DO RIO ELBA AO PORTO DE RIO GRANDE NUM VELEIRO
Diário de bordo de Guilherme Morsch
Prefácio escrito pelo P. Arthur Rocha Morsch, S.J. em 1989
Partiu da Alemanha, pelo rio Elba, no dia 9 de julho de 1864, com 21 anos de idade, viajando num veleiro, e após 3 meses e 17 dias chegou ao porto de Rio Grande, no dia 26 de outubro. O veleiro tinha, segundo dados anotados por ele, após muitas páginas em branco do seu “diário", as seguintes dimensões: 83 pés de comprimento; 24 de largura; 17-18 de altura; na água 9 1/2. Em metros: 25m de comprimento, 7 m de largura, 5m50 de altura, 2m75 na água. Como termo de comparação, a réplica da “PINTA" — uma das caravelas de Colombo — que está sendo construída em Cabo Frio, segundo o projeto do etnógrafo americano John Sarsfield, e que deverá estar concluída até 1992, terá 23 metros de comprimento.
A caderneta do diário
Tem 15x9cm, com 155 páginas, das quais ele só usou 59 para os apontamentos do Diário desde o rio Elba até Rio Grande. Essa caderneta preciosa ficou desconhecida desde 1864. Estava no fundo de um baú velho, talvez da viagem. Caiu-me nas mãos quando de uma visita, há 4 anos, à velha casa de meu avô Guilherme. Mas foi só neste ano de 1989 que o seu conteúdo, após 125 anos, graças à dedicação de um parente e amigo, conhecedor dos segredos do xerox, por meio de ampliações e técnicas especiais, tornou-se legível e pôde ser traduzido por quem conhecesse a escrita gótica.
O Diário foi escrito a lápis por um jovem de letra corrente e segura. Só um jovem já de boa cultura poderia ter escrito o Diário como escreveu. E isso se explica por sua formação. Iniciara os estudos de medicina, seguindo a carreira do pai e de dois irmãos mais velhos. No seu certificado de batismo, escrito em latim, cuja "cópia in fide” possuímos, e que ele requerera em 02 de julho de 1864, 7 dias antes de embarcar, na igreja paroquial católica de Birkenfeld – lê-se o seguinte: "filius legitimus Franciscus Josephus Morsch, cirurgius et pater..., levantibus Patrinis suis Carlos Guilherme Morsch, cirurgius et frater, etc.” (“filho legítimo de Francisco José Morsch, médico-cirurgião...; sendo seus padrinhos Carlos Guilherme Morsch, irmão, médico-cirurgião, etc.”). E na petição para o seu casamento em Passo Fundo, em 1867, lê-se o seguinte de seu irmão Luiz, 13 anos mais velho do que ele, como 3a testemunha: “casado, com 37 anos de idade, morador desta Vila, cirurgião ...".
Circunstâncias históricas
A viagem de Guilherme Morsch foi empreendida justamente no ano em que Bismarck, com o seu plano para a unificação da Alemanha, iniciara primeiro, no front Norte, a chamada “Guerra dos Ducados”, declarando guerra à Dinamarca, em janeiro de 1864. Com as forças prussianas bem preparadas unidas às austríacas, invadiu em 1o de fevereiro o Ducado de Schleswig, conquistando-o em 18 de abril. Apesar da derrota da esquadra austro-prussiana em Helgoland em 9 de abril, a Dinamarca, diante da conquista territorial dos três Ducados, pediu a paz, cedendo-os à Prússia e à Áustria, em 30 de outubro de 1861.
O veleiro "Joahnnes”, portanto, percorreu o Elba um ou dois meses depois do término da conquista territorial dos três Ducados da Dinamarca. E o Diário registra, no dia 10 de julho, dia seguinte à partida: "lançamos âncora defronte à cidade de Glüchstadt ... e tivemos a sorte de ver soldados hanoverianos entrar lá, a saber, uma massa colossal com bandeiras e música". Eram presumivelmente as forças do então reinado de Hanover, ligado à Áustria, que voltavam da guerra.
Para tomar o veleiro, teve de atravessar toda a Alemanha de então, tendo saído de Birkenfeld, sua cidade natal, do território de Hunsrück, no Palatinado renano, entre o Reno e a França. Esse território que fazia parte, então, da Confederação prussiana estava em paz em 1864, pois Bismark só em 1870 - após ter vencido em 1866, no front leste, a Áustria e anexado o Reinado de Hanover à Prússia - virou-se para o Oeste e invadiu a França pela Renânia, conquistando os territórios de habitantes de língua alemã, a Alsacia-Lorena.
Na perspectiva da invasão da França, centenas e centenas de estudantes embarcaram anos antes, para os Estados Unidos em maior número e em menor número para o Rio Grande do Sul e o fizeram certamente incentivados pelos pais que viveram, na infância, os horrores das guerras napoleônicas, que terminaram em 1814.
P. Arthur Rocha Morsch, S.J.
Padre Morsch publicou o Diário em 1989 na revista "Cultura e Fé"
O Diário de Bordo
9 de julho de 1864 - Partida precisamente às 4h (da tarde) em um barco rebocado por um vapor até Stöhr; desordem horrível. Chegados lá, lançadas as âncoras. Permanecemos nesse local de noite.
10 de julho - Às 3 da manhã, com as velas enfunadas, levantadas as âncoras, prosseguimos viagem. Às 12h, almoço com sopa de carne e batatas. Às 12h30min, vento fraco, mal se percebe avançar o navio; um cabo me acerta tirando-me o boné da cabeça, e lá se foi ele com o Elba para o mar. Às 14h começou a maré e lançadas as âncoras, estacionamos defronte à cidade de Glückstadt (antigamente ocupada pelos dinamarqueses) e tivemos a sorte de ver soldados do exército hanoveriano lá entrar, uma massa colossal com bandeiras e música. Às 18h começou a soprar de novo o vento, de maneira que, com velas enfunadas, podíamos prosseguir a viagem. Às 20h passamos diante de Sta. Margaretha, um local romântico com muitos moinhos de vento. Às 21h30min estou no convés, olhando à direita e à esquerda do navio, que estava a uma ou duas horas de distância das margens. O sol acaba de se pôr. A lua reflete-se, maravilhosamente, no rio Elba, liso como um espelho. O panorama é esplêndido. Lançadas as âncoras. Boa noite!
