Fuga de presídio federal abre crise na segurança pública

Captura de fugitivos é o primeiro desafio de Ricardo Lewandowski  como ministro da Justiça, área sensível para o governo

Dois presos, ligados ao Comando Vermelho, fugiram da Penitenciária Federal de Mossoró (RN), em meados de fevereiro. A fuga, inédita na história do Sistema Penitenciário Federal, abriu uma crise na recém-inaugurada gestão de Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça e Segurança Pública, uma das áreas mais críticas para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.


Formado por cinco unidades de segurança máxima, em diferentes regiões do país, o Sistema Penitenciário Federal foi criado em 2006 com o objetivo de isolar lideranças criminosas e presos de alta periculosidade. É lá que estão encarcerados nomes como Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, do Primeiro Comando da Capital (PCC), e também seu rival, do Comando Vermelho (CV), Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar.


Com a fuga em Mossoró, Lewandowski anunciou uma revisão de equipamentos e protocolos nas prisões federais e, em paralelo, a organização de uma força tarefa, envolvendo a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), além do sistema estadual de segurança do Rio Grande do Norte, para recapturar os fugitivos. Mas, até o fechamento desta edição do Jornalzinho do CP, a dupla continuava foragida.


Independente do desfecho da busca pelos condenados, o fato escancarou ainda mais o problema da segurança pública no país. Ainda que, em 2023, o número de crimes violentos letais intencionais tenha sido o mais baixo registrado pelo governo desde 2010, outros crimes têm avançado e ganhado visibilidade.


Nos últimos anos, organizações do crime organizado, como o PCC e o CV, ampliaram seu domínio e influência para além das fronteiras de São Paulo e do Rio de Janeiro, enquanto milícias se fortaleceram, principalmente na capital do estado fluminense. Em paralelo, aumentaram também crimes digitais, como estelionato, e casos de estupro e feminicídio.


Em alguns estados, como a Bahia, a letalidade policial explodiu, junto com suspeitas de violações dos direitos humanos. O problema foi reduzido em mais de 60% no Estado de São Paulo, entre os anos de 2019 e 2022, com o uso de câmeras corporais pelos policiais. Mas desde o início da gestão do atual governador, Tarcísio de Freitas, contrário ao uso da tecnologia, o número voltou a subir. No primeiro ano, 2023, o percentual foi de 38%, e deve continuar em alta com ações como a Operação Verão, na Baixada Santista, marcada por indícios de execução pelos PMs.


Com todos os problemas, uma pesquisa realizada pelo DataFolha no final de 2023 indicava que 50% dos brasileiros consideravam a gestão do governo na área de Segurança Pública ruim ou péssima. Era, então, a área mais mal avaliada.


O levantamento mostra o tamanho do desafio que Lewandowski e o governo Lula têm pela frente. Frequentemente associada aos direitos humanos, a esquerda brasileira, representada pelo presidente, é vista também por parte do eleitorado como leniente no combate à criminalidade. Com a questão no topo da lista de preocupações da população, o governo terá que encontrar formas de mostrar que é capaz de combater o problema, de forma eficaz, seguindo a legislação, sem partir para a violência indiscriminada defendida por seu antecessor e pela direita radical.


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Nova epidemia de dengue tem mais de um milhão de casos

Com o calor exacerbado, país caminha para um novo recorde de casos em 2024, mesmo com o início da vacinação

O Brasil atualmente enfrenta uma epidemia de dengue com potencial para se tornar a maior da história. Em apenas dois meses de surto, os casos já ultrapassam um milhão, segundo dados do Ministério da Saúde. No total, o país soma 1.017.270 casos e 214 mortes. E, segundo a estimativa, o número pode chegar a 4,2 milhões, em 2024. 


Em visita ao Brasil, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom, disse que o surto de dengue no Brasil faz parte “de um grande aumento em escala global”, com  surtos da doença em áreas antes não propícias. 


