Projeto KM228

A prática da composição musical pela manipulação de amostras sonoras para performances com uso do Ableton Live.

Esta pesquisa tem por objetivo explorar de maneira criativa o uso de técnicas de captação sonora para a construção de um banco de samples e o desenvolvimento de composições musicais, através da manipulação sonora com o software Ableton Live para edição e performance musical. Pretendemos explorar as transformações sonoras em “tempo real” dentro do processo de criação, possibilitando novas atuações performáticas e composicionais dos músicos através de materiais e instrumentos tanto acústicos como digitais. Buscamos como resultado duas composições com estilos diferentes entre si e material audiovisual com o detalhamento do processo de captação, criação e apresentação.


Composições

Música: Burning Stars

Isabella Nunes de Oliveira

Música: Tormenta

Ana Júlia Gomes de Almeida

Música: (Des)Conexo

Felipe Romagna

Projeto

1. Introdução

A informática desde o seu aperfeiçoamento para máquinas pessoais e portáteis, como notebooks e smartphones, trouxe a flexibilização e a democratização de certos tipos de produções e processamentos antes exclusivos a grandes corporações ou pessoas de alto poder aquisitivo. Na produção musical esta transformação tecnológica foi significativa no sentido de possibilitar e facilitar não somente o mercado de registros fonográficos, mas como também o processo de criação e desenvolvimento artístico-musical. Apesar do uso da tecnologia eletrônica na música não ser exclusivo do período dos computadores portáteis, foi nesta época, principalmente no início da década de 90, em que as possibilidades de processamento se tornaram mais relevantes e de fácil acesso. Porém, as primeiras composições realizadas mediadas por computadores se deram por volta da década de 50:

A primeira peça musical totalmente composta por intermédio de um computador foi criada por Lejaren Hiller e Leonard Issacson na Universidade de Illinois. Hiller e Issacson utilizaram um computador chamado Illiac no qual programaram um conjunto de algoritmos baseados em regras de contraponto e controle estocástico e com o qual criaram uma obra para quarteto de cordas chamada Illiac Suite (1956-57) (MONTEIRO, 2012, p. 3).

Os conceitos que serão aqui trabalhados necessitam de um breve esclarecimento. Este trabalho irá desenvolver diversos processos de síntese sonora, ou seja, uma maneira de produção de sonoridades mediada por recursos tecnológicos ou eletrônicos. Porém, o termo “música eletrônica” erroneamente tem sido empregado somente ao tipo de produção musical desenvolvida por DJs, sendo que esta terminologia foi empregada inicialmente em 1949 pelo linguista Werner Meyer-Eppler, para designar um tipo de composição realizada em estúdio na Alemanha e que se contrapunha à recém criada Música Concreta desenvolvida na França neste mesmo período (CORRÊA, 2012, p. 6). Por este motivo, quando aqui nos referirmos ao termo “música eletrônica”, não estamos fazendo referência ao universo DJ como conhecido popularmente.

Para uma breve contextualização histórica, a música concreta foi desenvolvida inicialmente na França por um grupo de pesquisadores liderado por Pierre Schaeffer, e baseava-se no uso de qualquer material sonoro preexistente, podendo ser tanto ruídos como sons considerados musicais. Para as composições eram utilizadas estruturas e técnicas tradicionais de composição juntamente com objetos sonoros não convencionais. A performance na música concreta não utilizava da figura humana, eram realizadas somente com aparelhos amplificadores, caixas de som, para que o público não tivesse estímulos visuais que pudessem desconcentrá-los do principal objeto que era o som, dando origem ao repertório conhecido como música acusmática. O objetivo de Schaeffer era desvincular uma identificação da fonte sonora isolando a essência e as texturas sonoras.

