EQUAÇÃO DIFERENCIAL PARCIAL E SÉRIE DE FOURIER
Prof. Ana Regina Gregory Brunet
Prof. Ana Regina Gregory Brunet
A identificar, representar e utilizar o conhecimento algébrico para a resolução de problemas, bem como levantar conjecturas e elaborar estratégias para resolver problemas;
A estabelecer sequência lógica no processo de desenvolvimento do raciocínio e habilidade de argumentação;
A perceber a importância de buscar novas fontes de conhecimento fortalecendo sua formação profissional;
A ler e interpretar textos envolvendo a Série de Fourier.
Grande parte dos fenômenos que ocorrem em nosso universo é descrito por Equações Diferenciais Parciais (EDP). Neste capítulo, veremos algumas definições necessárias para o estudo desse objeto. Geralmente, não é possível determinar a solução geral de uma EDP, mesmo linear, como ocorre com EDO. Mas existem métodos para determinar algumas soluções particulares importantes para as aplicações.
O único método de resolução para esse tipo de equação diferencial que apresentaremos é o método de separação de variáveis. A equação do Calor – caso unidimensional – será modelada, e sua resolução iniciada com uso desse método. A resolução completa da equação do calor será apresentada no próximo capítulo. Aqui, essa equação fornecerá a motivação para o estudo das Séries de Fourier.
Com esse objeto matemático, chamado Série de Fourier, é possível reescrever qualquer função que satisfaça certas propriedades em uma série trigonométrica. Ou seja, representar tais funções em somas infinitas de senos e cossenos. Essas representações também são referenciadas por expandir uma função em série de Fourier.
A importância da série de Fourier transcende a Matemática Pura e Aplicada até a Física e Química Quântica e Engenharia; na Relatividade Geral, nós nos deparamos com a série de Fourier, por exemplo. Essa vasta aplicação se deve ao fato de a série de Fourier ser uma ferramenta fundamental em algumas classes de problemas envolvendo equações diferenciais parciais.
No Capítulo 1, apresentamos o problema “Tempo para a garrafa esvaziar”. Aplicamos o Método Científico para responder à questão proposta e obtivemos a equação
como modelo matemático do fenômeno. Nessa equação, h = h(t) representa a altura do líquido em um instante t > 0, ho a altura inicial do líquido, Ao a área de saída (furo), A a área da base do recipiente cilíndrico, g aceleração da gravidade e t o tempo.
Dentre as falhas possíveis, elencamos que o modelo não considera a viscosidade do fluido. A fim de melhorar esse modelo, vamos considerar que a vazão seja inversamente proporcional à viscosidade. Desse modo, a variação da altura h da coluna em função do tempo t dependerá também da viscosidade ⱴ, ou seja, h = h(ⱴ, t). Como h é função de duas variáveis, a variação da altura em função do tempo será uma derivada parcial dada por:
Ou seja, o modelo melhorado é uma equação diferencial parcial (EDP). Grande parte dos fenômenos que ocorrem em nosso universo é descrito por EDP.
Veja os exemplos e assista ao vídeo com o professor Rafael Valada!
Classificamos equações diferenciais quanto ao tipo: ordinária ou parcial. As equações diferenciais parciais (EDP) são equações nas quais estão envolvidas duas ou mais variáveis independentes, enquanto nas equações diferenciais ordinárias (EDO) comparece somente uma variável independente. Desse modo, a notação linha ou diferencial é utilizada em EDO, mas em EDP devemos anunciar com relação a qual variável independente é a derivada e a notação de diferencial parcial (∂) ou subscrever a variável com relação a qual é a derivada na notação da variável dependente. Por exemplo, se u = u(x, y), então a derivada com relação a x da função u pode ser escrita como: ∂u/∂x ou ux.
Para fixar as ideias, vamos escrever a forma geral de uma Equação Diferencial Parcial Linear de segunda ordem na qual comparecem duas variáveis independentes (x e y) e uma variável dependente (u = u(x, y)).
Quando a função g é identicamente nula (g(x, y) = 0 para todo x e y) a equação é dita homogênea; em caso contrário, a equação é não homogênea.
Assista ao vídeo que comenta sobre as EDP de 2ª ordem!
A solução de uma equação diferencial parcial é uma função que possui todas as derivadas que comparecem na equação e que satisfaz a equação em algum domínio aberto.
Em geral, não é possível encontrar a solução geral para a maior parte das equações diferenciais parciais, mesmo as lineares com coeficientes constantes. No entanto, consegue-se encontrar soluções particulares das equações lineares que surgem em muitos modelos fenomenológicos. Dentre as técnicas conhecidas, estudaremos o método de Separação de Variáveis.