11 de julho - Às 3h30min da madrugada ouvi o ribombar de canhões. Deve ter havido alguma escaramuça no mar, perto de Heligoland. Mas não pudemos ver nada. Às 10h, vimos duas “See-hunde" (focas). Às 10h30min navegamos, passando por Cuxhaven, que fica à esquerda; à direita não enxergamos mais terra nenhuma; às 11h30min estávamos em mar aberto. Às 15h devemos lançar âncora (vento contrário, maré cheia). Às 18h pudemos levantar âncoras, pois o vento tinha mudado muito favoravelmente. Navegamos, então, com a velocidade do vento, assim que às 19h30min mal podíamos ver terra. Às 20h30min passamos velozmente perto de 3 navios de guerra. Houve uma tempestade violenta; muito trabalho. De noite, às 11h30min cruzamos ao lado de Heligoland. Pudemos ver claramente as luzes.
12 de julho — Deitei à 1h da noite, tendo conversado muito tempo com o comandante do navio, no leme. De manhã, pelas 9h, fomos novamente impelidos para trás até aos navios de guerra; fomos obrigados a repercorrer todo o trajeto, o que só conseguimos às 13h15min. Comecei a sentir o enjôo do mar, uma sensação horrível.
15 de julho - Passou o enjôo, sentindo-me bem, como peixe na água, e com uma fome colossal (kolossalen Hunger). A água do Mar do Norte, inicialmente, após o Elba, era de um verde-claro, tornando-se, depois, cada vez mais escura e, agora, estou sentado à proa, vendo as águas de um lindo azul.
Até hoje temos visto em cada dia cerca de 7 a 8 navios. No momento, às 13h, estamos vendo 5.
16 de julho - Dois barcos pesqueiros ingleses nos trouxeram peixes a bordo, que comemos às 6h da tarde e sem gordura. Pelas 12 horas da noite, chegamos a vislumbrar os faróis da Inglaterra.
17 de julho - É o segundo domingo no navio. Às 8h30min passamos à vista da cidade de Dover à distância de 1 milha. Linda paisagem de esplêndidas rochas cretáceas. Não pudemos ver Calais, pois navegávamos muito próximos da Inglaterra. À tarde, das 7h30min às 8h15min, estive no camarote do Capitão, bebendo "infernalmente". Às 9h passamos por perto da cidade industrial inglesa de Hastings. Pudemos ver milhares e milhares de luzes. A noite era maravilhosa e fiquei até às 11h30min em cima, com nosso gentil Capitão, e me entretinha prazerosamente com ele.
18 de julho - Uma neblina cerrada impede a visão da costa distante. Mal podíamos distinguir algo dela. Quase não se percebia vento. Que navegar miserável! Às 9h forte ribombar de canhão, que também se ouviu pelas 8h da tarde.
19 de julho - 8h da manhã, espetáculo horrível! desordem em toda parte: é que Karl Schardom perdera, dias atrás, o seu cachimbo. Ontem desapareceu também a sua bolsa de tabaco. Hoje, com grande susto, não encontrou mais o seu relógio. O Capitão e o Sr. Loeblein ordenaram um inquérito. Descobriram o relógio na cama de 3 moças. Mas o criminoso e também o cachimbo e a bolsa de tabaco ainda não foram encontrados.
Às 16h30min a uma distância de 100 passos, um grande navio de guerra austríaco.
20 de julho -- Às 11h enxergamos um golfinho bem de perto. Se tivesse uma vara à mão, poderia tê-lo tocado. Às 12h30min estamos vendo 3 grandes navios de guerra prussianos, chamados "Panzerfregatte". Hoje vimos pelo menos 40 a 50 navios que com o vento favorável entraram no Canal. Somente nós estamos condenados a ziguezaguear e não conseguimos avançar, porque o vento vem da direção para onde devemos navegar.
21 e 22 de julho - Senti, novamente, bastante tontura.
23 de julho - Pelas 10h da manhã estamos vendo 2 grandes navios de guerra ingleses, acompanhados de uma canhoneira, bem perto de nós.
24 de julho - 3o domingo no navio. Entre 3 e 4 horas da tarde fizemos salada de batatas, bom divertimento! Às 4h15min da tarde deixamos à direita a grande cidade marítima de Plymouth. Olhando pelo binóculo, vimos claramente o farol, construído bem dentro do mar. Se não me engano muito, realiza-se ali o teatro "Jeane Eyre”.
25 de julho - Tempo ruim. Muita chuva. Muito frio. O casaco do Meyer me presta excelentes serviços. A todo momento batem as ondas, que cresceram até tornarem-se como montanhas, passando por cima dos bordos do navio, de modo que andamos com os pés na água.
26 de julho - Sopra um vento calmo, de maneira que não avançamos nem uma milha.
27 de julho - Perto do amanhecer, sonhei que estava em casa no melhor dos aposentos dos meus queridos irmãos. Só o pai e Willi não estavam lá. De repente, vem este último excitado e grita: “Vem cá, Wilhelm, há alguém aqui". Saltei com toda a pressa. Meu pai dormia no sofá. Um dos rapazes dos quais Willi falava e que eu reconheci, era o pequeno Naher (cocheiro); estava ocupado em esvaziar os bolsos do meu pai. Num instante, peguei-o pela goela ... e acordei. Era pelas 7h da manhã. Tempo de levantar, e é o que fiz. Subi ao convés. Calmaria. Navio parado. Cerca de 1 hora depois do meio-dia, levantou-se um vento fraco e conseguimos navegar lentamente. Depois, foi-se tornando mais forte durante 5 horas. Então avançamos bastante, embora o navio devesse lutar fortemente contra as ondas.
