Negociações falham e greve nas universidades federais cresce 

Após anos de queda orçamentária, reivindicações de servidores se intensificam em momento de queda na aprovação do governo 

A greve das universidades e institutos federais, iniciada no dia 11 de março, ganhou força em abril, após o fracasso das negociações iniciais com o governo. Professores e tecnólogos demandam reajuste salarial, recomposição orçamentária e reestruturação de carreiras, entre outras medidas. Ao todo, mais de 70 instituições aderiram à paralisação, e havia, no fim do mês, a expectativa de que mais universidades se unissem ao movimento.


A greve está sendo realizada depois de um longo período de redução orçamentária no setor da educação. Entre 2010 e 2022, e especialmente durante os governos Temer e Bolsonaro, houve uma redução de 68,7% no valor investido por estudante pelo governo federal, segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, em 2023, havia a expectativa de que houvesse uma reposição das perdas, mas isso não aconteceu, e os servidores decidiram entrar em greve.


Os cortes de investimento têm consequências diretas para o espaço e desenvolvimento científico no ambiente universitário. Relatos de professores e alunos descrevem situações de interrupção de pesquisa por ausência de insumos, substituição de tecnólogos por serviços terceirizados e falta de bolsas e infraestrutura de apoio aos estudantes, como moradia estudantil.


Com o orçamento para 2024 já fechado, e apertado, o governo federal fez inicialmente uma proposta de reajuste de 9% aos professores e técnicos-administrativos, a partir de 2025, e de mais 3,5%, em 2026. Os técnicos administrativos pedem reajuste de 37%, em três anos, enquanto os professores querem 22%. Em ambos os casos, a demanda é pela primeira alta já em 2024. O desacerto acarretou em um significativo salto na adesão à greve, aumentando o número de universidades e instituições paralisadas, expandindo o clima de revolta.


Responsável por um processo de revalorização da área que, segundo dados do Ipec, é a única área de avaliação com respostas positivas frente a atuação do presidente, marcando um período de baixa aprovação ao governo. 


A notícia da greve se soma a outras negativas na área da educação, ainda que fora da esfera federal. De acordo com uma pesquisa da ONG Todos Pela Educação, com informações do Censo Escolas e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o percentual de professores concursados nas redes estaduais de ensino vêm caindo consistentemente alcançou, no ano passado, o patamar mais baixo em uma década. 


Para ocupar o lugar dos concursados, são contratados professores “temporários”. O levantamento da Todos Pela Educação mostra que 43,6% deles permanecem dando aulas com esse status há mais de 11 anos. A participação dos concursados caiu de 68,4%, em 2013, para 46,5%, em 2023, segundo dados do Todos pela Educação, e tem impactos sobre a qualidade do ensino. Segundo a ONG, os dados disponíveis mostram uma correlação entre a contratação temporária de docentes e uma menor proficiência dos alunos Língua Portuguesa e Matemática.


A educação continua a ser a única área em que a avaliação do governo Lula permanece positiva, de acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa e Consultoria Aplicada (Ipec) - a mais mal avaliada é o combate à inflação. E o presidente já disse que o governo fará um acordo com os grevistas. Resta saber se a proposta será suficiente para acalmar os ânimos e encerrar a paralisação sem abrir uma nova crise orçamentária.



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Cremesp investe contra o aborto legal 

Autarquia responsável pela supervisão ética da medicina abre processo contra médicos que atenderam vítimas de estupro 

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), autarquia federal responsável pela supervisão ética da medicina, fez investidas contra médicos do Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na capital paulista, que realizaram procedimentos de aborto legal em vítimas de violência sexual.


Apesar da interrupção da gravidez decorrente de estupro ser garantida pela legislação brasileira, três profissionais envolvidas em procedimento abortivos sofreram processos administrativos e estão sob risco de serem impedidas de exercer a medicina. Duas médicas tiveram o registro profissional suspenso e, uma terceira, conseguiu evitar a interdição com liminar na Justiça, onde as outras profissionais agora recorrem da decisão do Cremesp.


No entendimento do Cremesp, as profissionais teriam praticado tortura, tratamento cruel, negligência, imprudência e assassinato de fetos - embora os embriões não tenham direitos previstos pela Constituição. Todos os casos estão sendo analisados a partir dos prontuários médicos das vítimas, que tiveram o sigilo médico quebrado sem seu consentimento, de forma ilegal, a pedido da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.


Os documentos foram encaminhados pelo Cremesp à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e à Polícia Civil, para  eventuais apurações e abertura de investigações criminais contra as vítimas. Em um dos arquivos, o Cremesp chega ao ponto de levantar dúvidas sobre se uma das vítimas foi estuprada, de fato.


Desde que o caso ganhou repercussão, em matéria assinada pela jornalista Bianka Vieira, na coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o Cremesp e a Prefeitura vêm sendo questionados pela conduta. A prefeitura está sendo investigada pela Polícia Civil, pelo acesso aos prontuários médicos. Já o Cremesp, e o Conselho Federal de Medicina (CFM) - que em abril publicou uma norma proibindo a realização de procedimento que, na prática, impede o aborto legal acima de 22 semanas -, foram intimados a depor na CPI da Violência e Assédio Sexual Contra Mulheres, na Câmara Municipal de São Paulo.