O avanço é resultado das mudanças e fenômenos climáticos, como o El Niño, que contribuem para o surgimento de ambientes favoráveis à reprodução do Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença. O inseto põe seus ovos na água e é favorecido durante as estações quentes, quando o acúmulo de água da chuva em áreas urbanas, com grande aglomeração humana, é mais comum. 


Com o aumento dos casos, a prevenção à doença tem se tornado um dos foco das autoridades de saúde pública que, além dos cuidados com água parada e repelente, iniciaram uma campanha de vacinação. Inicialmente, o público-alvo são crianças de 10 a 14 anos, um grupo formado por aproximadamente 3,2 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Saúde. Mas, de acordo com as informações mais recentes dos órgão públicos, apenas 182.204 doses foram aplicadas, o que equivale a 17.5% do total


A vacina aplicada na rede pública neste ano, chamada Qdenga, é importada do Japão, onde é fabricada pela farmacêutica Takeda. Mas o Brasil está testando a sua, produzida pelo Instituto Butantan. A previsão é que seja liberada para aplicação, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já em 2025.

Apesar de ainda não estar disponível neste ano, a vacina com tecnologia nacional será um reforço importante no combate à doença, que tende a crescer com as mudanças climáticas. Além disso, o investimento público na nova tecnologia tende a gerar dividendos com a possível venda para outros países, no futuro, umas vez que a dengue tem se disseminado pelo mundo.

Investigações apontam ligação de Bolsonaro com atos do 8/1

Polícia Federal encontra indícios que reforçam as suspeitas de participação do ex-presidente em tentativa de golpe de Estado

O ex-presidente Jair Messias Bolsonaro viu as chances de ser preso aumentarem com o avanço, em fevereiro, da operação Tempus Veritatis (Tempo da Verdade), da Polícia Federal. A investigação, que apoia um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), encontrou fortes indícios de participação do ex-mandatário na tentativa de um golpe de Estado, no dia 8 de janeiro de 2023, para se manter no poder.


Autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e pela Procuradoria-Geral da República, a operação da PF cumpriu quatro mandados de prisão e 33 de busca e apreensão, no início do mês. Além do ex-presidente, a ação teve como alvos militares de alta patente, ex-assessores e ex-ministros do governo  Bolsonaro, em nove estados e no Distrito Federal.


As investigações da PF apontam que os envolvidos na preparação do golpe se dividiram em seis núcleos para organizar a ação, com o objetivo de invalidar as eleições de 2022 e impedir a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor da disputa. 


Atuando de forma simultânea e coordenada, cada núcleo se dedicava a uma atividade específica. Entre elas, a de produzir e divulgar informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro; cooptar militares e atacar pessoalmente dissidentes nas Forças Armadas; e dar suporte a ações de apoio ao golpe, como as manifestações organizadas na frente de quarteis.


A partir dos materiais apreendidos nas buscas, e de depoimentos de testemunhas, novos indícios vêm reforçando a tese de participação de Bolsonaro na organização dos atentados às sedes do três poderes em Brasília, em janeiro do ano passado. 


Um exemplo é a transferência de R$ 800 mil para uma conta nos Estados Unidos onde, segundo a PF, o ex-presidente aguardaria o desdobramentos das ações planejadas, ainda na expectativa de consumação do golpe. Bolsonaro viajou para a Flórida, no dia 30 de dezembro de 2022, e só retornou ao Brasil três meses depois.


Outro indício ilustrativo da participação de Bolsonaro na orquestração de um golpe de Estado é o vídeo encontrado em um computador de Mauro Cid, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente, que fez acordo de delação premiada. No vídeo, Bolsonaro, em reunião com os ministros, desqualifica o sistema eleitoral, sem provas, e discute planos para se manter no poder.


