Caso Vini Jr. inflama debate sobre racismo no futebol

Reação do jogador brasileiro a agressões põe em xeque postura de dirigentes, patrocinadores, torcedores, jogadores e da imprensa

Aos 22 anos de idade, o jogador de futebol brasileiro Vinicius José Paixão de Oliveira Júnior, o Vini Jr., está no centro de um dos maiores escândalos de racismo da história recente do futebol mundial. Desde que começou a se destacar no Real Madrid, na Espanha, há cerca de dois anos, o atleta passou a sofrer ofensas racistas e a se posicionar contra elas publicamente. O caso  escancarou o problema e abriu intenso debate sobre a postura de dirigentes, patrocinadores, torcedores, jogadores e da imprensa no combate ao racismo no esporte mais popular do mundo.


O primeiro incidente aconteceu em outubro de 2021, em um clássico contra o Barcelona, no estádio Camp Nou. Desde então, houve pelo menos outros nove. No mais recente e dramático, em uma partida contra o Valência, no dia 21 de maio, Vini Jr. foi expulso depois de reagir a ofensas racistas dos torcedores e do goleiro do time adversário, Giorgi Mamardashvili, e de levar uma gravata no pescoço, dada pelo jogador Hugo Duro.


Em meio uma discussão entre o goleiro e o jogador brasileiro, o j​​uiz da partida não teria visto o brasileiro sofrer a gravata e deu cartão amarelo para ambos. Mas foi chamado pelo VAR em seguida e mudou a punição de Vini Jr. para cartão vermelho. Descobriu-se depois que o VAR mostrou ao juiz de campo um trecho da confusão em que o brasileiro, tentando se livrar da gravata no pescoço, bate com o braço no rosto de Mamardashvili. Mas não o trecho anterior, em que Vini também é agredido.


Vini Jr. saiu de campo aplaudindo de forma irônica a decisão da arbitragem e, depois, foi às redes sociais falar sobre o episódio. “O prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão!”, afirmou. E partiu para o ataque. “Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga (a primeira divisão do futebol espanhol). A competição acha normal, a Federação também e os adversários incentivam. (...) Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui”, afirmou, em uma mensagem publicada no Twitter.


A repercussão foi forte e imediata. Em apoio a Vini Jr., o técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, fez duras críticas à La Liga. “É hora de parar de falar e agir com força. O racismo não pode ter lugar nem no futebol nem na sociedade”, escreveu. Outros jogadores de peso, como o francês Mbappé e brasileiro Neymar, manifestaram apoio à Vini Jr. No Brasil, houve apoio maciço dos Clubes da primeira divisão. E o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, emitiu nota sobre o caso.


Mas o caso ganhou repercussão para além do mundo do futebol. “O ódio e a xenofobia não devem ter lugar no nosso futebol e na nossa sociedade", afirmou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanches, em linha com a declaração do presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva. “É importante que a Fifa, a Liga Espanhola e as ligas de outros países tomem sérias providências porque nós não podemos permitir que o fascismo tome conta, e o racismo, dentro dos estádios de futebol”, disse o mandatário brasileiro.


Diante da repercussão mundial do caso, o presidente da La Liga, Javier Tebas, que vinha atacando o jogador brasileiro nas redes sociais, pediu desculpas. “A todos que entenderam que foi um erro, pela forma e pelo momento… peço desculpas”, afirmou -- ex-integrante do partido fascista Fuerza Nova, que existiu na Espanha entre 1976 e 1982, o dirigente é atualmente apoiador do Vox, uma das principais forças da extrema direita no país.


O Valência foi punido com o fechamento, por cinco jogos, do setor do estádio de onde saíram os insultos a Vini Jr. Os torcedores que o xingaram o jogador brasileiro foram identificados, detidos pela polícia e banidos pelo clube “pelo resto da vida”. Com a atuação enviesada do VAR esclarecida, a Federação Espanhola de Futebol retirou o cartão vermelho dado de Vini Jr. e a Fifa o convidou para um novo comitê anti racismo da entidade.

Mas o problema está longe do fim. Não apenas na Espanha. De acordo com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o número de casos de racismo no futebol brasileiro aumento 40% entre os anos de 2021 e 2022. De 171 casos registrados nos últimos três anos, apenas 35 acabaram com o agressor punido.


