A AREIA QUE TRANSFORMA
PUNHOS E CONVERSAS
Alfredo Ferreiro
François Davó
A vingança do fóssil
Jamais a vingança da pedra foi tão jovem.
Jamais a boca do sol foi tão grande
como o tabique do universo
nas unhas que afiam a nossa morte.
Uma estrela é uma marca dactilar,
e o céu uma enorme mão que nos aperta.
Três montes são três deuses e nós somos
seus altares. Se rompemos nossas faces
mil cores aparecem no prisma da nossa morte.
A vingança da pedra (ensayo)
Piedras sois.
Piedras
y algo del leve teorema de las fronteras
directamente (o tal vez no, no me toca decirlo)
sacado de un cuadro de Magritte
o del poema de Alfredo Ferreiro.
Y me pierdo, y decía
piedras, piedras sois, y un teorema
(si es único, tiene que ser fluctuante
tener su metamorfosis
y su permanecer, intacto y puro,
en fin tener su día y su dicho)
un teorema -estaba diciendo-
para aludir a, sin explicar, las fronteras
(si las hay)
dentro de semejante gran ruido tan polémico
las fronteras (vale, pero ¿dónde?)
entre la piedra y el fósil.
Espíritu hay, espíritu late
y es burlón
y se burla-
mas no ignorará el fósil que la piedra
-y la memoria de los actos lo intuye-
acepta los chismes
en su frágil materia
su firme devenir.
Renovação da vingança do fóssil, para François Davó.
I
Uma pedra como um punho
é uma pedra ou é um punho?
Que se passa com o quartzo
é apenas a vidraça dos teus sonhos?
o oráculo?
o «marca-passo»?
o espelho fiel na água turvada da vida?
Tanta interrogante é apenas a grafia
do fóssil da pergunta na pedra fria.
Somos inquiridores da pedra
e a resposta é a idade infinita das nossas mãos.
Amanhã serei pasto das montanhas.
II
Repara em como cresce a erva a carão da pedra.
Assim o fumo do coração nos conserva:
quentes e escuros.
Uma via de lápides nos conduz a nós,
que de nós fugimos.
A um lado uma mão. Ao outro uma pedra.
Duas formas distintas para uma elecção
sempre a mesma.
O resto fóssil
o ponto da circunferência
o movimento circular do escrito a dizê-lo tudo
a surpresa a voar
a nossa estranheza.
A. F.
Lembrança e festa do «pasto das montanhas»
1.
Uma pedra no meu punho:
uma pedra para estar no mundo
diante do frágil
dos tabiques do universo
do meu pensamento
fazendo-se corpo, fazendo-me corpo
-o meu corpo ligeiro.
Uma pedra no meu poço
semelhando minha longa esperança
minha escoita do seu encontro
com o frágil caminho no final.
Uma pedra na minha cabeça
uma pedra com os ciúmes
do fóssil.
2.
Uma pedra sempre tem que ser punho.
E uma montanha
sempre será
as tuas mãos abertas ou velhas.
3.
Um fóssil, e o seu sorriso de sábia picaresca.
Uma pedra é a sua oração.
Os magos e os bruxos não enganaram.
4.
Este era fóssil
essa era pedra
aquilo era um punho.
Andavas a dormir quando a erva, medrando, berrava no meu
punho pechado?
Andavas a dormir quando o fóssil beijou a minha mão com
licor de universo?
Andavas a dormir quando a pedra estava no seu lençol
imóvel?
Na minha mão o fóssil lavrava sulcos insólitos.
apedrando os sais da estátua
lavravam o escorço selvagem
raptando ao azar as vinganças
observação eficaz das lembranças do fóssil
a areia que transforma punhos e conversas
fazes espertar capatazes de duros sonhos
devorando as unhas do sol
desfazemos os trajes no seu lençol
eficaz manto de rugas e pouca história
o cabelo salgado