O método de Separação de Variáveis consiste em procurar soluções da forma produto nas quais cada fator depende de uma única variável independente. Em uma equação diferencial parcial de segunda ordem, na qual u é a variável dependente e x e y são as variáveis independentes, esse método consiste em procurar funções u = u (x, y) da forma:
u(x, y) = F(x) G(y)
Desse modo, teremos:
ux (x, y) = F’(x) G(y); uy (x, y) = F(x) G’(y)
uxx (x, y) = F’’(x) G(y); uyy (x, y) = F(x) G’’(y); uxy (x, y) = F’(x) G’(y)
Se existirem soluções da forma produto, será possível manipular algebricamente a equação resultante das substituições de maneira a igualar uma função que depende somente de x a outra que depende somente de y. Mas x e y são variáveis independentes! Portanto, a única forma de ocorrer a igualdade é quando cada um dos membros dessa equação for igual à mesma constante real (λ). Isso reduzirá a equação a um sistema de equações ordinárias. Devem-se considerar três casos possíveis para λ, a saber: λ < 0, λ = 0 e λ > 0. Quando a equação é de segunda ordem, costuma-se utilizar λ = - c², para λ < 0 e λ = c², para λ > 0. Veja os exemplos!
E assista ao vídeo com o resumo do método e exemplos!
Um dos casos unidimensionais da equação do calor ilustrará uma das situações fenomenológicas associadas às EDP e à necessidade de uma nova ferramenta Matemática.
Como ocorre a distribuição de calor em uma barra de material condutor de calor ao longo do tempo na qual foi causada uma perturbação térmica? Ou seja, ao fornecer energia para uma barra de material condutor de calor por algum tempo e posteriormente retirar essa fonte de energia, como será o comportamento da temperatura na barra ao longo do tempo?
Para responder a essa questão, vamos considerar uma haste delgada circular de comprimento L e área de seção transversa A feita de material condutor de calor sujeita às seguintes premissas:
O fluxo de calor se dá apenas na direção x.
A superfície lateral da haste é isolada.
Nenhum calor é gerado dentro da haste.
A haste é homogênea, ou seja, sua densidade linear de massa é constante.
O calor específico γ e a condutividade térmica K do material da haste são constantes.
Suponhamos que a haste coincida com o eixo x no intervalo [0, L] conforme ilustra a Figura 1.
O modelo, então, para a temperatura ao longo de uma haste delgada de comprimento L é a equação diferencial parcial linear de segunda ordem: a² uxx = ut, onde a² é a constante de difusividade térmica associada ao material condutor da haste.
É natural levarmos em consideração a temperatura inicial (f(x)) ao longo da haste na análise do fenômeno. Isto é, a temperatura (f(x)) em cada ponto x (0 < x < L) no instante em que o fornecimento de energia é retirado, o que marca o início do processo. Além disso, condições de contorno do comportamento da temperatura nos extremos da haste se fazem necessárias. Este assunto – Equações Diferenciais Parciais e Problemas de Valor de Contorno – será amplamente explorado no próximo capítulo. Por hora, vamos considerar a situação-problema na qual os extremos são mantidos à temperatura zero.
Considere uma haste delgada de comprimento L, difusividade térmica a² e distribuição inicial de temperaturas dada pela função f = f(x). Sabe-se que as laterais estão isoladas, os extremos são mantidos à temperatura de zero e estão dispostos sobre as marcas x = 0 e x = L. Determine a função que expressa a temperatura da haste em função de x e t.
Nessa situação, o modelo Matemática a ser resolvido é:
A resolução desse problema passa pela procura de soluções da forma produto da EDP e atribuição das condições dadas.
A única família de soluções passível de resolver nosso problema é:
Porém, dificilmente um único valor para n satisfará nossa situação, pois a condição inicial u (x, 0) = f(x) nos leva a
e a função f não será, em geral, senoidal. Porém, a combinação linear de funções da forma
para diferentes valores de n também gerará solução da equação. Ou seja, se conseguirmos representar como uma soma de senos, encontraremos a solução desse problema do Calor.
Esse foi o problema enfrentado por Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768 a 1830), que desenvolveu a ferramenta matemática que o solucionou, apresentada a seguir.
Nos capítulos anteriores, identificamos o conjunto das funções reais de variável real munido com as operações usuais de adição, entre os elementos, e produto por escalar com a teoria da Álgebra Linear. Nesse contexto, funções são vetores.
A construção da série de Fourier é embasada nessa área da Matemática e algumas definições se fazem necessárias: conceito de norma, produto interno e ortogonalidade para esse conjunto. A ideia geométrica de ortogonalidade é perdida neste espaço vetorial de dimensão infinita, mas a ideia algébrica permanece; dois vetores são ortogonais quando seu produto interno é nulo. Veja os exemplos!
Ainda não estamos em condições de responder sobre a possibilidade de escrever funções como soma de senos. Porém, com a teoria desenvolvida até aqui, conseguimos responder à seguinte questão:
Se y = f(x) é uma função definida no intervalo [- p, p], é possível determinar um conjunto de coeficientes a0, an e bn, n = 1, 2, ... tais que
Utiliza-se o fato de o conjunto {1, cos (nπx/p), sin (nπx/p)} ser ortogonal em [-p, p]; portanto, de o produto interno ser nulo, para determinar os coeficientes a0, an e bn chamados coeficientes de Fourier.