28 de julho - Ao meio-dia, 12h, entramos no Oceano Atlântico.
29 e 30 de julho - Vento ruim. Nada mais.
31 de julho - 4o domingo no navio. Dia da festa na linha divisória das águas. Neblina terrível. Mal se podia ver a 100 passos. Profundas saudades de casa! Pelas 13h o tempo se abriu, tornando-se mais agradável. E o vento começou a soprar bastante forte. Milhares de ondas se sucediam, ameaçando-nos afundar. Mas, leve como uma casca de nóz, nosso navio levantava-se sempre de novo, enfrentando-as.
1.° de agosto - Tempo maravilhoso! Às 6h, vento favorável. Conseguimos navegar 10 milhas inglesas (18,5 km) numa hora.
2 de agosto - Tempo bom. Vento também mais ou menos bom.
3 de agosto - Tempo muito bonito.
4 de agosto — Tempo esplêndido. Algo de vento, mas muito desfavorável, pois o mesmo soprava na direção contrária para onde devíamos navegar. Navegamos na altura de 44 graus de latitude norte.
5 de agosto - Tempo ainda mais bonito do que ontem. O vento continua sempre contrário. Às 6 da tarde, o vento cessou. Calmaria total também durante toda a noite.
6 de agosto - Tendo-me levantado pelas 5h30min da manhã, não se percebia nenhum vento. Pelas 6h30min começou a soprar um vento fraco mas favorável. Às 8h aprecio inúmeros peixes que acompanham o navio, nadando com rapidez e a todo instante saltam para fora à altura de 9 pés e ao longo de 5-6 pés sobre a água. É voz corrente entre os marinheiros que a presença desses peixes prenuncia vento bom. Foi, de fato, o que aconteceu, pois agora sopra um vento que não poderia ser melhor.
7 de agosto - 5o domingo no navio. Tempo e vento não podiam ser melhores. À tardinha o vento se tornou sempre mais fraco e pelas 8h já não se percebia vento algum. Pelo que soube dos marinheiros, não ventou durante toda a noite.
8 de agosto - Pelas 7h começou a ventar e sempre mais forte, até que, pelas 10h, já era quase um temporal. Mas, como era favorável, foi-nos muito útil, pois em uma hora percorremos 6 1/2 milhas, o que é muito.
9 de agosto - Vento bom, bastante quente. Estamos na altura de 40o de latitude norte. À noite, pelas 8h30min, iria conseguir uma profissão especial. Qual?... Parteiro! É isto que deveria ser. Às 9h nasceu uma menina sadia, sob um belo luar, com música e canto, de uma família de Merl, no Mosela.
10 de agosto - Vento um pouco contrário. Às 4h da tarde, a menininha nascida recebeu o batismo de emergência por meio do Prof. Glaeser, de Mottnig, passageiro do navio, com o nome de Joana Elisabeth. Foram padrinhos o Sr. Loeblein e a Sra. Becker, de Dämscheid.
11 de agosto - Ao levantar, ânsias de vômito, mas foi só bílis. Vento contrário. De noite, um pouco mais favorável. E depois, calmaria.
12 de agosto -- Vento quase imperceptível, mas a direção é boa. O sol queima terrivelmente. O alcatrão que veda as fendas começa a derreter-se. Pelas 11h vimos um tronco passar ao lado do navio, em que estavam presas milhares de conchas. Parecia um montão de conchas. E um cardume de peixes o seguia.
13 de agosto - Ao meio-dia, à hora do almoço houve alarme e gritos. Um tubarão! um tubarão! Pulei para vê-lo. E vi, a uns 100 passos mais ou menos de distância, as barbatanas fora d'água. Nada mais se podia ver. Um pouco depois, ou quase ao mesmo tempo, vimos atrás do leme, a uns 10 pés de profundidade, 4 golfinhos. Vimo-los claramente, mas não conseguimos pegá-los.
14 de agosto - 6o domingo no navio. Encontrei um piolho na minha perna esquerda e o Henrique tinha dois na sua perna. Às 4h30min apareceram peixes chamados “lulas". Dois deles voaram até o convés. Tempo e vento muito bons.
15 de agosto - Assunção de Maria. Vento desfavorável. Tempo quente. Durante o dia todo, o navio estava cercado por peixes de uns 3 pés de comprimento. Os arpões foram preparados. O cozinheiro foi encarregado de lançá-los. Quando os peixes se aproximaram a uma distância conveniente para poderem ser atingidos, voou o arpão e um foi atingido, ficando preso nele. Mas, ao chegar à superfície da água, soltou-se, fugiu e desapareceu. E mais nenhum se aproximou o bastante para ficar ao seu alcance. Às 10h da noite tomamos um banho para valer.
16 de agosto - Vento forte contrário, de maneira que, em vez de navegarmos para oeste, fomos para sudeste. Pelas 10h da manhã, houve uma pequena altercação com H. Hanck, no jogo 66, que era o nosso jogo habitual de passatempo.
17 de agosto - Pela manhã, encheram-se com água do mar os barris vazios da água potável, a fim de que o navio não perdesse o lastro necessário. Antes de deitar, à noite, aplicamos uma pomada, para nos defendermos contra piolhos.
18 de agosto - Desde domingo temos à vista um brigue (antigo navio a vela), o que é uma grande raridade no alto mar. Estou sofrendo dores fortes por causa da pomada contra piolhos; apliquei demais.
