Apresentação

Em nosso estudo, a partir da consideração de que as instituições de ensino e as reformas educativas são produzidas a partir de relações de poder e de classe, geradoras de embates de concepções de sociedade, de trabalho e de cultura, buscamos capturar as contradições do desenvolvimento histórico das concepções e políticas de formação da força de trabalho na escola/universidade em todos os níveis e modalidades de ensino, mas também em outros espaços como, os movimentos sociais, sindicatos, partidos e entidades representativas de classe.

Em nossa tese doutoral, buscamos apreender as modificações ocorridas na educação superior bem como na concepção de educação tecnológica que orienta, não apenas, a formulação de políticas públicas para o nível superior, mas também, o projeto burguês de modernização e de reforma universitária, tendo como finalidade analisar a reforma da educação superior, em curso, no Brasil desde os anos de 1990, com foco no desenvolvimento das políticas de ciência e tecnologia, particularmente nos períodos de governo de FHC a Lula da Silva (1995-2010), comparada à reforma do Ensino Superior, em Portugal.

Empregamos como mediações a concepção de universidade, no Brasil e em Portugal, partindo das origens do Estado moderno (também uma mediação), quando a universidade é submetida, ao mesmo tempo, ao ideal de formação dos sujeitos e aos interesses do Estado-Nação.

Outra mediação selecionada foi a formulação das políticas de ciência, tecnologia e inovação, no Brasil e em Portugal, a partir da década de 1960, quando o desenvolvimento econômico e a modernização do Estado passam a exigir a produção sistematizada de conhecimento científico-tecnológico. Sem, entretanto, perder de vista que cada uma dessas mediações faz parte da realidade social, o que implica a constituição de totalidades em torno de cada uma dessas mediações, as quais por sua vez, possuem mediações específicas para se concretizarem.

Temas em torno da educação, em geral, e a educação superior, em particular, como educação para o trabalho; educação e desenvolvimento econômico; desenvolvimento científico-tecnológico e educação profissional científico-tecnológica; internacionalização da economia e internacionalização do conhecimento; modernização da universidade e reforma da educação superior; tempo de formação e expansão do número de matrículas no ensino superior; e, ainda, a autonomia pedagógica e administrativo-financeira da universidade, são temas do presente, resquícios e indícios de um processo histórico multiplamente determinado por contradições entre capital e trabalho e trabalho e educação.

O trabalho, para Karl Marx e Friedrich Engels, não é algo abstrato, como qualquer ato de trabalho ou atividade em geral e tampouco apenas dispêndio de força de trabalho.

O Trabalho está para além de uma atividade simples, seja física, seja intelectual, que consome energia muscular ou cerebral. Em O capital, Karl Marx conceitua trabalho como o processo entre homem e natureza; nessa perspectiva, trabalho é, antes de tudo, um processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo — braços e pernas, cabeça e mãos—, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais.

Nesta perspectiva, nossa análise tem como centralidade a práxis humana na produção e reprodução da vida sócio-cultural, e por conseguinte, no relevo do significado do trabalho - base e parte da práxis humana - enquanto atividade transformadora da natureza e mediação das relações sociais. Perspectiva esta, de Marx e Engels, que parte das bases reais — de sujeitos reais, suas ações e suas condições materiais de existência — e da história como método e processo.

George Lukácks aponta que a modificação do pensamento humano só pode se capturada na práxis, cuja essência é elemento decisivo da autoeducação humana. na medida em que, todos os conflitos que o ser humano é forçado a dominar, intelectivamente, repousam em contradições da práxis na respectiva vida e ali desembocam.

A essência do trabalho, sendo base e modelo da práxis, está relacionada à influência do homem sobre a natureza. Essência esta que, como afirma Engels, possui caráter de uma ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão. É por esta razão que, Lukácks, filósofo húngaro, afirma a existência da consciência humana como resultado da relação entre o ser biológico-físico e o ser social, mediada pela oposição entre a necessidade e a liberdade. À medida que o trabalho atende à necessidade, se autonomiza em direção à liberdade, à emancipação humana.

É no e pelo trabalho que o ser humano aprende a produzir e reproduzir sua existência e, ao mesmo tempo, se educa e se emancipa em processo aberto ao infinito. Nesta perspectiva, Dermeval Saviani evidencia a identidade entre trabalho e educação.

Trabalho e Educação são dois elementos partes da essência do ser humano, que formam um par dialético. Assim, por serem mediações dos processos sociais da existência humana, o trabalho e a educação são fundamentais no processo de produção e reprodução da vida humana.

Entretanto, na sociedade capitalista, contraditória em sua essência, o trabalho apresenta-se duplamente dimensionado: de um lado, é atividade central na história do homem, tanto no que se refere aos processos de sociabilidade, quanto à emancipação do ser humano; de outro, encontra-se, não apenas, subsumido à produção de mercadorias, mas também, reduzido ele próprio à mercadoria, aprisionando-se ao salário, à exploração, à alienação.

Por sua vez, a educação ‒ com o desenvolvimento da produção, que engendrou a divisão do trabalho segundo especializações, bem como a apropriação privada dos meios de produção, que dividiu os homens entre senhores e escravos, patrícios e plebeus, barões e servos, burgueses e proletários ‒ assume caráter de classe, voltando-se para os interesses da classe dominante no poder, dos quais não se libertará enquanto a sociedade, assim, for cindida em classes.