Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica
Os relatos iniciais de manifestações de extensão universitária ocorreram na europa na segunda metade do século XIX. Tendo como berço a Inglaterra e depois se expandido para Bélgica, Alemanha e demais países do continente europeu, em um contexto histórico de consolidação da revolução industrial e avanço significativo do capitalismo.
Neste período, a imposição do modo de produção capitalista desconfigurou grandes contradições sociais e provocou manifestações de segmentos sociais historicamente marginalizados, provocando mudanças tanto governamentais - através de implementações de um conjunto de políticas sociais, chamado de Estado de Bem-estar Social -, quanto de fundamento político - onde partidos políticos socialistas ganham força e expressividade -, ou ainda de cunho religioso - tais como a chamada doutrina social estabelecida através da igreja católica ou de uma versão protestante do cristianismo social.
Se na Europa a extensão universitária possuía um caráter de disseminação de conhecimento científico e aproximação da universidade com demandas sociais emergentes daquela sociedade, nos Estados Unidos a extensão teve um caráter de prestadora de serviços e transferência de tecnologia, buscando uma maior aproximação entre universidades e ramos empresariais de fins economicamente liberais.
Já na américa latina o grande marco da extensão se dá em 1918 em Córdoba na Argentina através da chamada Reforma Universitária, fruto da revolução mexicana de 1910, que buscava romper o distanciamento das universidades controladas prioritariamente por ordens religiosas que tinham cunho elitista e segregadoras com os grandes problemas sociais, econômicos, políticos e culturais que estas nações enfrentavam neste período.
Tais como a revolução mexicana, em outros países da américa latina, no século XX, surgiram outras revoluções de ponto de vista democrático e popular, disseminando-se pela América Latina uma série de mobilizações e reformas de cunho social, tendo como pano de fundo a luta de classes e o surgimento e fortalecimento de organizações e partidos políticos socialistas e comunistas, provocando uma reação de enfrentamento destes movimentos, através da implantação de uma série de golpes de estados, eclodindo um cenário de guerras civis, perseguições e mortes.
No Brasil, embora haja relatos de sua existência no início do século XX, através das Universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, as atividades extensionistas tinham um caráter secundário dentro das universidades, decorrentes do ensino e da pesquisa, limitando-se, conforme Nogueira (2013, p.32) “à divulgação dos resultados da pesquisa ou ao reforço do ensino, atingindo uma camada da população que já tinha acesso aos cursos superiores”.
O Decreto n. 19.851 de 1931 que instituiu o estatuto das Universidades Brasileiras é o primeiro marco legal da extensão no Brasil, ao consignar em lei o termo extensão universitária, definindo que os Conselhos Universitários seriam os responsáveis por sua execução (artigo 23), que seriam ofertados via cursos e conferências (artigo 42), com o intuito de prolongar as atividades técnicas da universidade (artigo 35) e com o objetivo de difundir os conhecimentos acadêmicos em benefício do aperfeiçoamento individual e coletivo (artigo 109), e caracterizava-se como uma ação feita pela instituição acadêmica para o aperfeiçoamento de seu quadro interno e não para atender a comunidade externa.
As décadas de 1950 e 1960 tem grandes marcos para a extensão universitária no Brasil, tais como os seminários nacionais da reforma universitária, realizados pela União Nacional dos Estudantes - UNE, que entre outros objetivos buscava garantir a luta pela democratização do ensino, a abertura da universidade ao povo através de cursos acessíveis a todos e posicionamento político de universitários em defesa dos operários, incluindo a Reforma Universitária entre as Reformas de Base propostas por João Goulart, trazendo um cenário, conforme Paula (2013), tanto no âmbito rural, quanto no âmbito urbano, de suma importância para a aproximação e atuação das universidades no meio social daquela época.