Para mostrar força política, em resposta ao avanço das investigações da PF, Bolsonaro convocou um ato na Avenida Paulista, em São Paulo, em defesa da anistia aos presos pela tentativa de Golpe, no dia 8 de janeiro. De acordo com um levantamento de pesquisadores da USP, a manifestação, realizada no dia 25 de fevereiro, contou com cerca de 185 mil pessoas, no auge. Mesmo muito aquém do número divulgado pela Polícia Militar, sob o comando do governador Tarcísio de Freitas, aliado de Bolsonaro, a participação foi considerada bastante alta.


Em seu discurso, durante o ato, Bolsonaro negou mais uma vez a participação na tentativa de golpe. E pediu anistia aos presos pelo 8 de janeiro - pedido interpretado também como um pedido de anistia para si mesmo. “O que eu busco é a pacificação, é passar uma borracha no passado. É buscar maneiras de nós vivermos em paz. É não continuarmos sobressaltados. É por parte do Parlamento brasileiro (...) uma anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília”, afirmou.


Independente da eventual prisão, o peso da manifestação mostra que Bolsonaro não está morto politicamente. Pelo contrário. Apesar de inelegível até 2023, continua a emprestar prestígio político dentro do bolsonarismo, que segue firme como corrente política no Brasil. Em ano de eleições municipais, esta deve ser a sua principal moeda para se proteger

Lula compara guerra em Gaza a Holocausto e irrita Israel

Presidente brasileiro foi declarado persona non grata no país, que enfrenta fortes críticas à ação militar e acusações de genocídio

Declarações do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra em Gaza, durante uma viagem oficial à Etiópia, em meados de fevereiro, abriram uma crise diplomática com Israel, com reflexos também para o cenário político interno do Brasil. 


Questionado sobre a continuidade do apoio brasileiro à agência da ONU responsável pelo apoio aos refugiados na Palestina, mesmo diante de suspeitas de envolvimento de funcionários com o Hamas, Lula afirmou que o que ocorre no enclave palestino, pela desproporção de forças, não é “uma guerra, mas sim genocídio”. E comparou a ofensiva israelense às ações de Adolf Hitler. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus”, disse.


Em reação à fala, o Governo de Netanyahu acusou Lula de antissemitismo e o declarou persona non grata. O termo, em latim, significa que a “pessoa não é bem-vinda”, ou seja, o presidente não é mais aceito em missões oficiais no país. Além disso, o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, foi convocado para prestar explicações sobre a fala de Lula. 

A imprensa brasileira, alarmada com os impactos nas relações diplomáticas entre Israel e Brasil, esboçou fortes críticas ao presidente -- em resposta, Lula ressaltou que sua crítica foi “a um governo, e não ao povo judeu”. 


Internacionalmente, porém, as reações foram menos inflamadas e, os efeitos negativos, mais limitados. Em visita a Brasília, dias depois da fala de Lula, Antony Blinken, secretário de Estado dos Estados Unidos, por exemplo, se limitou a dizer que o país, maior aliado de Israel no mundo e na guerra, tem uma visão diferente, mas que discordar é algo que acontece “entre amigos”.


As reações comedidas da comunidade internacional ocidental também denotam o desgaste e a perda de força política de Netanyahu, frente aos estragos da contraofensiva ao povo palestino em Gaza, que desagrada países e instituições multilaterais. O conflito já gerou 30 mil mortos, além de 17 mil crianças em situação de abandono após a morte de familiares, segundo dados da ONU, que vem levantando uma série de suspeitas de violações de direitos humanos pelos israelenses.


A declaração do presidente brasileiro, no entanto, também tem efeitos políticos internos. Pesquisa recente apontou uma queda na aprovação do governo, atribuída em parte à perda de apoio entre os evangélicos, em grande parte simpáticos à Israel. O fato tende a ser usado como mais um elemento na disputa política polarizada -- marca do cenário político brasileiro ao longo dos últimos dez anos --, nas eleições municipais deste ano. 

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