Projeto Mineração
Ciências Naturais - Tema 2
por Rafael Livoneze Malatesta, Thiago Ortenzi Dias, Lucas Themudo Lessa Mazzucchelli e Gabriel Pimenta Barone
"Esta manhã acordo e não a encontro,
britada em bilhões de lascas,
deslizando em correia transportadora
entupindo 150 vagões,
no trem-monstro de 5 locomotivas
— trem maior do mundo, tomem nota —
foge minha serra vai,
deixando no meu corpo a paisagem
mísero pó de ferro, e este não passa."
Carlos Drummond de Andrade
O afã minerador, invariavelmente e em todas as suas formas, vem acompanhado de impactos sobre a esfera ambiental. Sua natureza pode variar: alguns têm efeitos de curto prazo, outros criam sequelas que podem perdurar por décadas; algumas reversíveis, outras não. Com isso em vista, é preciso investigar a natureza e a magnitude dos danos ambientais provocados pela mineração, de modo a abrir as portas para a criação de explorações mais sustentáveis e menos nocivas ao meio ambiente. Com efeito, no caso brasileiro, fazê-lo é absolutamente vital, considerando as práticas irresponsáveis das mineradoras, que acarretaram desastres como os de Mariana e Brumadinho.
Vista aérea de uma das minas da Serra dos Carajás (PR).
Disponível em: http://www.geologo.com.br/MAINLINK2013.ASP?VAIPARA=Bandidos%20e%20mocinhos:%20a%20mineracao%20e%20o%20meio%20ambiente
Os impactos imediatos da atividade mineradora, em termos temporais e geográficos, são altamente perceptíveis pela população local e recebem maior visibilidade em comparação aos danos ambientais mais perenes e sutis, uma vez que são por si só impressionantes e amiúde catastróficos. Nesse caso, a mudança visível do ambiente é tremenda – como quando se trata do desaparecimento de uma montanha ou do desmatamento de uma área vasta.
Um estudo do corpo de Estudos Avançados da USP conduzido por membros do MPESP averiguou que os efeitos da mineração incluem a supressão da vegetação, a extinção de espécies locais, a erosão do solo, a contaminação dos recursos hídricos e a poluição do ar1. Os pesquisadores apontam que o desmatamento, que precede e é condição para a instalação mineradora, é indubitavelmente prejudicial à fauna e à flora locais, além de expor o solo aos processos erosivos1. Adicionam, ainda, que os recursos hídricos superficiais e subterrâneos da região costumam receber resíduos da mineração, e que o ar, por sua vez, passa a conter quantidade significativa de partículas em suspensão1. Com efeito, falar dos impactos imediatos da mineração no ecossistema local já é falar em mudanças potencialmente irreversíveis.
Barragem de CBA em Alumínio (SP).
Todavia, o problema é maior: há outra questão importante e pouco explorada: a da produção de resíduos. Em um de seus artigos, o prof. Carlos Gabaglia Penna cita as pedreiras urbanas como uma atividade produtora de resíduos que eram percebidos pela população, e que deixou cicatrizes na paisagem antes de ser banida; ele o faz, porém, como um mecanismo para demonstrar a escala dos resíduos da mineração, mostrando que os rejeitos das pedreiras urbanas eram praticamente nulos diante daqueles que as mineradoras produzem3. Fazendo uso de dados do Worldwatch Institute5, o Professor aponta que no ano 2000 a produção mundial de ouro gerou quase 300 mil quilos de resíduos para um quilo de ouro, o que significa que 99,99967% da mineração de ouro foi descartada3,5. O artigo ainda afirma que, atualmente, a razão rejeito/metal é potencialmente maior, uma vez que o avanço tecnológico desde o ano do estudo permitiu maior apuração do minério3. Evidentemente, os rejeitos precisam ser dispostos em algum lugar.
Ainda segundo o artigo do prof. Penna, mesmo no minério de ferro o metal representa menos de 50% da massa do mineral3,5, de modo que, novamente no ano 2000, 2 bilhões e 113 milhões de toneladas de resíduos foram descartadas3,5, sendo que o aproveitamento no caso da maior parte dos outros minerais é inferior3. O autor especula que "a distância dos centros urbanos e de pessoas conscientes" favoreça o desleixo praticado por essa indústria3.