Embora a extensão já estivesse consignada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, somente em 1968, como fruto da Reforma Universitária no Brasil, através da Lei n. 5.540, a extensão passa a ser reconhecida como atividade inerente à Universidade (artigo 69) e amplia sua inserção com a oferta de cursos e serviços especiais na melhoria das condições de vida da comunidade e no processo geral do desenvolvimento (artigo 40).
No período de 1964 a 1985 a extensão universitária é influenciada pela emergência e demandas de movimento sociais urbanos e rurais que ultrapassam a centralidade de lutas classistas para reivindicações básicas coletivas, tais como de habitação, energia e saneamento, criando uma heterogênea e múltipla comunidade de sujeitos e movimentos.
Após esse período de ditadura no país, a extensão universitária não só é chamada a atuar nesse novo e complexo universo social, aproximando e ampliando suas ações na realidade social brasileira, como o de exercer a tradicional atuação junto aos arranjos produtivos, seja através da transferência de tecnologia, seja através da prestação de serviços.
Ainda, historicamente no Brasil, pode-se considerar como o grande marco pós-ditadura na extensão universitária a criação, em 1987, do Fórum de Pró-Reitores da Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX) que, segundo Paula,
"foi decisivo na construção da política de extensão que vigora hoje, seja no referente à conceptualização da extensão universitária, seja na construção de instrumentos de avaliação e acompanhamento de ações de extensão, seja na efetiva institucionalização da extensão como dimensão indescartável da atuação universitária; seja como principal interlocutor na definição das políticas públicas de fomento à extensão."
PAULA, 2013, p.20
Em 1988 a promulgação da Constituição Federal responde a estes movimentos elevando a extensão aos mesmos patamares de direitos do ensino e da pesquisa nas instituições de ensino superior, ao instituir legalmente a indissociabilidade entre o tríduo (artigo 207) e ao possibilitar o financiamento público de suas ações (artigo 213).
Em 1996 a nova LDB - Lei n. 9.394, traz avanços legais de suma importância para a extensão no ensino superior ao tratá-la como uma das finalidades da educação superior (artigo 43), incluindo-a na definição de universidade (artigo 52), caracterizando-a como oferta de cursos e programas (artigo 44) e abrindo possibilidades de investimentos públicos, incluindo a possibilidade de fomento de bolsas (artigos 53 e 77).
Em 1998, o FORPROEX elaborou e aprovou o Plano Nacional de Extensão, organizando a atuação da extensão universitária em oito linhas temáticas (saúde, educação, trabalho, meio ambiente, comunicação, direitos humanos e justiça, tecnologia de produção e cultura) e trazendo com princípios referenciais a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a interação dialógica com a sociedade, a inter e a transdisciplinaridade, maior impacto e eficácia social das ações e afirmação dos compromissos éticos e sociais da universidade.
Em 2007, antevendo a criação dos Institutos Federais e a reestruturação dos Centros Federais de Educação Tecnológica como Institutos de Ensino, Ciência e Tecnologia, foi criado o Fórum de Dirigentes de Extensão - FORDIREX (órgão assessor do Conselho dos Diretores de Centros Federais de Educação Tecnológica - CONCEFET), visando repensar as atividades extensionistas realizadas nestes centros, que até então eram realizadas de forma isoladas, como uma ação integrada em rede.
Em 2008, a Lei n. 11.982 que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, consigna em Lei a extensão como uma das finalidades destas instituições (artigo 6) e ratifica suas ações como objetivos estratégicos da educação profissional e tecnológica (artigo 7).
Neste mesmo ano, o FORDIREX dá origem, através da chamada “Carta de Alagoas”, a uma série de ações e discussões, constituindo em 2009 o Fórum de Pró-Reitores de Extensão e Cargos Equivalentes da Rede Federal de EPCT - FORPROEXT, que normatiza as ações extensionistas na rede através do documento “Extensão Tecnológica na Rede EPCT”, trazendo diretrizes “para a consolidação do fazer acadêmico da Extensão na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil.” (2013, p.7)
Este documento inova ao entender que o conceito de extensão universitária dentro de um contexto de EPT precisa ser revisto e, desta forma, incorpora especificidades desta realidade, ressignificando o processo extensionista, dando origem a uma nova compreensão, que mantém a essência extensionista universitária, que é da interação transformadora entre instituição e sociedade, e acrescenta para esse cenário o mundo do trabalho e o desenvolvimento sócio-econômico sustentável local e regional.