Dessa maneira, desde que a função f satisfaça algumas condições, podemos escrever a expansão da f em série de Fourier:
Onde
Antes de prosseguir com a teoria, veja um exemplo da expansão em série de Fourier de uma função e como é o comportamento da série em relação à função à medida que n cresce!
E assista ao vídeo com um exemplo comentado!
À medida que n cresce (o número de parcelas do somatório), mais “parecida” com a função fica a soma. Se somarmos as infinitas parcelas, ficará igual, quando a série converge. Mas, o que ocorre nos pontos de descontinuidade da função? Além disso, a série está definida para todo x real, então, qual é o comportamento da função expandida?
Nesse ponto, observamos que a série de Fourier não só representa a função no intervalo (- p, p), mas também fornece o prolongamento periódico de f fora do intervalo. Dessa maneira, deduzimos que a função representada possui período 2p e que é contínua por partes.
Já nos extremos de definição da f (- p e p) e nos pontos de descontinuidade, ocorre valor médio entre os valores dos limites laterais esquerdo e direito da f prolongada. O teorema de Fourier nos garante tal resultado.
Sejam f ’ e f ’’ parcialmente contínuas no intervalo (- p, p). Então a série de Fourier no intervalo converge para f em um ponto de continuidade e converge para a média aritmética dos limites laterais em pontos de descontinuidade.
Veja os exemplos de expansão em série de Fourier e da representação geométrica da expansão da função prolongada.
O cálculo dos coeficientes de Fourier fica mais fácil quando uma função é par ou é ímpar.
Esses coeficientes são definidos por integrais definidas cuja função integrando possui a função cosseno, no caso do cálculo de an, e a função seno no caso do cálculo do bn. A multiplicação por função par ou ímpar resultará em funções pares ou ímpares e as propriedades para integrais definidas em intervalos simétricos de funções que gozam de paridade poderão ser utilizadas. Assista ao vídeo com o resumo dessas ideias!
Neste caso, a função a ser expandida em série de Fourier é uma função ímpar. Portanto, os coeficientes de Fourier de ordem par a0 e an serão nulos (ímpar x par) e bn terá uma função par (ímpar x ímpar) no cálculo da integral. A partir da simetria com relação ao eixo y da função a ser integrada, pode-se escrever:
Agora, buscamos a série de Fourier de uma função par. Portanto, os coeficientes de Fourier de ordem ímpar (bn) serão nulos (par x ímpar) e a0 e an terão uma função par (par x par) no cálculo da integral. Novamente, considera-se a simetria com relação ao eixo y e pode-se escrever:
Nas aplicações da Série de Fourier, em geral, aparece função f definida em um intervalo [0, L]. No Problema do Calor Unidimensional, com extremos mantidos à temperatura zero, a haste constituída de material condutor de calor tem comprimento L, e fizemos coincidir um dos extremos em zero e o outro em L no eixo x. A função f, que representa a temperatura inicial da haste, está definida no intervalo (0, L), e a solução desse problema envolve a representação da função temperatura inicial em soma de senos no intervalo (0, L).
Nesses casos, podemos expandir a função f para o intervalo (- L, L) conforme a necessidade: como uma função par, como uma função ímpar entre outras formas. Embora a expansão em série de Fourier da função expandida ao intervalo (- L, L) tenha domínio no conjunto dos números reais, basta restringir a série para o intervalo [0, L] onde ela representa a função f do nosso interesse. Assista ao vídeo que versa sobre essas ideias.
A partir da necessidade de expandir uma função como uma soma de senos, busca-se a série de Fourier de uma função ímpar. Expande-se, então, a função f definida em (0, L) de maneira a obter uma função ímpar em (-L, L). Desse modo, a série será uma série em senos e é dada por:
Se a necessidade for de expandir uma função como uma soma de cossenos, busca-se a série de Fourier de uma função par. Expande-se a função f definida em (0, L) de maneira a obter uma função par em (- L, L) e, desse modo, a série será uma série em cossenos dada por:
Veja o exemplo!
E assista ao vídeo com as expansões ímpar (série de senos) da função x² definida em [0,1] e em [0, π].
Agora, com a ferramenta desenvolvida por Fourier (acesse a tabela aqui, estamos em condições de resolver por completo o Problema do Calor – caso unidimensional com extremos mantidos à temperatura zero, entre outros. Isso será realizado no próximo capítulo.
BOYCE, W. E.; DIPRIMA, R. C. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno. 10. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
ULBRA, Matemática Aplicada II. Canoas, 2015.
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ZILL, D. G.; CULLEN, M. R. Equações Diferenciais. 3. ed. São Paulo: MAKRON Books, 2001.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Marcelo Germano
Revisão ortográfica: Ane Arduim