Assoreamento do Rio Taquari no Pantanal
Disponível em: http://mtc-m12.sid.inpe.br/col/sid.inpe.br/sergio/2004/06.14.16.12/doc/paginas/bbt/assoreamento/J_120902_8.html
Não se pode descartar os impactos a longo prazo que, inúmeras vezes, acabam sendo mais discretos, mantendo-se imperceptíveis até alcançarem níveis muito elevados, só então recebendo a devida atenção. É exatamente isso que ocorre com o fenômeno do assoreamento, uma vez que os sedimentos provenientes da mineração vão se depositando aos poucos no leito do rio, acarretando a diminuição de sua profundidade. Consequentemente, a navegação é prejudicada, alagamentos são mais prováveis, mudanças ocorrem no curso da água, seres vivos têm seu habitat prejudicado e há um aumento na densidade aquática. Além disso, a contaminação do lençol freático pelos dejetos torna-se evidente apenas quando os seres que usufruem dessa água passam a manifestar sintomas de intoxicação por metais pesados, como fraqueza muscular e insuficiência respiratória4. A partir dos danos causados à saúde e ao meio ambiente, populações de animais que antes habitavam a região passam a se extinguir, gerando um enorme desbalanço na cadeia alimentar e, consequentemente, no ecossistema, uma vez que a extinção de um consumidor primário costuma gerar um efeito dominó, afetando todos os outros animais que dele se alimentam, além de promover uma inflação das populações de espécies predadas pelos seres afetados.
Bruno Milanez, em “Mineração, Ambiente e Sociedade: Impactos Complexos e Simplificação da Legislação”, salienta que Gudynas (2015) relaciona a atividade mineradora à extração de um membro por meio de cirurgia2: assim como médicos, as mineradoras supostamente deveriam intentar minimizar o impacto de sua atuação; todavia, mesmo uma cirurgia conduzida com todo o cuidado ainda deixará um “coto”2. O mesmo ocorre com a mineração: a atividade mineradora, ainda que feita de maneira consciente e cuidadosa, retira grandes quantidades de solo da paisagem, desfigurando o microclima, a fauna e a flora2. Tal alteração pode amplificar outros efeitos da mineração, como a extinção de espécies, o assoreamento de rios e a poluição de lençóis freáticos.
No que tange ao cenário brasileiro, a extração de carvão a céu aberto nas regiões carboníferas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul polui os recursos hídricos com sulfato e ferro – tóxicos para a fauna e a flora –, além de diminuir drasticamente o pH da água para números próximos a 3, o que medra a sequela no ecossistema. A mineração de ouro polui o meio ambiente com o elemento arsênio – também tóxico, por sua vez –, e a mineração de chumbo em Adrianópolis e Cerro Azul, no Paraná, e em Ribeira e Iporanga, em São Paulo, elevou a quantidade de chumbo no sangue da população local acima do limite seguro estipulado pelo Centers for Disease Control.6
Ainda, sabe-se que um grande problema da atividade mineradora é o armazenamento dos dejetos advindos da lavra. No Brasil, esses resíduos costumam ser contidos por barragens causadoras de grandes impactos ambientais, como o alagamento de seus arredores. Se rompidas, causam danos catastróficos nas suas imediações, dos quais os desastres em Brumadinho e em Mariana servem como exemplo. Para evitar desastres do tipo, há diversas alternativas que ajudam a realizar, nas palavras de Milanez, a cirurgia com sucesso, sendo elas: o tratamento dos subprodutos por adensamento eletrocinético, a transformação em pasta, o armazenamento em tubos geotêxteis, a disposição de rejeitos secos em baias e o ressecamento seguido de codisposição e empilhamento drenado7. Apesar dos métodos supracitados serem menos nocivos ao ambiente, é improvável que um dia surja uma técnica isenta de impactos ambientais.