Atualmente o IFFar traz em suas políticas de extensão, contemplados através do seu Plano de Desenvolvimento Institucional 2020-2026, um alinhamento histórico com os documentos e preceitos legais da extensão no Brasil, tendo como base a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, a Lei de Criação dos Institutos Federais (Lei 11.892 de 2018), as discussões e documentos gerados através do FORPROEX e FORPROEXT.
Embora a extensão tenha múltiplas concepções historicamente constituídas e ainda cultivadas e desenvolvidas nos dias atuais, é necessário, antes de se falar e de se atuar em extensão, refletir qual/quais concepções estão implícitas neste processo e de que forma tais concepções se alinham e se complementam com as concepções do sujeito extensionista e da própria instituição ao qual ele se vincula.
...buscamos dialogar neste texto sobre a concepção "transmissiva" a partir de sua origem nórtica (Europa e América do Norte) e as discussões de extensão como processo "comunicativo e social" desenvolvido na América do Sul e no Brasil, bem como a construção histórica e atual concepção de extensão presente nos dispositivos legais no País e nos documentos formais do IFFar.
Quais as contribuições que os dispositivos legais trouxeram ou trazem para a definição de extensão para as instituições e para a efetivação destes conceitos na prática?
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988. Presidência da República, Brasília - DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 17 nov 2019.
BRASIL. Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931. Institui o Estatuto das Universidades Brasileiras. Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro - RJ, 1931. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19851-11-abril-1931-505837-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em: 15 dez 2019.
BRASIL. Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília - DF, 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5540compilada.htm> Acesso em: 15 mar 2020.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República, Brasília - DF, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 20 nov 2019.
BRASIL. Lei n. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia e dá outras providências. Presidência da República, Brasília - DF, 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11892.htm> Acesso em: 17 nov 2019.
LUNARDI, Raquel et al. A extensão no Instituto Federal Farroupilha (IFFar): Construindo saberes e aproximando pessoas. Boletim Técnico Científico IF Farroupilha, v. 6, n. 1, jul 2020. Disponível em: <http://periodicos.iffarroupilha.edu.br/index.php/boletim-tecnico-cientifico/article/view/267> Acesso em: 10 ago 2020.
NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. Avaliação da Extensão Universitária: práticas e discussões da Comissão Permanente de Avaliação da Extensão. Organização: Sonia Regina Mendes dos Santos et al. Belo Horizonte - MG: FORPROEX/CPAE, PROEX/UFMG, 2013, 167 p. Disponível em: <https://www.ufmg.br/proex/renex/images/avalia%C3%A7%C3%A3o_da_extens%C3%A3o-_livro_8.pdf> Acesso em: 10 jun 2020.
PAULA, João Antônio de. A extensão universitária: história, conceito e propostas. Interfaces - Revista de Extensão, v. 1, n. 1, p. 05-23, jul/nov 2013. Disponível em: <https://www.semanticscholar.org/paper/A-extens%C3%A3o-universit%C3%A1ria%3A-hist%C3%B3ria%2C-conceito-e-Paula/d5168b505f327b99dba56d19bf18aae7b98795ef> Acesso em: 24 abr 2020
XAVIER, Ana Cláudia Galvão et al. Capítulo I - Concepções, Diretrizes e Indicadores da Extensão na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – EPCT in Extensão Tecnológica - Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica/ Conselho Nacional das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. --Cuiabá (MT): CONIF/IFMT, 2013.