Com uma metodologia oposta à música concreta francesa, temos a música eletrônica que surgiu na Alemanha liderada por Herbert Eimert e Werner Meyer-Eppler. Nesse grupo ainda estiveram nomes de compositores como Karlheinz Stockhausen e Henri Pousseur. Na música eletrônica os experimentos eram realizados com o uso de geradores de som ou ruídos por moduladores de frequências não harmônicas, filtros, sintetizadores e tudo que pudesse permitir um controle ou uma manipulação física do som, não sendo necessário captação de materiais sonoros acústicos. Essa era a principal diferença com a música concreta. Porém com o passar dos anos, os fundamentos técnicos composicionais e estéticos destes dois movimentos se entrelaçaram dando origem ao que conhecemos hoje como música eletroacústica.

Ainda no sentido de trazer luz aos conceitos utilizados neste trabalho, as técnicas de captação sonora que aqui serão utilizadas fazem referência ao processo de gravação e edição de sound design, termo creditado a Walter Murch e Ben Burtt e comumente utilizado para tratamentos sonoros no cinema - a princípio não relacionados à trilha sonora - principalmente a partir da década de 1970 (CHAVES, 2016, p. 5). Acreditamos que a partir deste meio de captação podemos desenvolver o lado criativo, com materiais pouco convencionais ao meio musical popular, aprimorando a escuta e as possibilidades de trabalhos de uma amostra sonora. Partimos do princípio que todo som pode ser material para o trabalho intencionalmente musical, assim como afirma SCHAEFFER:

[...] os silêncios falam; o menor ruído, uma folha de papel amassado, a batida de uma porta, e nossos ouvidos parecem escutar pela primeira vez. Sim, as coisas agora têm uma linguagem, como a própria semelhança das palavras o diz: imagem que é a linguagem para o olho e bruitage (sonoplastia), que é linguagem para o ouvido. (SCHAEFFER, apud REYNER, 2012, p. 97)

Buscamos explorar neste trabalho a criatividade na busca de materiais sonoros que possam gerar possibilidades diversificadas através da manipulação destes em softwares de edição. Essa prática já é de uma certa maneira extremamente utilizada por compositores, principalmente os de música eletrônica e eletroacústica, mas também como DJs e profissionais de som. Porém não pretendemos somente efetuar a criação deste banco de samples, e sim utilizá-los dentro da criação de músicas para que estes materiais possam ser manipulados ao vivo, em tempo real, tanto no palco como em uma gravação seja audiovisual ou somente fonográfica.

Neste sentido, para edições simples das amostras que serão captadas podemos utilizar qualquer DAW[1] para efetivação do trabalho, porém poucos são os softwares que possibilitam ao músico a manipulação e edição em tempo real durante uma apresentação. Atualmente, o programa que melhor se qualifica e atende as necessidades deste projeto é o Live, desenvolvido pela empresa Ableton, fundada no ano de 1999 e com o primeiro release do programa em 2001. A empresa busca atender as necessidades e o entendimento de desenvolvimento de softwares pela ótica do músico – muitos dos programas de edição dão prioridade para a visão do engenheiro de som – criando mecanismos que possam mediar e facilitar a performance principalmente em tempo real.

Ableton Live has become a dominant platform in both studio and live contexts where there is a need to combine both sequenced and played materials or electronic and acoustic sounds. (Knowles; Donna, 2012, p.6).

Neste programa podemos criar amostras de áudio através de instrumentos virtuais ou acústicos e manipular informações ao mesmo tempo que a música está sendo executada no palco ou estúdio, sendo esta a justificativa principal para a escolha desta DAW para o desenvolvimento desta pesquisa.

Na prática da composição musical nos basearemos na importância da construção do motivo – elemento rítmico ou melódico que caracteriza um reconhecimento auditivo da obra ou de um trecho musical - e de como as frases e tessituras musicais vão se construindo ao redor dele. Para Schoenberg:

[...] o motivo básico é frequentemente considerado o “germe” da ideia [...] De qualquer maneira, tudo depende do uso que se faz dele. Que o motivo seja simples ou complexo, que seja formado de poucos ou muitos elementos, a impressão final da peça não será determinada por sua forma básica: tudo dependerá de seu tratamento e desenvolvimento. (SCHOENBERG, 2015, p. 35).