Além dos impactos gerados na atividade mineradora, há os impactos remanescentes após o descomissionamento das barragens. Os resíduos, tóxicos, e em grandes quantidades, devem ser geridos após o fim do afã. Tal gestão se dá, normalmente, de duas maneiras. Um dos métodos é o "esvaziamento"8 ; os resíduos são drenados de dentro da barragem e separados, para terem três possíveis destinos: reaproveitamento; descarte em outras barragens ou rios, no caso da água; e descarte em outras barragens, depósito seco ou cavas abertas, no caso dos resíduos sólidos. Após isso, os diques são retirados, e recupera-se a paisagem ambiental, reflorestando-se a área e, possivelmente, redirecionado ao seu curso natural rios que foram desviados. É necessário perceber que esse processo é muito dispendioso, tanto no âmbito econômico quanto pelo tempo empregado e, assim, pouco atraente para as empresas.
O outro procedimento8, mais rápido e barato, se dá pelo aterro; simplesmente drena-se parte da água contida na barragem, e cobre-se os resíduos com terra, processo seguido pelo reflorestamento da área. A vegetação ajuda a absorver a umidade dos rejeitos, o que diminui a contaminação do solo e as infiltrações. Todavia, esse método oferece um risco maior de erosão, além de, quando feito com displicência, comprometer a qualidade do solo. Independentemente do processo empregado, a mineração deixa sequelas tanto na paisagem quanto no solo, com possíveis reminiscências de resíduos.
Sob essa ótica, é importante também notar que as barragens, mesmo quando inativas, ainda podem representar um perigo à sociedade. Devido à falta de comprometimento das empresas com o meio ambiente ou à organização precária, é muito comum que elas sejam abandonadas de maneira inadequada, como é o caso das barragens 1 e 2 da Mina do Engenho em Minas Gerais. Inativas há sete anos e construídas pela Mundo Mineração, pertencente ao grupo australiano Mundo Minerals, atualmente em estado de falência9, encontram-se na na lista da Agência Nacional de Mineração (ANM) com classificação A, ou seja, risco alto e elevado potencial de dano. Para se ter uma noção do perigo, a barragem da mineradora Vale em Brumadinho era classificada como de baixo-risco, evidenciando a herança perigosa que os australianos deixaram aos mineiros. É evidente que quanto mais tempo elas permanecem abandonadas, maior é o risco de um desastre de Mariana ocorrer; logo, não é à toa que a prefeitura de Nova Lima, principal município afetado por um suposto rompimento, já notificou o Ministério Público diversas vezes, mesmo sem obter uma resposta eficaz. Outro problema é que, diferentemente da Vale, a Mundo Mineração não teria dinheiro para pagar eventuais indenizações, causando uma preocupação ainda maior na população.
Como se não bastasse, em 2016, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), do governo mineiro, detectou nada menos do que 400 minas abandonadas ou desativadas no Estado10. Apesar de não significar, necessariamente, que as barragens estejam em estado crítico, o relatório cita casos em que as empresas não atualizaram o relatório a respeito de seus rejeitos. Três casos causam grande preocupação: Mundo Mineração, Minar Mineração Aredes e Topázio Imperial Mineração. Esses abandonos levaram Carlos Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), a entendê-las como uma bomba relógio, pois, segundo ele, “A conta um dia vai chegar e tem o potencial de quebrar de vez o Estado”.
Tendo em vista todos os impactos causados pela atividade mineradora, é de extrema relevância notar que eles muitas vezes não são imediatos, mas que nem por isso são irrelevantes, e que merecem a devida atenção. Por mais, apesar de os danos ambientais serem inerentes à mineração, é necessário se utilizar de métodos que os amenizem, uma vez que é inviável depender somente das técnicas nocivas utilizadas até o presente momento no Brasil. É evidente que uma parte dos danos causados ao meio ambiente é irreversível; mesmo assim, é preciso se esforçar para recuperar o máximo possível da região degradada. A Constituição Federal de 1988 declara que aquele que explora os recursos minerais possui a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado11 e, portanto, julga imperativo reverter os impactos causados ao ambiente, demonstrando a importância dessa reversão.
Reportagem acerca dos impactos da mineração no interior do país:
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2gu0yZOW2oc