Esporte de massas, o futebol sempre esteve sujeito ao uso político, para o bem e para o mal. São clássicas histórias como a da vitória do Dínamo de Kiev sobre os alemães, na Ucrânia ocupada, durante a Segunda Guerra Mundial, e a do uso político da Seleção Brasileira de 1970, para insuflar o ufanismo dos brasileiros durante a ditadura militar. Em anos recentes, Lula se esforçou para trazer a Copa do Mundo ao Brasil e deu suporte à construção de grandes estádios de futebol, enquanto Bolsonaro passou o governo indo a jogos dos mais diferentes clubes.


Se ignorados os ataques racistas aos jogadores, os estádios e agremiações esportivas têm potencial para se tornarem terreno fértil para o crescimento do preconceito e da intolerância. Como mostram os bons resultados de ações anti racismo na Premier League, no Reino Unido, e a reação positiva provocada pela atitude combativa de Vini Jr., a história não precisa ser assim.



Saiba mais:

Racismo dentro e fora do campo - leia aqui 

Governo anuncia que vai regulamentar apostas esportivas

Iniciativa é reação à descoberta de um esquema de manipulação de resultados no futebol brasileiro

O governo brasileiro anunciou, em maio, que vai regulamentar as apostas esportivas na internet. Para isso, planeja enviar Medida Provisória (MP) ao Congresso Nacional e apresentar um projeto de lei que cria uma secretaria de jogos e loterias. O objetivo da MP, segundo o Ministério da Fazenda, é “garantir mais confiança e segurança aos apostadores”, com regras claras e fiscalização. 


A iniciativa é uma reação à descoberta pelo Ministério Público de Goiás (MPDG) de um esquema de manipulação de jogos estaduais e nacionais de futebol, envolvendo jogadores e apostadores. De acordo com as descobertas da chamada operação Penalidade Máxima, os atletas eram aliciados, entre outras coisas, para provocar expulsões, levar cartões amarelos, perder pênaltis e facilitar a derrota de seus times. Em troca, recebiam dinheiro de apostadores que ganhavam altas somas com o esquema.


Em sites de apostas online, é possível jogar não apenas no resultado final das partidas. Mas também na ocorrência de eventos como esses, que geram estatísticas, que podem ser facilmente determinados por um jogador sozinho.  


Com a descoberta da extensão da fraude, a Polícia Federal entrou no caso e foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para aprofundar as investigações. As conclusões devem contribuir para a elaboração da MP e do projeto de lei, segundo o governo


Sites estrangeiros de apostas atualmente movimentam bilhões de reais por ano no Brasil e patrocinam 69% dos times das quatro principais divisões do campeonato brasileiro de futebol. A partir da edição da MP em estudo, as empresas que os controlam terão que ter sede no Brasil, um determinado número de empregados e pagarão uma outorga no momento do credenciamento. Também terão que pagar uma taxa de 16% sobre a receita com as apostas, depois de descontados os prêmios dos apostadores, e realizar campanhas de conscientização sobre o vício em jogos de azar.


Pela proposta, a fiscalização será feita com sistemas de monitoramento online, em tempo real, do volume de apostas de todos os sites credenciados para operar no país. Apostas fora do padrão, como valores milionários em um escanteio, serão postas em suspeita e analisadas para se saber se não houve fraude. 


De acordo com estimativas do Ministério da Fazenda, a regulamentação tem potencial para gerar receita extra de entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões anuais, considerando a taxação não só dos ganhos dos sites, mas também dos prêmios. 


Mas os impactos negativos podem ser tão ou mais custosos. Mesmo com maior fiscalização, existe o risco de aumento da corrupção no esporte e de esquemas de lavagem de dinheiro. O vício em jogos de azar é um problema bastante conhecido, com consequências sociais perversas. E há também a questão da evasão de divisas. De acordo com dados do Banco Central, só no primeiro trimestre de 2023, saíram do Brasil, através de sites de apostas, US$ 2,7 bilhões, e retornaram US$ 1,7 bilhão. A diferença de US$ 1 bilhão ficou lá fora. 



Ministério do Meio Ambiente sofre esvaziamento

Movimento é patrocinado no Congresso pela bancada ruralista, que vê restrições ambientais como ameaças ao agronegócio

O ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, entregue ao comando de Marina Silva, passou em maio por um processo de esvaziamento. O movimento foi patrocinado no Congresso pela bancada ruralista, defensora dos interesses do agronegócio, que condicionou a aprovação de mudanças estruturais importantes, feitas no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, à transferência de poder da área ambiental para outras áreas.


