Arriscando a propria pele

EMBROS E NÃO MEMBROS

Pois a exclusão dos “suíços” do nosso âmbito ético não é trivial. As coisas não “escalam” e generalizam, razão pela qual tenho problemas com intelectuais falando sobre noções abstratas. Um país não é uma cidade grande, uma cidade não é uma família numerosa e, desculpe, o mundo não é uma grande aldeia. Existem transformações de escala que discutiremos aqui e no apêndice do livro III .

Quando os atenienses tratam da mesma maneira todas as opiniões e discutem “democracia”, aplicam-na apenas a seus cidadãos, não aos escravizados ou aos metecos (os estrangeiros residentes na pólis , o equivalente a portadores de green card ou do visto H-1B ). Efetivamente, o código de Teodósio (ou Teodosiano) privou de seus direitos legais os cidadãos romanos que se casassem com “bárbaros” — portanto, deixaram de ter paridade ética. Perderam a filiação ao clube. Quanto à ética judaica: distingue entre sangue espesso e sangue ralo: somos todos irmãos, mas alguns são mais irmãos que outros.

Cidadãos livres, em sociedades antigas e pós-clássicas, eram tradicionalmente membros de clubes, com regras e comportamentos semelhantes aos dos clubes de campo de hoje, com um interior e um exterior. Como bem sabem os sócios, o próprio propósito de agremiações desse tipo é a exclusão e a limitação de tamanho. Os espartanos podiam caçar e matar hilotas — servos não cidadãos com status de escravizados — para treinar , mas de resto eram iguais aos outros espartanos e deles esperava-se que morressem em nome de Esparta. As grandes cidades do mundo antigo pré-cristão, particularmente no Levante 3 e na Ásia Menor, estavam repletas de confrarias, irmandades e clubes, sociedades abertas e (amiúde) secretas — havia até mesmo clubes funerários, cujos membros dividiam os custos e participavam de cerimoniais fúnebres.

Os povos romani de hoje (também conhecidos como ciganos) têm toneladas de regras estritas de comportamento para com os ciganos, e outras tantas para com os impuros não ciganos chamados payos . E, como observou o antropólogo David Graeber, até mesmo o banco de investimentos Goldman Sachs, conhecido por sua agressiva e desmedida avareza, comporta-se internamente como uma comunidade comunista, graças ao sistema de governança por parceria.

Assim, exercemos nossas regras éticas, mas há um limite — decorrente da escala — além do qual as regras deixam de se aplicar. É lamentável, mas o geral mata o específico. A questão que reexaminaremos mais tarde, após uma discussão mais aprofundada da teoria da complexidade é se é possível ser ao mesmo tempo ético e universalista. Em teoria, sim, mas, infelizmente, não na prática. Pois, sempre que o “nós” se torna um clube grande demais, as coisas se degradam e cada um começa a lutar por seu próprio interesse. O abstrato é abstrato demais para nós. Essa é a principal razão pela qual defendo sistemas políticos que começam com o município e seguem um caminho ascendente (ironicamente, como na Suíça, aqueles “suíços”), e não o inverso, que fracassou nos estados maiores. Ser um tanto tribal não é algo ruim — e temos que trabalhar de uma maneira fractal nas harmoniosas relações organizadas entre as tribos, em vez de fundir todas as tribos em uma única e imensa sopa. Nesse sentido, um federalismo ao estilo estadunidense é o sistema ideal