19 de agosto - Pelas 10h, encontramo-nos na mesma latitude da ilha da Madeira. Não pudemos vê-la devido ao vento desfavorável, que nos vinha afastando sempre mais para o oeste. Na ponta do nosso navio podemos ver, nitidamente, o piloto de um tubarão (um peixe tão grande como um arenque) e de cor listrada como uma zebra. Do último, porém, nada podemos notar.
20 de agosto - Vento forte, pena que não nos seja favorável. Pelo meio-dia vimos multidões de peixes voadores, uns 300 simultaneamente se levantarem das águas. Pelas 1h da tarde vimos um navio.
21 de agosto - 7o domingo no mar. Levantei-me às 4h da manhã e subi ao convés, quando sobre ele caiu alguma coisa. O cozinheiro correu na direção e conseguiu pegar um dos peixes voadores, que eu, assim, podia ver de perto. Do navio de ontem nada mais se via. Vento forte, mas não muito favorável.
22 de agosto - Estando sujas algumas das minhas camisas, como também minha calça esporte, comecei eu mesmo a lavá-las e imaginem: ficaram mais limpas do que quando o Schardong as tinha lavado! Vento muito fraco.
23 de agosto - Mar alto. Quase nada de vento. Por isso quase não saimos donde estávamos. Pouco depois do meio-dia, foi se tornando sempre mais forte o vento, de modo que pelas 4h da tarde voávanos céleres - vento nordeste - que na opinião do timoneiro mudaria para monção, que conservaríamos até 6 graus de latitude norte. Atualmente nos achamos a 27 graus.
24 de agosto - O vento soprou a noite toda, e, quando hoje cheguei ao convés pelas 4h, ele era mais forte e melhor do que ontem. Uma onda nos entregava à outra e balançávamos alegremente, o que já suporto muito bem. Das 8 até às 12h preparamos Henrique e eu biscoitos para uma cuca. A Sra. von Wallau (natural de Bobbart, no Reno) nos prometeu novamente fazer. Às 13h estava pronta para entrar no forno e, às 18h30min, a consumimos com um apetite próprio de famintos.
25 de agosto - O vento ainda bem forte e favorável. Achamo-nos a 23 graus de latitude norte.
26 de agosto - De manhã, pelas 6h, passamos o trópico de Câncer, 22 1/2 latitude norte. Encontramo-nos, portanto, na zona quente. Temos de novo um navio em nossa proximidade e com o mesmo curso que o nosso. O vento está ainda conforme aos nossos desejos. O navio avistado chama-se Sardenha, de Liverpool, e pelos dizeres do capitão havia levado 43 dias até nos encontrar. Às 12h da noite, passou por nós um grande vapor inglês, rumo ao Rio de Janeiro. Foi um espetáculo notável (kolos saler Spektakel) a bordo de nosso navio.
27 de agosto - Vento ainda sempre ótimo. Tempo claro, calor terrível.
28 de agosto - 8o domingo no navio. Logo de manhã reclamações violentas. Recebemos somente a metade da comida. As porções distribuídas são cada vez menores. Hoje, nossa porção de manteiga destinada a 8 pessoas, que deveria ser de 3 1/3 Pfund (1 Pfund -- 1/2 kilo), foi reduzida para 3/4 de Pfund. Não admira a reclamação. E a discussão teve como resultado que, ao meio dia, tivemos pãezinhos novos, que deveriam ter durado até terça, mas foram todos comidos, senão haveria fome. Não se poderia desejar vento melhor.
29 de agosto - O vento a cada dia melhor, a cada dia mais forte. A esse respeito não há nenhuma queixa. Esta manhã, pelas 9h, vi ao lado do navio um peixe de pelo menos 12 pés, cujo nome não fiquei sabendo. De tarde lavei uma das camisas já meio rasgada.
A partir das 16h a força do vento aumentava sempre mais, de modo que, quando nos deitamos, às 22h, já se tinha tornado uma pequena tempestade.
30 de agosto - Pelas 4h da madrugada acordei com o rugido distante do vento que nos prenunciava a proximidade de uma tempestade. Num instante pulei da cama, e, pondo as calças, camisa e sapatos, sai, rápido, para o convés. E, apenas lá chegando, fui acolhido por um vagalhão que me encharcou completamente. Desde então vinham elas continuamente. E a cada momento batiam as ondas, elevadas de uns 30-40 pés de altura, sobre o bordo. Só homens vigorosos podiam permanecer no convés. Em mulheres e crianças nem se podia pensar. Ao meio dia, durante o almoço, caíram as travessas com a comida e tivemos de passar fome até a noite. Por duas ou três vezes a tormenta amainava uns 3-4 minutos e então, após esse decurso de tempo, ela voltava duplamente enfurecida. Vimos a morte diante dos olhos. E em meio a isso, podia-se ouvir os gritos das mulheres e das crianças. As velas do navio foram juntadas duas a duas, e essas duas foram consideravelmente reduzidas. Pela manhã, encontramo-nos com 2 navios. A tormenta parecia tornar-se cada vez mais forte. À noite, pelas 10h, estava tão exausto, que tive de ir deitar-me, apesar do mau cheiro nas entrecobertas e do calor quase insuportável.