Sem o apoio da Bancada Ruralista, a Medida Provisória que reorganizou e trouxe de volta ministérios extintos no governo de Jair Messias Bolsonaro, como os do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o da Cultura, perderia a validade. Na negociação para mantê-la, Lula cedeu espaço nos Ministérios do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, e no Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, para não começar o governo com uma derrota ainda maior no Congresso.


Com o esvaziamento, o Ministério do Meio Ambiente perdeu o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir), o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). 


Posteriormente, Lula vetou parte do esvaziamento. Com isso, a Política Nacional de Recursos Hídricos, por exemplo, que iria para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, continuou sob o Ministério do Meio Ambiente. 


Mas a perda de poder, mesmo que atenuada, pode dificultar os planos do governo de reverter as políticas de Bolsonaro na área ambiental, reduzir o desmatamento e alinhar o discurso brasileiro ao de outros países preocupados com a mudança climática.

Câmara aprova Lei do Marco Temporal

Texto depende ainda de aprovação no Senado, mas a questão é avaliada em paralelo também pelo Supremo Tribunal Federal

Assim como vêm acontecendo com o meio ambiente, os interesses de povos indígenas brasileiros passaram a ser atacados no Congresso, em maio. A ofensiva teve como principais frentes a redução dos poderes do recém criado Ministério dos Povos Indígenas, comandado por Sonia Guajajara, e a aprovação da Lei do Marco Temporal na Câmara dos Deputados. Mas pode ter desdobramentos também no Supremo Tribunal Federal (STF).


O Marco Temporal uma a tese jurídica que diz que os povos indígenas só têm direito às terras que tradicionalmente ocupavam na data da promulgação da Constituição brasileira de 1988. Para terem direito à demarcação, os indígenas precisam comprovar a ocupação permanente objetivamente.


Seus defensores dizem que o projeto vai trazer segurança jurídica ao agronegócio. Os críticos lembram que muitos povos indígenas foram retirados de forma violenta de suas terras, em períodos como a Ditadura Militar, e por isso não as ocupavam em 1998. Afirmam também que, se aprovado, o projeto coloca em risco não apenas áreas em processo de demarcação, mas também terras demarcadas depois da Constituição. 


Além disso, acréscimos feitos à proposta permitem que o poder público instale estradas, bases e postos militares, redes de comunicação e usinas de energia dentro de áreas demarcadas e adequadas ao Marco Temporal, mesmo sem consultar a Fundação Nacional dos Povos Indígenas ou os indígenas.


Em paralelo às críticas locais, há pressão internacional contra a aprovação do Marco Temporal, que está agora no Senado. Mas existem também outros caminhos abertos para a retirada de direitos indígenas, caso ele não seja aprovado no Congresso. 


Desde 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga a validade do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A tese chegou à corte pela primeira vez em 2009, quando foi aceita para a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em 2013, porém, o jogo virou e a mesma tese foi usada pelo TRF-4 para conceder parte da Reserva Biológica do Sassafrás, em área Terra Inígena Ibirama Laklãnõ, em Santa Catarina, ao Instituto do Meio Ambiente catarinense.


Com os sucessivos recursos, a questão foi parar no STF. A decisão da corte, agora, servirá de referência para decisões de outros 214 processos hoje suspensos em instâncias inferiores da Justiça. E também para o julgamento de casos futuros.

O julgamento estava parado desde que o próprio Moraes pediu mais tempo para estudar o caso, em 2021. No início de junho, o julgamento foi retomado, com o voto contrário do próprio Moraes


Em sua justificativa, porém, o ministro do Supremo defendeu a indenização financeira a ocupantes “de boa fé” de terras indígenas ou compensação aos indígenas com outras áreas. O que, na prática, dificulta as demarcações, por onerar o Estado, e fragiliza a posição dos índios na disputa por suas terras.


A questão indígena é importante não só por razões morais, mas porque é fonte constante de conflitos sociais no país. Além disso, por seu estilo de vida, os indígenas são reconhecidos pela preservação do meio ambiente em biomas chave para a biodiversidade brasileira.

Veja também