NA HORA REDONDA
Tati Mancebo
Hai um corpo que cria
ambições passadas,
que fai cortes no tempo
com que se satisfazer
depois de os ter remendado
É necessário criar miséria
para viver do sorriso anterior
É necessário destruir espaços brancos
para criar presença
Como soa perto
a voz real na memória
não assim as histórias
sem voz
que de não poderem prender em mãos alheias
ficam
eternamente
mudas
Natureza morta
No trânsito do verde ao papel
olhar-te hei três vezes
a aranha descansa até as dez
e conta as patas para atrás
vermelha de crina tingida de lua
Para F.
Da estação toda lembrança
pertence a um grito grave
na escada perderás a história do subtil
com meia lua de medo parto
e dor contida
e nas esquinas da via
os velhos contos rim a tua marcha
Gosto de olhar-me no espelho
porque me lembra que o tempo
não tem mãos
tem poutas
que esganam (a ti mesmo)
por mais que eu não o queira ver
Esta noite o sangue sabe a pele
baixo a pele do sangue
amanhã sonharei com rubis ágeis
de dor morna
e apracível
de ocaso
amanhã -dixeras- os rubis virarão pungentes
A sombra dos espelhos não protege
da loucura
A mão tem seis dedos no espelho
que são três na tua
Lentamente
de leões e morcegos crepitam
nas fontes as palavras
Tentação
Dás-me pássaros
e
dás-me balas
cerceadas por sangue de pássaro
a noite di-me que não
Traes melaço de onde
o monte parte noites
salgado de mar escuro
a noite di-me que não
Descobres em mim o leite
sangrado das terras baixas,
fugido à pressa da treva
a noite di-che que não
As VOZES acalam os rugidos
das vozes tortas
Janeiro é cruel
Na idade da cilada
quando nem um deus pode salvar-nos
guardamos seu sangue em garrafas
e nossa ira fica contida
por uma eternidade
A lua pola porta tira os antefazes
e as terras mergulhadas
viram pedras sem sal
mãos sem idade
A lousa inquebrantável
cai de contado.
As terras que mergulham no bafo das
minhas não contemplam
mãos; porém sus-
têm, incapazes da fugida,
a lousa que lhes tende a
idade inquebrantável
do aquilão, no seu trânsito eterno polo
Universo
Longe da lente
a lavandeira de louça
semelha lebrel
e a louça
lua de luto em língua de lança
Perseguir vozes com a boca aberta
Disparar aguardando o cair das presas
Caem olhos que não escoitam
Caem cristais que não soam
Cai o sentimento de ter matado em vão
de ter arrincado a outros o sustento
A sombra que envolve a luz
Disparar a uma bandada mais e mais pequena
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Enterra a minha com as outras bocas
Envenenada polo mesmo veneno
Pola mesma presa errada
Enfeitada da expressão convulsa
De ter roçado a palavra
Transcorrem horas verdes
onde se desatam as cinzas do vento
e as casas que deixamos
jogam ao póker
Não sufras por elas
estão onde têm de estar
sós
no fundo escuro dos espelhos
No que sim e ademais
canta
onde são tão que já
difundem noite e cruzes
tanto têm
o que tardam invernos
e os de rostos frios
por último cristal.
Ao mencer destrui a seiva
da néboa
que se propaga com malícia
por mãos e pernas de gigante
aos sons da lua
na hora redonda