31 de agosto- Pelas 2 da madrugada a tormenta, de novo, acalmou um pouco; estávamos, assim, salvos do perigo. No entanto, sem o suspeitar, justamente quando nos entregávamos a essa alegria, estivemos em um maior perigo. É que ontem de noite mesmo, na agitação, nos esquecemos de dependurar as lanternas no mastro e não podíamos, portanto, devido à impenetrável escuridão, ser percebidos por um outro navio. O timoneiro tinha, então, a principal vigilância. O Capitão dormia. Na proa do navio, um marinheiro de nome Balthasar estava de vigia. Todos ainda se entregavam à alegria de ter sido ultrapassado aquele perigo. E, de repente - eram precisamente 2 horas - o marinheiro de vigia na proa gritou: "navio muito perto, diante de nós! Vamos ser abalroados"! O timoneiro que acorrera não sabia que resolução tomar. Tentava acender as lanternas e na sua angústia não conseguia acendê-las. Mais dois minutos e estaríamos irremediavelmente perdidos; as primeiras 2-3 ondas deveriam lançar o navio sobre nós - navio que estava a pouco mais de 30 passos distante e todos nós encontraríamos no mar um túmulo frio (“kühles grab"...). Então, nesse momento decisivo, apareceu o Capitão. Ele, sozinho, manteve a sua solução. Calmo, deu a ordem; “Todos os que estão no convés gritem com todas as forças"! A ordem de comando foi cumprida imediatamente e eis que o navio mudou a direção no momento seguinte, e passou zunindo bem junto de nós. Estávamos salvos, e na verdade por Deus, mediante a decisão de nosso Capitão. A história toda foi, no entanto, obra de, no máximo, 5 minutos.
1 de setembro O vento é muito fraco. O calor quase insuportável.
2 de setembro - Chuva forte, durante a qual enchemos 5 barris de água. O calor não era muito.
3 de setembro - Durante todo o dia céu claro, sem nenhum vento. um calor terrível, opressivo.
4 de setembro - 9o domingo no navio. Pelas 6h, levantou-se de novo o vento, tornando-se para nós totalmente favorável. Nós o tivemos somente durante 20 horas. Na nossa aflição fizemos um famoso pão (caseiro de coalhada). Ao meio-dia tivemos de estender uma vela para ficarmos um pouco protegidos do sol.
5 e 6 de setembro - Total ausência de vento, em companhia de 2 outros navios, completamente parados. Mal nos podíamos esconder do sol. Encontramo-nos a 10 graus de latitude norte.
7 de setembro - Das 6h da manhã até às 8 da noite, vento fraco, mas favorável; a seguir, toda a noite sem vento. Quatro navios se acham a pequena distância de nós. Durante o dia tínhamos visto 2 navios, um seguindo a nossa direção e o outro na direção contrária.
8 de setembro - Os quatro navios que, durante a noite, estavam perto de nós, estão ainda à vista, 2 seguindo conosco e 2 em direção contrária. Calmaria até às 13h30min, quando o vento começou a soprar, e, em pouco tempo, nos aproximou de tal modo de um dos dois navios que nos acompanhavam - e que navegavam muito melhor do que nós - que podíamos comunicar-nos por meio de sinais de bandeiras. Ele vinha de Londres e se dirigia à cidade do Cabo, no cabo da Boa Esperança, no ponto extremo do Sul da África. O vento vinha de sudoeste, portanto justamente contrário a nós.
9 de setembro - Vento forte, sempre contrário. O tempo é mais ou menos como o nosso na Alemanha, em abril, mas só bem mais quente. Encontramo-nos a 8 graus de latitude norte.
10 de setembro - Total calmaria. 2 navios à vista. O cozinheiro acertou hoje com o arpão de tal maneira o primeiro peixe que ele pôde ser alçado a bordo. Durante a noite uma terrível tempestade.
11 de setembro - 11o domingo no navio. Toda a manhã chuva muito forte. Os navios sempre à vista. Vento forte, mas contrário. Às 2 da tarde veio um navio ao nosso encontro. Sinalizamos novamente com bandeiras e chegamos a saber que era um navio russo.
12 de setembro - De manhã, outra vez chuva torrencial. Vento mais forte do que ontem, mas contrário. E parecia que não teríamos mais vento favorável.
13 de setembro - Hoje provavelmente há "Prämienmarkt” em Birkenfeld. Vento mais forte do que ontem, mas contrário. Temos, novamente, um navio de 3 mastros à vista. Ao meio-dia, às 12h, 7 navios à vista, dos quais 5 com 3 mastros. O calor é muito grande, contudo suportável por causa do vento forte.
14 de setembro - Às 3 da manhã, no segundo quarto ao nosso lado, a esposa de um tal Peter Mahle, de Damscheid, deu à luz uma menina sadia. 6 navios à vista. O vento sempre contrário.
15 de setembro - 0 vento é ainda contrário. Chuva razoavelmente forte. 5 navios ainda à vista. Ao meio-dia, conseguiu o cozinheiro trazer dois delfins (golfinhos) até bordo, mas, quando chegavam em cima, caíram de novo na água.
16 de setembro - De manhã, chuva muito forte. Já enchemos 13 barris com água de chuva, sem contar os que já tomamos. De tarde, às 3 horas, foi batizada a menininha, que recebeu, como a anterior, o nome de Joana, de acordo com o nome do navio. Foram padrinhos: Cornelius Becker de Damscheid e Sra. von Wallau, de Bobbart, no Reno. Pelas 4h, um tubarão estava bem perto do nosso navio.
17 de setembro - Pela manhã, sonhei ter sido chamado 3 vezes por meu pai, e também com isso acordei. Fui ao convés. E notei logo que o vento se tinha tornado muito forte, mas continuava sempre contrário. Estamos agora, no dia de hoje, já há 70 dias (sobre a água) navegando e ainda não chegamos ao Equador.
18 de setembro - 11o domingo no navio. O vento nos é ainda sempre contrário e muito forte. Às 12h sofri um choque tão forte que perdi o equilíbrio. Bati, então, a cabeça com tal violência contra um rolo que cheguei a perder totalmente os sentidos por alguns minutos. E ainda agora, passadas já 3 horas, sinto uma dor de cabeça horrível.
Pelas 4h, um navio (grande, de 3 mastros) chegou tão perto de nós que pudemos comunicar-nos por sinalizações de bandeiras, mas, devido à sua grande rapidez, só pudemos saber que era um navio inglês com o nome de Sir Walter Scott.
