressão da memória geral de todas as pessoas, a reunião de todos os vivos, uma memória inseparável da razão, da vontade e da acção”. Não seria apenas um lugar para a preservação do passado, mas também o lugar da sua encenação e do seu ritual. O museu permite, desta forma, aos descendentes lembrarem-se dos seus ancestrais, mas também os encarnarem, através de ações que anulam a diferenciação das épocas. Ao ressuscitarem as gerações anteriores, a memória dos que partiram devia ser mantida viva, preservando, os seus túmulos e artefatos, bem como os seus pensamentos. O filósofo depositou todas as esperanças na união da religião, da ciência e da arte. Estas são projetadas para garantir a preparação de um projeto real de ressurreição com base em vestígios e heranças armazenados no cemitério, no museu e no templo.
A arte é um futuro que não anula o passado é uma forma especial de movimento, no qual o novo surge como um meio de ressurreição do velho. “A arte é o “projeto de uma nova vida”, cuja novidade consiste justamente na preservação do passado e na obtenção da imortalidade: “(…) a produção artística é o projeto de uma nova vida”. A comunidade devia estar unida no templo como uma imagem do universo. O Templo é "a imagem artística da convivência de gerações". As orações servem para recordar aqueles que morreram, desta forma, surge como um acto de louvor ao homem.