PF prende acusados de mandar matar Marielle Franco 

Demora na investigação do crime, de 2018, expõe fragilidade da segurança pública e relação do crime organizado com o Estado

A Polícia Federal (PF) prendeu, no final de março, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, acusados de serem os mandantes do assissinato de Marielle Franco - na ocasião, morreu também o motorista que acompanhava a vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, Anderson Gomes. Além dos Brazão, políticos fluminenses com longa trajetória, o chefe da polícia civil do estado à época, Rivaldo Barbosa, foi preso como suspeito de arquitetar o atentado e atrapalhar o andamento das investigações.


O crime aconteceu em 2018 e se tornou, desde então, um símbolo da incapacidade do Estado de dar resposta à violência, mesmo quando cometida contra autoridade pública. Nos cinco primeiros anos de investigação, foram presos pela execução do assassinato o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz. Mas a motivação e os mandantes do crime permaneceram uma incógnita, mesmo com a forte pressão nacional e internacional sobre os investigadores.


O caso ganhou densidade política principalmente durante o governo de Jair Messias Bolsonaro. O fato de o ex-presidente ser vizinho de Lessa no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, associado ao seu histórico de defesa incondicional da violência policial, e à proximidade com milicianos, passou a ser visto por muitos como indício de envolvimento no atentado - acusação sempre negada pela família Bolsonaro.


A demora de uma resposta das autoridades responsáveis pela investigação, porém, fez com que a pergunta “Quem mandou matar Marielle?” fosse repetida à exaustão nas redes sociais e na imprensa, e transformou a vereadora, ao longo dos anos, em um ícone da esquerda na luta por justiça no país. 


Em contrapartida, a imagem de Marielle passou a ser alvo de campanhas de desinformação da direita, que a acusava, sem evidências, de ser ex-mulher do traficante Marcinho VP, ligada ao Comando Vermelho e usuária de maconha, entre outras coisas.


No ano passado, com a mudança na presidência da república, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), após reuniões com o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), determinou a abertura de inquérito pela PF para apurar o caso. A partir daí, a investigação ganhou celeridade. Em janeiro deste ano, Lessa fechou o acordo de delação premiada que apontou os irmãos Brazão como mandantes do crime - a defesa de ambos, assim como a de Barbosa, nega as acusações.


A motivação para o crime, segundo Lessa declarou aos investigadores, seria a expansão da milícia no Rio de Janeiro. Marielle teria pedido à população que não aderisse a um novo loteamento em áreas de milícia, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, reduto eleitoral dos Brazão -- atualmente, Chiquinho é deputado federal pelo União Brasil e, Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ).


A venda de terras da União como se fossem privadas, apesar de lucrativa, porém, seria apenas parte do projeto. De acordo com especialistas em milícias, como o sociólogo José Cláudio Souza Alves, que estuda o tema há mais de 30 anos, uma vez dominada a área, o leque de possibilidades de lucro se amplia, da construção civil até a venda de serviços básicos, como segurança, água e luz, além de gás, transporte e coleta de lixo, entre outros.


“No Rio de Janeiro a milícia não é um poder paralelo. É o Estado”, afirmou Alves, em entrevista à Pública. “São formadas pelos próprios agentes do Estado. É um matador, é um miliciano que é deputado, que é vereador. É um miliciano que é Secretário de Meio Ambiente. Sem essa conexão direta com a estrutura do Estado não haveria milícia na atuação que ela tem hoje.”


Em sua visão, o caso Marielle é prova de como a milícia atualmente tem poder e força. “Porque bloqueiam em todas as instâncias do Estado, têm acesso a informações, a imagens das câmeras, apagamento de pistas e de testemunhas”, afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econômico


Assim, a resolução do caso seria positiva, mas não pode servir à ilusão de que o problema das milícias no Rio de Janeiro acabou. Longe disso. Para Alves, que dá aulas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ) e é autor de Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense, foi apenas uma batalha ganha em uma guerra muito mais ampla, com vários atores, além dos Brazão. “A milícia chegou a um patamar que não recua com apenas um caso resolvido.” 



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Lula assina PL que regulamenta motoristas de aplicativo 

Texto inclui remuneração mínima por hora trabalhada e  aposentadoria, mas fora das regras da CLT 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, no início de março, o projeto de lei (PL) que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos de transporte de pessoas, como Uber e 99. Criado fora dos limites da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o texto prevê remuneração mínima por hora trabalhada e contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), entre outras coisas, mas exclui o vínculo empregatício. Ou seja, os motoristas não terão carteira de trabalho assinada.