19 de setembro - À noite sonhei que me despedia de Georg Simon (tio materno), de sua esposa e filhos entre muitas lágrimas e que tinha tomado com eles café com cuca. Pela manhã, uma pequena revolução da fome por causa dos pãezinhos. O vento é ainda como ontem.
20 de setembro - O vento é um pouco melhor, provavelmente vai hoje mudar para a monção sudeste. Esta manhã, foram levados para o convés cestos de carvão.
21 de setembro - De manhã, pelas 6h, quando cheguei ao convés, 2 navios à vista, um distante de nós e à nossa frente e o outro, a uma boa distância atrás. Ambos seguiam na mesma direção que nós. O último, que estava mais próximo, pelas 8 1/2h, se aproximou tanto que pudemos comunicar-nos por sinalização de bandeiras. Ele nos deu sinal em primeiro lugar com bandeira dinamarquesa e a seguir com a bandeira alemã (preto vermelho-ouro). Era de Holsteiner e precisamente de Kiel, com o nome de “Adelheit". Vinha, nesta viagem, de Jersey, perto de Nova York, tendo navegado até hoje 49 dias e agora se dirige para a Nova Zelândia. Pelas 9h se aproximou tanto de nós que podíamos muito bem conversar com eles e, pelas 10h, de novo acessível, falando conosco mais uma vez, desejando-nos uma boa viagem e se foi altivo à nossa frente. O vento ficou um pouco mais favorável.
22 de setembro - O vento vem bem do sudeste.
23 de setembro - Cruzou por nós um navio sem nos falar nem nos sinalizar. O vento é mais forte do que ontem. Pelas 4h da tarde, estávamos a Sra. Schardong, Marichen, Louis e eu no lado do navio, donde vinha o vento e, quando juntos conversávamos sobre a nossa terra, sobreveio uma forte onda que não nos deixou seco nenhum fio de roupa.
24 de setembro - Hoje, com uma bela monção, passamos a linha do Equador. À noite, todos os passageiros que passam pela primeira vez o Equador deveriam receber o “batismo equatorial". Foi feito com todos exceto sete, dentre os quais eu.
25 de setembro - 12o domingo no navio. Ontem eu pensava que nós 7 tínhamos escapado do batismo. Mas me enganei redondamente, pois hoje, após o almoço, recebemos o nosso próprio batismo. O vento, como me observou esta manhã o timoneiro, vai estar parado. Desde manhã cedo até à tardinha tínhamos um navio à vista.
26 de setembro - De manhã aparei o cabelo e a barba do Capitão, pelo que, além do louvor, visto ambos estarem bem cortados, ganhei uma dúzia de charutos.
27 de setembro - Fernando Noronha. Por volta das 4h, com grande alegria e surpresa, fomos despertados pelas exclamações; "Terra! Terra!” Nós estamos, mesmo, junto à ilha de Fernando Noronha, passando tão próximo, que podíamos ver bem distintamente 7 rochedos da mesma. Quando durante 60 dias não tínhamos mais visto terra, pode-se imaginar com que profundo sentimento nós a saudamos. Um dos rochedos se sobressaía sobre os outros cerca de uns 30 pés, assemelhando-se a uma ruína de castelo.
28 de setembro - Celebramos o aniversário do Freyschlag. O Capitão atirou com um revólver em um pássaro marítimo, semelhante a uma pequena coruja. O cozinheiro pescou 5 delfins (golfinhos), um com anzol e os outros quatro com o arpão. A cada dia melhora o vento.
29 de setembro - Dois golfinhos, por meio do arpão, foram trazidos para o convés. Esta noite, recebi do camarote do Capitão uma posta de um dos golfinhos pescados, com gosto muito semelhante ao do bacalhau.
30 de setembro - Nada de especial.
1o de outubro - Quatro golfinhos foram atingidos pelo arpão e alçados para o convés.
2 de outubro - 13o domingo no navio. Ontem à noite, Schardong e Schuch se altercaram por causa do vinho, tendo Schuch chamado seu colega de "dummer Bub" (bobalhão). Como consequência, Schardong provocou Schuch para um duelo. O duelo foi marcado para as 11 1/2 da noite. Mas antes da hora os dois fizeram as pazes. É que tinha sido uma brincadeira. Passamos uma noite divertida com vinho e charutos que nos foram oferecidos pelo Sr. Ranck, uma noite tão divertida como não me lembro de ter passado igual em casa com meus amigos.
3 de outubro - Bebi uma das minhas garrafas de vinho. A cuca ficou estragada.
4 de outubro - Um navio de 3 mastros nos acompanha muito de perto, mantendo o mesmo curso. Minha colher, nessa manhã, durante a lavagem, caiu no mar sobre os bordos. Ela jaz entre o 139 e o 140 graus de latitude sul e entre 340 e 350 de longitude leste. Pela tarde, um navio veleiro veio ao nosso encontro, passando ao lado a cerca de 100 passos de distância.
5 de outubro - 0 navio que ontem passou por nós, dirigindo-se na mesma rota, nós ainda o vimos hoje, até às 4h da tarde, quando desapareceu no horizonte. O vento tornou-se tão favorável como não o tivemos em toda a viagem.
6 de outubro - Festejamos, hoje, o aniversário de Frantz Schardong e por essa ocasião provamos um excelente pudim feito por Frau Schardong.
7 de outubro - Marichen Schardong foi saudada com um apito de sinalização da parte do Capitão. O vento parece tornar-se bem calmo.
8 de outubro - Temos calmaria de novo. Pelas 4h da tarde levantou de novo o vento, mas contrário a nós.
9 de outubro - 14o domingo no navio. De manhã passei uma grande (kolossalen) fome, e ao meio-dia só comemos a metade do que desejávamos. De tarde comemos um bom bocado de pudim. O vento continua contrário, mas parece que vai melhorar.