A perseguição institucional ameaça os serviços de aborto legal,

hoje já extremamente restrito no país. No Brasil, existem apenas três situações em que o aborto não é considerado crime: quando a gravidez é resultado de estupro, quando a gestação representa risco à vida da gestante ou quando o feto é anencefálico. Nessas condições, o aborto é realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 


O Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha é referência no assunto, sendo o único no Estado a realizar o procedimento em casos de gestação acima de 22 semanas. Mas o serviço foi interrompido pela Prefeitura, em dezembro de 2023, “de forma temporária”, para a reorganização da rede hospitalar e a realização de cirurgias eletivas, e nunca foi retomado, mesmo após determinações da justiça para que isso fosse feito. 

 

A ofensiva do Cremesp, que intimida profissionais envolvidos com a execução de procedimentos abortivos nos casos previstos por lei, mobilizou políticos que lutam em prol do direito feminino reprodutivo. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e a vereadora paulistana Luana Alves (PSOL) oficiaram o conselho à prestar esclarecimento acerca dos processos abertos contra os médicos do serviço de aborto legal. Na declaração oficial, as representantes do PSOL elencaram doze perguntas a serem respondidas, dentre elas, a questão do sigilo médico.


Em nota, o Cremesp afirma que respeita o direito da mulher,  mas que tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício profissional ético de seus membros. Acrescenta ainda que “jamais permitiria a utilização do seu poder-dever fiscalizados para perseguir médicos, tampouco para reprimir ideologias de qualquer espectro político”.


O pano de fundo do processo contra as médicas, porém, é o da forte polarização política, que tem no direito ao aborto uma das principais fronteiras entre os grupos envolvidos. O direito ao aborto é uma das bandeiras mais caras à esquerda, em particular ao movimento feminista, que encontra em crenças religiosas e em valores morais da direita uma forte barreira, no país e no mundo. 


Em anos recentes, como em 2020, representantes da direita, como a ex-ministra da Família e dos Direitos Humanos no governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, Damares Alves, se envolveram em tentativas de impedir, por vias extrajudiciais, o direito ao aborto legal, em casos que se tornaram notórios, como a de uma menina de dez anos, vítima de abuso sexual.

Poder público amplia ofensiva contra redes sociais 

Nos Estados Unidos, de onde o TikTok pode ser banido, na Índia e no Brasil, diferentes plataformas sofrem pressão de reguladores 

O Congresso dos Estados Unidos aprovou em abril uma lei que

pode banir a rede social Tik Tok do país. O texto, já sancionado pelo presidente americano Joe Biden, aponta riscos de segurança digital que aplicativos estrangeiros podem trazer à população estadunidense e força a Bytedance, proprietária do TikTok, a vender sua participação no aplicativo para uma empresa americana. Caso não venda até janeiro de 2025, a plataforma será banida do país, o que significa que lojas de aplicativos, como App Store e Play Store, da Apple e do Google, respectivamente, deixarão de oferecê-la, e a rede tende a morrer de inanição.


A Bytedance afirma que não tem intenção de vender a plataforma e anunciou que entrou com uma ação no Tribunal Federal dos Estados Unidos contestando a nova lei.


A discussão sobre a segurança dos dados dos mais de 170

milhões de americanos usuários do aplicativo remontam ao governo de Donald Trump. O ex-presidente e atual candidato pelo partido Republicano nas eleições deste ano, afirmava que a China poderia agir de má fé. O Tik Tok, por sua vez, sempre negou todas as acusações e qualquer ligação com o governo chinês.


A decisão americana, porém, não é inédita no mundo: em 2020, o governo indiano proibiu o aplicativo após embates violentos na fronteira do país com a China, alegando razões semelhantes:  soberania nacional, segurança e ordem pública. O Nepal fez o mesmo e o Paquistão, ainda que não tenha chegado a proibir o aplicativo definitivamente, impôs a ele algumas restrições.


No Brasil, o embate entre o poder público e as redes sociais também segue quente. Em abril, o caso mais emblemático foi a troca de farpas entre o bilionário americano Elon Musk, dono da rede social X (ex-Twitter), e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O empresário atacou publicamente decisões judiciais de Alexandre de Moraes, ameaçou descumpri-las, acusou o ministro de promover a censura e ameaçou reativar os perfis que foram inativados.


Moraes é o relator de dois inquéritos relacionados às redes

sociais: o das milícias digitais, que investiga ações orquestradas nas redes para disseminar fake news e o do 8 de janeiro, articulado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Como contrapartida aos ataques de Elon Musk, o ministro do STF

determinou que a conduta do empresário seja investigada em um novo inquérito, e afirma que viu indícios de obstrução da Justiça e incitação ao crime nas atitudes de Musk.


O embate reacendeu as discussões sobre a PL das Redes

Sociais, um projeto de regulamentação das plataformas digitais. O relator da PL, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou  que pediria ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que incluísse a proposta na pauta de votações. Mas Lira descartou a votação e ficou de apresentar nova proposta de regulamentação para as plataformas digitais em maio.


