Estudos da socióloga Maria Aparecida Moraes Silva, da Unesp, com trabalhadores nos canaviais paulistas, mostram que as indústrias sucroalcooleiras do estado não têm responsabilidade social
Esta reportagem, realizada em outubro de 2004 e atualizada em 2007, faz parte de um estudo coletivo sobre os impactos socioambientais da atividade sucroalcooleira no Brasil. Agradeço o apoio da Oxfam e do Instituto Observatório Social na realização deste trabalho e assumo responsabilidade integral pela publicação dos textos e entrevistas de minha autoria. As opiniões aqui expressas não são necessariamente endossadas pelas entidades referidas. Florianópolis, abril de 2009 Dauro Veras
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| Por Dauro Veras “Zé Pretinho amava a cana. Ele tinha uns 25 a 27 anos. Era um monstro, o melhor cortador da região. Ele chegava a cortar mais de 30 toneladas [por dia] e, no fim, dava um beijo na última cana antes de passar o facão. Um dia ele tava trabalhando e teve um ataque. Vi ele morrer abraçado num feixe de cana. Aquele ali era apaixonado." Eles vêm do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais, do norte do Paraná e de vários estados do Nordeste. São homens entre 16 e 25 anos, com pouca ou nenhuma escolaridade e sem qualificação profissional. Todos os anos, na safra da cana, milhares – mais de 70 mil na safra 2006, segundo estimativas empresariais – se deslocam de seus municípios de origem para trabalhar por cerca de oito meses no estado de São Paulo. Alguns se deslocam com suas famílias, mas boa parte viaja sozinha, deixando mulher e filhos nos municípios de origem. Até os finais da década de 1990, a maioria dos migrantes era proveniente do interior da Bahia e do Vale do Jequitinhonha, MG. Atualmente o destino desses migrantes tem sido as usinas do Estado de Mato Grosso do Sul ... Muitos migrantes atuais são provenientes do Maranhão, Ceará, Alagoas, Piauí ... houve uma enorme intensificação no ritmo de trabalho ... Esse fato está diretamente relacionado à capacidade física, portanto, à idade .... Dessa sorte, a vinda desses outros migrantes cumpre a função de repor, por meio do fornecimento de maior força de trabalho, o consumo exigido pelos capitais cuja composição orgânica é maior. * Seus estudos apontam que até o início dos anos 90 havia muitas mulheres plantando e cortando cana – chegavam a 50% - mas atualmente há bem poucas. Os homens com mais de 30 anos também estão perdendo os empregos. Algumas usinas ainda contratam trabalhadores com mais de 30, mas por um salário muito mais baixo. Alcoolismo, mendicância e aumento na violência são alguns dos problemas sociais resultantes das mudanças no setor. Ela aponta a existência de uma “aliança” dos prefeitos da região com os usineiros: “Todo ano acontece de chegar ônibus do Nordeste e a polícia não deixa ninguém descer, quando não é mais necessária a força de trabalho”.
* SILVA, Maria Aparecida Moraes. “Se eu pudesse, eu quebraria todas as máquinas”. In: SILVA. M.A.M. e ANTUNES, R. (orgs.). O Avesso do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004. |