10 de outubro - O vento é de novo ótimo. Pelas 5h1/2 da manhã veio um navio ao nosso encontro e nos alcançou às 11h. Saudamo-nos, então, por meio de bandeiras e às perguntas nossas informaram-nos que era um navio dinamarquês e que vinha de Filadélfia para o Rio de Janeiro. Pelas 4h da tarde tinha desaparecido. O vento, então, se torna a cada minuto mais forte. Parece que vem um furacão, algo sério está no ar. Cerca de 6h todas as velas foram recolhidas e, aguardando a cada momento o furacão, os mastros ficaram, de novo, totalmente despidos, como árvores no inverno sem folhas nem ramos. Às 11h desencadeou-se a tempestade com todo o furor. Onda após onda, fustigadas pela força do furacão, se arremessavam, de 3-3 minutos, sobre os parapeitos do convés e ameaçavam lançar para o mar tudo que encontravam no caminho. A noite foi terrível. O navio ameaçava virar a cada momento. Apesar de ser noite de luar, era tal a escuridão que não se podia ver as mãos diante dos olhos. Em compensação cintilavam no mar revolto milhões de infusórios (propriamente protozoários, do gênero Noctiluca), como estrelinhas, constituindo no conjunto, um espetáculo verdadeiramente magnífico. Nas entrecobertas do navio havia uma lastimável desordem. Caixas caíam, crianças gritavam, mulheres rezavam, como se tivesse chegado o último dia.
11 de outubro - Pelas 6h da manhã a tempestade quase terminara. Mas as ondas de 30 a 40 pés de altura continuavam a vir. Durante a tempestade o vento foi-nos favorável. Pelas 10h, tornou-se o vento de novo contrário, soprando sempre mais forte. Pela 1h da tarde começou a soprar novamente do sudeste e, como ontem, de minuto em minuto mais forte. Pelas 5h da tarde, as velas foram novamente recolhidas, e eis a tempestade de novo talvez mais forte do que a da noite passada. Estávamos, contudo, mais ou menos tranquilos e pelas 6 ou 7h da tarde conversávamos diante do camarote, apesar do uivar da tormenta, sobre a nossa chegada a Rio Grande. Aí, de repente, nosso ânimo alegre foi alterado de maneira muito desagradável. Pois, quando estávamos no melhor da conversa, subiu a Sra. Mahle muito perturbada e gritou: “Tragam água, há fogo no depósito das provisões". Atingidos como por um raio com essa notícia, corremos logo para os baldes, enchemo-los com água e descemos rápidos. E, quando chegamos lá embaixo, verificou-se, para nossa não pequena alegria, que não era nada. Desta vez foi só o susto! A tempestade, contudo, bramia toda a noite, mas, ao surgir do dia, passou completamente.
12 de outubro - Ao meio-dia vimos um grande tubarão. A tempestade passou e não deixou nenhum vestígio a não ser um mar alto. Mas a cicatriz daquele grito assustador de "fogo nos porões" ficará gravada na minha memória por toda a eternidade.
13 de outubro - O “Mar alto" se tranqüilizou bastante. O vento não é dos melhores, pois ele vem muito da frente.
14 de outubro - De manhã, vento ruim. Ao meio-dia, tranqüilidade. Uma quantidade de grandes golfinhos junto a nosso navio, um dos quais o cozinheiro acertou com lançamento perfeito do arpão. Mas, por ser muito pesado, não conseguiu trazê-lo a bordo.
15 de outubro - O vento começou de novo, a soprar um pouco, no entanto vem contra nós.
16 de outubro - 15o domingo no navio. De manhã, pelas 4h, o vento foi diminuindo e deixou-nos outra vez parados. Às 12h as velas, de novo, inflaram mas tão pouco que navegávamos com a velocidade da lesma, até que às 4h o vento se tornou de novo mais forte, mas, infelizmente, não bem na nossa direção. À noite, houve jogos e brincadeiras até às 24h.
17 de outubro - Hoje, exatamente, há 100 dias no navio. Ao meio-dia tomaram-se as medidas para levantar as âncoras para fora. À noite, pelas 7h um navio à vista.
18 de outubro - Aniversário da batalha de Leipzig. As âncoras de novo dependuradas, quietas na proa do navio, aguardando a cada momento o comando para mergulhar nas ondas. O vento é maravilhoso.
19 de outubro - O vento já se tornou de novo tão forte, que vai virar numa tempestade.
20 de outubro - O meu temor de ontem não era infundado, pois hoje de manhã estalou o furacão com toda a sua violência. Desta vez era mais forte que os dois anteriores. Todas as velas foram arriadas. E o vento silvava pelos cabos nus, como se apitassem 100 locomotivas de uma vez. A angústia dos passageiros era horrível. Pois, se não tivesse vindo a tempestade, ao meio dia, estaríamos no porto. E assim fomos forçados a voltar ao mar tormentoso. Durante todo o dia a tormenta continuou com a mesma intensidade e, quando pelas 8h fui deitar-me, o tempo não dava ainda nenhuma esperança de melhorar.
21 de outubro - Às 2h da manhã caiu uma chuva forte que pôs fim ao furacão. O mesmo tinha durado 24 horas inteiras.
22 de outubro - O vento torna-se cada vez mais fraco. O frio é tão intenso como na Alemanha em novembro. O casaco do Meyer presta-me, de novo, um excelente serviço.
23 de outubro - 16o domingo no navio. Às 10h da manhã fomos alegremente surpreendidos pelas exclamações: "Land, Land!" (Terra, Terra!). A paisagem é maravilhosa, embora tudo seja areia e só ali e acolá coberta de árvores.
24 de outubro - À 1h da tarde enxergamos um farol e pelas 6h estávamos perto e em frente a ele e o piloto já estava se aproximando de nós, quando se levantou um vento contrário e nos forçou, de novo, ao mar.