Enviado ao Congresso com urgência constitucional, o texto deverá ser analisado em 45 dias. Se aprovado, dará origem à categoria de trabalhador autônomo por aplicativo, na qual 778 mil brasileiros se enquadram, segundo dados de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - o projeto só contempla veículos de quatro rodas, entregadores de moto ficaram de fora por falta de um acordo. O número representa pouco mais da metade dos cerca de 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam através de plataformas digitais e aplicativos de todo tipo no país, há dois anos, quando foi realizado o levantamento mais recente.


O projeto é resultado de discussões, no Brasil, sobre regulamentação, geradas pelos profundos impactos da revolução digital sobre as relações de trabalho. O surgimento de aplicativos como o Uber, que conectam prestadores de serviço a clientes finais, abriu a possibilidade de milhões de pessoas pelo mundo trabalharem sob demanda, de modo autônomo. Por outro lado, concentrou poder na mão de poucas plataformas, que ficam com parte expressiva dos ganhos, e gerou uma geração dependente de bicos, com baixo rendimento e sem direitos trabalhistas


Nos Estados Unidos, o movimento ficou conhecido como “economia do bico”. Assim que as desvantagens do modelo para os trabalhadores ficaram mais evidentes, passou-se a falar, no Brasil também, em “uberização” do trabalho. Entre os problemas do modelo mais comumente apontados estão a necessidade de se cumprir longas jornadas de trabalho, a baixa remuneração por hora e a falta de assistência, em caso de acidentes, por exemplo.


No Brasil, as discussões sobre a regulamentação do serviço de transporte de passageiros via aplicativos começaram em 2014, com a chegada da Uber ao Brasil - mais tarde, outras empresas, como a 99, também passaram a atuar no segmento. 


No começo, os motoristas do aplicativo operavam sem licença do poder público e com forte subsídio das empresas. Diante da ausência de uma autorização expressa, os taxistas, sujeitos a regras e taxas, organizaram protestos pedindo que o serviço fosse proibido. Em meio a queda de braço, abriu-se no país uma discussão sobre a legalidade dos aplicativos de transporte, que acabaram por ser regulamentados nacionalmente, em 2018. 


No entanto, a questão trabalhista seguiu em aberto. Em boa medida, porque as empresas sempre se recusaram a admitir qualquer vínculo trabalhista. Em parte também porque muitos motoristas sempre afirmaram preferir a flexibilidade de horários do trabalho autônomo do que a segurança da carteira assinada. 

 

A proposta atual do governo tenta conciliar os interesses de todos os envolvidos, incluindo os dele próprio, que passará a arrecadar mais com a regulamentação. Mas isso não significa que tenha recebido apoio geral e seja poupada de críticas.


Dentre as novas medidas, o projeto prevê jornada de trabalho de 8 horas, que poderá ser estendida a 12 horas, de acordo com decisão sindical; remuneração mínima de R$ 32,10, sendo que, deste valor, R$ 8,03 são relacionados ao serviço prestado e R$ 24,07 aos custos de manutenção do veículo; e início da contribuição previdenciária, para garantir a aposentadoria, auxílios-maternidade, doença e acidentário. Além disso, os motoristas também são livres para trabalhar em mais de um aplicativo e recebem vale-alimentação e outros auxílios.


Mas, na visão de lideranças sindicais e estudiosos do tema, é frustrante sob outros aspectos. Um dos motivos apontados ao Poder 360 por Denis Moura, presidente da Associação de Motoristas Particulares Autônomos do Rio de Janeiro e diretor da Federação dos Motoristas por Aplicativos, seria o valor da remuneração mínima, inferior à já feita pelos motoristas. “Vou fazer R$ 40 em uma hora e não vão me dar outra corrida. Vão passar pra outro e pagar o mínimo para todo mundo”, afirmou.


Para Illan Fonseca de Souza, procurador do Ministério Público do Trabalho, que passou 352 horas como motorista de aplicativos para fazer sua tese de doutorado, o projeto parece atender a 100% das reivindicações das plataformas, mas não as dos trabalhadores. Segundo ele, havia expectativa de limitação dos poderes das plataformas, consideradas hoje pouco transparentes em relação a questões como os critérios de direcionamento das corridas e os motivos de banimento, por exemplo. “Eles querem que, de alguma forma, governo e autoridades comecem a limitar todos os poderes, muitos deles arbitrários, que as plataformas impõem hoje à categoria”, disse Souza, em entrevista ao Uol.

Censo 2022: 54,8% dos brasileiros vivem perto do litoral 

Apesar da menor extensão territorial, a faixa costeira do país é a região mais populosa 

Dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em meados de março, mostram que 54,8% dos brasileiros vivem na faixa litorânea do país. Em números absolutos, o percentual equivale a 111.277. 361 pessoas. Em relação ao último Censo, de 2010, o número aumentou em cerca de 5 milhões. Mas a porcentagem é menor que a anterior, de 55,8%, por causa do aumento populacional (6,45), em relação à edição anterior da pesquisa. Mesmo com a queda percentual, a região prevalece como a mais populosa.