Por fim, como referências musicais da proposta indicada neste projeto, utilizaremos o trabalho da artista americana Katie Gately e do holandês Frank Wienk, com nome artístico de BINKBEATS. Gately caracteriza o seu som como música eletrônica experimental, onde realiza várias manipulações sonoras utilizando o Ableton Live e pedais de processamento de efeito para manipulação sonora da voz humana. Muito por conta da sua formação em sound design pela University of Southern California, procura integrar diversos tipos de amostras sonoras captadas nos mais diversos lugares para compor a sua biblioteca de samples. Wienk, por sua vez, utiliza mais do universo da improvisação com instrumentos e o que ele chama de “sons orgânicos” para a construção em tempo real de suas músicas. O seu repertório varia entre vários estilos musicais como IDM[2], jazz, hip-hop, clássico, pop e minimalismo. Existem inúmeras outras referências voltadas para a música eletroacústica, porém com um enfoque em tendências musicais mais eruditas e da música serial. As composições que trabalharemos neste projeto terão como referência a música popular e improvisada.

2. Objetivos

2.1 Objetivo Geral

Compor duas músicas originais a partir da captação e manipulação de materiais sonoros diversos com uso do software Ableton Live.

2.2 Objetivos Específicos

· Captar amostras sonoras para banco de samples.

· Desenvolver habilidades com experiências sonoras e plug-ins no Ableton Live.

· Desenvolver etapas e forma das composições musicais.

· Desenvolver mixagem e masterização das composições.

· Gravar vídeo explicativo sobre o processo de composição.

3. Justificativa

O Instituto Federal de Rondônia é uma instituição que preza pelo compromisso do ensino integral do ser humano, não priorizando um ensino tecnicista e valorizando todas as áreas do conhecimento, assim como a música. Encontramos poucas pesquisas referentes a área artístico-musical não somente no instituto, mas como também no Estado de Rondônia de uma maneira geral, que historicamente desenvolve poucos trabalhos significativos nas áreas culturais e artísticas com uma grande desvalorização e falta de incentivo na produção local.

No sentido de aproveitar o capital humano presente na instituição, assim como suas áreas fins – cursos técnicos e superiores que são ofertados especificamente no Campus Cacoal, como é o caso de Informática – sugerimos que o desenvolvimento desta pesquisa é relevante tanto no aspecto técnico, com conteúdo relacionado na área de tecnologia, como também pelo ponto de vista estético, criativo e artístico, desenvolvendo diversas habilidades nos alunos envolvidos no projeto, assim como a sua repercussão na comunidade interna e externa do município, agregando valor para à produção musical já presente na cidade.

Acreditamos ainda que a tecnologia é algo inerente ao cotidiano do ser humano contemporâneo e que as formas de relações com objetos, pessoas, trabalho e a arte estão interligadas dentro desse processo de “informatização” da vida moderna. Como bem ressalta CUNHA e MARTINS (1998):

Vivemos num século onde o progresso da ciência transformou as formas de percepção de tempo e espaço e isto se traduz em arte e isto se traduz em música. Novas percepções geram a necessidade de novos meios, novos instrumentos, novas ferramentas para gerar os novos objetos sonoros que gerarão a nova música.

Em muitos casos o ensino musical ainda possui certa resistência com relação ao uso da tecnologia dentro de um aspecto estético e performático do músico e os resultados que se obtêm a partir desta relação. Buscaremos aqui, em uma situação de aprendizado continuado novas experiências tanto no aspecto de criação artística como também pedagógico para o fazer musical em uma perspectiva educacional.

Este projeto tem potencial de inovação por se comprometer a desenvolver duas composições originais, com registros fonográficos autenticados pela Associação Brasileira de Música e Artes (ABRAMUS), para fins de direitos autorias dos envolvidos no projeto. Neste sentido iremos trabalhar também a divulgação e marca da instituição através das mídias sociais e material audiovisual que será produzido durante a execução do projeto.

4. Materiais e Métodos

Esta pesquisa tem caráter experimental, tendo em vista que o material sonoro será manipulado em ambiente controlado (laboratório de informática do

Campus Cacoal) e desenvolvido após diversos testes para finalização das composições.