25 de outubro - De manhã, às 8h, um vapor rebocou-nos e a um navio dinamarquês, de nome Nicolaus, para dentro da barra. Às 11h 1/2 estávamos seguros. Logo veio a inspeção a bordo e selaram as escotilhas do convés até às 2h. Fomos, então, para Rio do Norte? (S. José do Norte?), porque não havia aqui água suficiente.
26 de outubro - Ao meio-dia fomos rebocados por um vapor para Rio Grande, chegando ali às 3h. Às 5h o Sr. Loeblein, Freischlag e eu tivemos licença de ir a terra. Que satisfação ter, depois de 109 dias, novamente, chão firme debaixo dos pés!...
Encontrei alguns conhecidos, a saber Wilhelm Cullmann, de Ober-Tiefenbach, Jacob Hohser, Operstein, a filha mais velha dos Papsten, que trabalhava na igreja, em Birkenfeld, e o irmão do Sr. Phl. Becker de Porto Alegre e também ele mesmo, que veio no mesmo dia em que eu para cá.
27, 28, 29 e 30 de outubro - Ficamos em Rio Grande por nossa conta, e chegamos a conhecer ainda um jovem de sobrenome Schmidt, de Morschied, que se ocupa na busca de pedras e vai agora viajar de vapor para o Rio de Janeiro. Também conheci o noivo de Magdalena Issler, de sobrenome Haussen, um rapaz muito gentil e ao mesmo tempo muito capaz.
31 de outubro - No vapor encontrei um jovem, Roessler, de Hingenrath, que retorna para a Europa, e ao qual recomendei transmitir saudações a meu pai e irmãos. Às 12h partiu o vapor. E todos nós estávamos contentes de termos finalmente chegado, mas deveríamos alcançar o local do nosso destino.
Infelizmente, ainda, esta viagem devia ser também perturbada. Era pelas 10h da noite. Estava eu deitado no camarote e começava a adormecer, quando se deu um estrondo repentino. Saltei da cama e vi, com não pequeno susto, que algo tinha explodido na máquina de vapor. Os fragmentos voaram com violência pelo ar. Era a bomba que acionava a água para os caldeirões, e agora devíamos nós fazer esse trabalho.
1o de novembro - Todos os Santos. Este dia de festa devia entristecer-se com uma desgraça chocante. Pelas 2h da manhã desci ao quarto onde se encontravam nossos caixotes, para dormir um pouco, por estar bem cansado. Adormeci logo. Teria dormido uma hora quando senti um forte choque. Em um instante estava no convés e vi, para meu grande espanto, que nos tínhamos chocado com um veleiro. Em seguida foram baixados dois botes, sendo salvas as pessoas: o capitão, o piloto, 4 marinheiros pretos e mais uma mulher com 3 filhos de 5 a 10 anos. A mulher perdeu sua bagagem que ficou no veleiro. Foram todos trazidos para o nosso convés. E ainda mais 2 cachorros e 1 porco. Todo o resto afundou.
Saudação ao Capitão e à tripulação do veleiro
(ndr: A saudação seguinte, feita no porto de Rio Grande, ao término da viagem, foi encontrada, depois de muitas folhas em branco, na mesma caderneta do “Diário de bordo")
“Chegados, felizmente, ao término de nossa viagem, não podemos deixar de manifestar o nosso efusivo e profundo sentimento de gratidão ao comandante do nosso navio, o bravo Capitão Vincke, por nos ter trazido, enfrentando ondas e tempestades e em tão longos dias de viagem, sãos e salvos, até Rio Grande. Do mesmo modo, agradecemos ao nosso competente piloto Steuermann, que durante toda a viagem foi para nós um amigo caloroso e nos ajudou com conselhos e ação. E o mesmo fazemos igualmente a toda a tripulação do navio “Joahnnes”, que deve ter parte neste agradecimento.
E, agora, em vez de cada um manifestar pessoalmente seu agradecimento, vamos colocar-nos todos juntos e juntos levantar para eles, do íntimo de nosso coração, um "Hoch”, “Viva". Eis, pois, ao nosso bravo Capitão Vincke, ao nosso bom piloto e a toda a tripulação de serviço do nosso navio Johannes, um vigoroso "Hoch, Hoch, Hoch!” “Viva, Viva, Viva"!
Alimentação a bordo
Em seguida à sua saudação ao Capitão e à tripulação, deixou-nos, ainda, dados interessantes sobre a alimentação a bordo.
Alimentação até o dia 10 de agosto
Domingo: carne de vitela, nhoque com passas de ameixa e melado.
2a-feira: arenque e ervilhas.
3a-feira: carne de vitela e broa de cevada.
4a-feira: carne de porco e chucrute.
5a-feira: carne de vitela e vagens.
6a-feira: arenque e ervilha.
Sábado: carne de porco e chucrute.
A partir do dia 10 de agosto:
Domingo: carne de vitela, nhoque com passas de ameixa e melado.
2a -feira: arenque e ervilha amarela.
3a-feira: carne de vitela e broa de cevada.
4a-feira: carne de porco e vagens.
5a-feira: carne de vitela e arroz.
6a-feira: arenque com ervilha verde.
Sábado: carne de porco e broa de cevada.
De batatas nem se fala.
Receita para fazer o bolo do navio:
- biscoito moído e humedecido com água
- carne salgada de vitela ou de porco
- 1 copo de vinho
- noz moscada e pimenta
- 1/4 de libra de manteiga para untar a forma e passar na
parte de cima da massa
- assar durante 1 hora em forno quente.
Texto transcrito da revista Cultura e Fé nº 47 outubro / dezembro de 1989
O fac-simile acima, correspondente aos dias 18, 19 e 20 de outubro de 1864, narra no dia 20 a última tempestade que retardou a chegada ao porto de Rio Grande, que se deu no dia 25.