A maior densidade populacional em até 150 km do litoral tem razões históricas e econômicas, como explica o analista do Censo Fernando Damasco. Com as caravelas portuguesas chegando pelo litoral nordestino, priorizou-se o povoamento desta região para facilitar a exploração do pau-brasil, madeira abundante na Mata Atlântica. Também eles se depararam com a dificuldade em transpor a Serra do Mar, uma formação geológica do maciço rochoso que percorre quase toda a extensão do litoral Sul e Sudeste brasileiro. Assim, a produção de matérias primas acabou se concentrando mais perto dos portos, praticamente a única via de escoamento para exportação, até meados do século XX.


Outro fator relacionado à maior concentração da população no litoral é o bem-estar. Com a tendência de envelhecimento populacional, muitas pessoas se mudaram para cidades litorâneas após a aposentadoria: mais do que uma questão de saúde, elas buscam uma maior tranquilidade e proximidade com a natureza ao fugir dos grandes centros. A tecnologia e as novas formas de trabalho, tal como o home office, também possibilitaram o êxodo urbano.


O Censo 2022 demonstra também que é possível viver, ao mesmo tempo, perto do litoral e perto da fronteira. É o caso de parte dos estados do Rio Grande do Sul e Amapá, que estão tanto na faixa litorânea quanto na faixa de fronteira. No site do IBGE é possível consultar a densidade demográfica por estado e região e os dados estatísticos de outros indicadores apurados no Censo.


Principal referência para se tratar o perfil de um grupo populacional, o Censo serve de base para uma série de outras pesquisas, em áreas como educação e saúde, e é fundamental para o planejamento e a realização de políticas públicas amplas. No Brasil, normalmente é realizado a cada dez anos. Mas a edição mais recente da pesquisa foi atrasada por causa da pandemia da Covid-19 e, um ano depois, pela suspensão de verbas, que acabaram sendo destinadas também ao combate da doença. 

Romance sobre racismo é censurado por escolas 

Políticos e personalidades da direita criticam “O avesso da pele”, livro aprovado como material didático no governo Bolsonaro

Atos contra O Avesso da Pele, livro do escritor Jeferson Tenório, vencedor de 2021 do Prêmio Jabuti, uma das mais importantes premiações literárias brasileiras, ganharam repercussão e reacenderam os debates sobre censura à arte no Brasil. 


O caso teve início no começo de março, após a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira (RS) pedir ao Ministério da Educação (MEC) o recolhimento dos exemplares distribuídos, em razão do seu “vocabulário de baixo nível” e “vulgaridade”. Desde então, o livro vem sendo retirado de escolas dos estados de Goiás, Paraná e Santa Catarina.


O Avesso da Pele é uma história sensível contado por Pedro, uma criança preta, que relata o assassinato de seu pai, Henrique, um professor assassinado durante uma abordagem policial. O livro carrega em si fortes reflexões sobre os impactos do racismo e outras violências diárias impostas à população preta. A obra é plenamente premiada e faz parte de diversos editais de leitura, tanto governamental, quanto de instituições universitárias. 


Desde então, os atos de censura têm gerado fortes notas de repúdio e manifestações. A iniciar por Margareth Menezes, ministra da Cultura. Em nota, ela afirmou: “Meu total repúdio a qualquer tipo de censura em relação à nossa literatura. O que estiver no escopo do Ministério da Cultura, o que for possível fazer para apoiar, dentro da legalidade, para combater esse tipo de ação, nós faremos.”


Em suas redes sociais, Tenório, o autor, escreveu que: “As distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação. O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras. Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes a ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos”, escreveu.


Também, em nota, o Ministério da Educação afirmou que os professores são responsáveis por escolher os livros utilizados no material didático, não o MEC, e que O Avesso da Pele foi adicionado ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro.


A censura aos livros e à arte, em geral, é um traço característico de governos antidemocráticos, repressores e totalitários, tanto à direita quanto à esquerda. Isso porque, a literatura e a arte, em geral, muitas vezes questionam normas sociais, políticas e culturais estabelecidas, incentivando o pensamento crítico e a reflexão sobre o status quo. Fazem as pessoas pensarem e questionarem, ameaçando o controle da narrativa pública, a autoridade dos censores e a legitimidade dos regimes. A tentativa de censura no Brasil é, assim, um sintoma do incômodo gerado pelos temas tratados no livro, e indicativo de sua relevância.

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