Teoricamente este trabalho efetuará embasamento nos estudos de composição e arranjo de SCHOENBER (2015) e ALMADA (2000). Os conceitos que muitas vezes se aproximam da música eletrônica, música concreta e música eletroacústica mista serão argumentados pelos trabalhos desenvolvidos por CHION (1983), MENEZES (1996) e HOLMES (2002), pela vasta experiência destes nas definições e estudos nas áreas citadas.

Os equipamentos que serão utilizadas para captação serão: um gravador portátil Zoom H5, microfone condensador, smartphones e microfones dinâmicos. Para efetuar a conversão do áudio analógico para o digital será utilizada uma interface Focusrite 6i6, sendo este processo essencial para o trabalho de manipulação no computador.

Após as etapas de captação sonora, seguiremos para uma fase de testes e experiências com as amostras utilizando plug-ins equalizadores, osciladores, phaser, delay, distorções e programadores de loops dentro da plataforma Ableton Live. Será necessário também a utilização do controlador Novation Launchkey 25 para a manipulação das amostras e loops em tempo real. Todos estes equipamentos, com exceção do software Ableton Live, são de propriedade particular do coordenador do projeto.

As composições não poderão ultrapassar 5 (cinco) minutos de duração e deverão possuir pelo menos 3 (três) partes distintas melodicamente, harmonicamente e ritmicamente. Serão priorizadas tessituras musicais não sendo necessário a classificação ou enquadramento com qualquer gênero musical, a princípio.



[1] Digital Audio Workstation.

[2] Intelligent dance music. Termo empregado principalmente no Reino Unido para o final da era Rave britânica no início dos anos 90.

1. Equipe

Este projeto contará inicialmente com a participação de 2 (dois) alunos bolsistas do ensino médio integrado e 1 (um) coordenador, totalizando 3 pessoas. A carga horária do coordenador será de 4 horas semanais para o projeto e de 10 horas semanais para cada aluno bolsista.

Os alunos serão responsáveis pela execução das atividades propostas como captação e desenvolvimento das composições musicais. O coordenador ficará responsável pelo treinamento e suporte de captação e edição de áudio, treinamento na plataforma Ableton Live e direcionamento estético musical das obras.

2. Referências Bibliográficas

CHAVES, Renan Paiva. Pensamentos e práticas sonoras no documentário: trilha sonora, sound design e experimentação. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, São Paulo, Vol 5, Nº1, 2016.

CHION. Michel. Guide des objets sonores: Pierre Schaeffer et la recherche musicale, Paris: Buchet/Chastel, 1983.

CORRÊA, João Francisco de Souza. Música Concreta e Eletrônica: Uma Exposição Sobre As Origens Da Música Eletroacústica. In: Encontro Internacional de Música e Arte Sonora. Juiz de Fora – MG. Anais... Juiz de Fora: UFJF, 2012.

CUNHA, Glória; MARTINS, Maria Cecília. Tecnologia, Produção e Educação Musical: Descompassos e Desafinos. In: IV Congresso da Rede Iberoamericana de Informática Educativa. Anais... Brasília: UFRGS, 1998.

HOLMES, Thom. Electronic and experimental music: pioneers in technology and composition. 2nd ed. New York: Routledge, 2002. 322 p.

KNOWLES, Julian D. & HEWITT, Donna. Performance recordivity: studio music in a live context. In Burgess, Richard James & Isakoff, Katia (Eds.) 7th Art of Record Production Conference, 2 - 4 December 2012, San Fran- cisco State University, San Francisco, CA.

MENEZES, Flo. Música Eletroacústica: Histórias e Estéticas. São Paulo, USP, 1996.

MONTEIRO, Adriano Claro. Criação e Performance Musical no Contexto dos Instrumentos Musicais Digitais. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Campinas - SP, 2012.

SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da Composição Musical. 3 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

REYNER, Igor. A Escuta em Pierre Schaeffer: Uma Perversão Poética. In: IV Seminário Música Ciência e Tecnologia: Fronteiras e Rupturas. São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2012. Disponível em < http://www2.eca.usp.br/smct/ojs/index.php/smct/article/viewFile/58/57>. Acesso em 15 jul. 2019.


Materiais gravados

Fotos