O projeto original tornava crime a divulgação e veiculação em massa de mensagens com conteúdo inverídico - as chamadas fake news -, e propunha mudanças na responsabilização das plataformas digitais por conteúdos criminosos.


Mesmo sem a aprovação, segundo especialistas, para evitar problemas, e os custos de fazer o controle dos conteúdos veiculados em suas redes sociais, o Google decidiu proibir que figuras políticas impulsionem conteúdos nas eleições municipais deste ano. A decisão foi tomada após mudanças nas regras de campanha eleitoral feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


A Justiça Eleitoral passou a exigir que as plataformas digitais que oferecerem o serviço de impulsionamento passem a manter um repositório de anúncios e ferramenta de busca para “acompanhamento, em tempo real, do conteúdo, dos valores, dos responsáveis pelo pagamento e das características dos grupos populacionais que compõem a audiência (perfilamento) da publicidade contratada. O TSE também proibiu a veiculação de propaganda enganosa, ataques de ódio e mensagens infundadas a respeito de outros candidatos e do processo eleitoral em si.


As decisões do poder público, tanto no Brasil quanto lá fora, refletem a crescente preocupação com o crescente poder das redes sociais e das gigantes de tecnologia, que têm acesso a uma um volume sem precedentes de informações e preferências pessoais de seus usuários. Informações que podem ser usadas, de forma poderosa, não só para a venda de produtos e serviços, mas também para a disseminação de desinformação política, com resultados imprevisíveis sobre a segurança nacional e pública.

Conflitos em Gaza e na Ucrânia entram em fase crítica 

Estados Unidos liberam US$ 61 bilhões de ajuda para a guerra contra a Rússia e reprimem manifestações contra Israel em casa 

As guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia entraram em momentos críticos, em abril. No caso ucraniano, existe a ameaça de que as ações das próximas semanas levem à escalada do conflito, com a adesão de outros países. No Oriente Médio, o risco maior, por ora, é o de um aprofundamento da crise humanitária. Em ambos os casos, as consequências geopolíticas são amplas.


No enclave palestino, depois de mais de seis meses de uma ofensiva que resultou em quase 35 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, Israel encurralou cerca de 1,5 milhão de pessoas na cidade de Rafah, que considera o último bastião do Hamas. Mesmo com a suspensão do envio de armas anunciada pelos Estados Unidos, o país tomou os postos de fronteira com o Egito, por onde ainda entrava ajuda humanitária, e não descarta um ataque, que poderia causar “um massacre de civis”, “uma tragédia indescritível”, como descreveram dois graduados por-vozes da Organização das Nações Unidas (ONU). 


O governo americano, ainda que seja o principal aliado de Israel no mundo, vem enfrentando fortes manifestações em casa. Movimentações pró-Palestina, contrárias ao conflito, têm sido realizadas em diversas universidades norte-americanas de ponta, como Columbia, Harvard e Yale, onde estudantes montaram acampamentos e realizaram manifestações. Desde a eclosão das manifestações, mais de 1.000 estudantes foram presos pelas forças policiais estadunidenses. A situação é particularmente sensível para o presidente americano, Joe Biden, que busca a reeleição neste ano, mas vem perdendo apoio entre os jovens, justamente por causa do apoio aos israelenses no conflito.


Na Ucrânia, depois de dois anos de invasão, a Rússia voltou a ganhar terreno e corre para ampliar o avanço, antes que o novo pacote de ajuda dos EUA a Kiev, de US$ 61 bilhões, permita que os ucranianos se reabasteçam de armas. O valor contribuirá para a compra de armamentos, como mísseis, artilharia e defesa aérea, que serão usados para tentar repelir o avanço russo.


Em meses recentes, com as atenções voltadas a Israel, a Ucrânia, que no primeiro ano da guerra chegou a conter o avanço inimigo e a contra atacar, vinha enfrentando problemas como falta de armas e munição. Também já não têm conseguido substituir por novos soldados as perdas nos campos de batalha.


A possibilidade de uma vitória russa, porém, levou países europeus e os Estados Unidos, membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a cogitarem publicamente o envio de tropas e novas armas, mais poderosas, à Ucrânia. O que tem sido encarado pela Rússia como uma interferência externa inadmissível no conflito. Em resposta, o presidente russo Vladimir Putin chegou a ameaçar estender a guerra a outros países europeus e divulgou simulações de uma guerra nuclear. 


No Oriente Médio, a situação quase saiu do controle em abril, após um ataque de Israel à embaixada do Irã no Líbano. O Irã reagiu com um ataque inédito ao território israelense, com cerca de 300 mísseis e drones. Os Estados Unidos e outros países se mobilizaram para esfriar a situação, mas Israel ainda lançou um contra-ataque limitado antes de voltar a se concentrar em Gaza.


Além do imenso custo humano, um massacre em Rafah tende a ter como consequências o isolamento ainda maior de Israel na comunidade internacional. E pode afetar os rumos das eleições americanas, em um momento em que os Estados Unidos veem a rivalidade com a China e com a Rússia no mundo aumentar.

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