Classificação planar da posição e do movimento;
Movimentos de rotação e translação;
Grau de Liberdade das articulações;
Artrocinemática;
Superfícies articulares Ovoides e Selares;
Relação Côncavo-Convexo;
Cadeias Cinemáticas.
Neste capítulo, abordaremos os princípios mecânicos referentes à cinemática. A abordagem parte do princípio de que tudo que somos capazes de visualizar em um corpo em movimento é denominado cinemática do movimento. Veremos que o corpo humano é capaz de assumir muitas posições distintas e que o movimento pode ser analisado de diversas formas.
A cinesiologia, o estudo do movimento, desenvolveu-se a partir da fascinação dos seres humanos com o movimento animal. A partir da busca incessante de respostas a questionamentos sobre movimento, ocorreu a evolução da ciência do movimento, combinando teorias e princípios de anatomia, psicologia, antropologia e mecânica. A aplicação da mecânica ao corpo humano vivo é chamada Biomecânica. A mecânica pode ser ainda mais subdividida em estática, que se ocupa com os corpos em repouso ou em movimento uniforme, e dinâmica, que trata dos corpos que estão em aceleração e desaceleração.
Por fim, a cinemática é a ciência do movimento dos corpos no espaço e aplica o sistema de coordenadas retangulares para descrever o corpo no espaço. Isso pode incluir o movimento de um único ponto no corpo, a posição de vários segmentos, ou a posição de uma única articulação, ou os movimentos que ocorrem entre superfícies articulares adjacentes.
A posição anatômica de referência é uma posição ereta, com os pés levemente separados e os braços pendentes aos lados do corpo, com as palmas das mãos voltadas para a frente. Não é uma posição natural, mas é a orientação corporal convencionalmente utilizada como posição de referência ou posição inicial quando os termos de movimentos são definidos.
O uso de termos direcionais é necessário na descrição da relação das partes corporais ou localização de um objeto externo em relação ao corpo. A seguir, os termos direcionais comumente utilizados.
Superior: mais próximo da cabeça (cranial); Inferior: mais afastado da cabeça (caudal); Anterior: na direção da frente do corpo (ventral); Posterior: na direção da parte posterior do corpo (dorsal); Medial: na direção da linha mediana do corpo; Lateral: afastado da linha mediana do corpo; Proximal: mais próximo do tronco (ex.: o joelho é proximal ao tornozelo); Distal: mais distante do tronco (ex.: o punho é distal ao cotovelo); Superficial: na direção da superfície do corpo; Profundo: dentro do corpo e afastado da superfície corporal.
Todos esses termos direcionais podem ser pareados como anatômicos – palavras de significados opostos. Dizer que o cotovelo é proximal ao punho é tão correto quanto dizer que o punho é distal ao cotovelo. Similarmente, o nariz é superior à boca e a boca é inferior ao nariz.
Para definir os movimentos das articulações e segmentos e para registrar a localização no espaço de pontos específicos no corpo, é necessário um ponto de referência. Em cinesiologia, o sistema de coordenadas retangulares tridimensionais é usado para descrever as relações anatômicas do corpo. A posição anatômica do corpo é definida como sendo a posição em pé ereta com a cabeça, os dedos dos pés e as palmas das mãos para a frente e com os dedos das mãos estendidos. Três planos imaginários são dispostos perpendicularmente a cada um dos outros através do corpo, com os seus eixos interseccionando-se no centro de gravidade do corpo em um ponto ligeiramente anterior à segunda vértebra sacra). Esses planos são chamados de planos cardeais do corpo (frontal, sagital e horizontal ou transversal), nos quais ocorrem movimentos de rotação nos eixos ântero-posterior, látero-lateral e longitudinal, respectivamente.
Alguns movimentos da vida diária podem ilustrar a identificação dos movimentos por meio do sistema de referência adotado. Durante a marcha, a perna realiza rotações em direção alternada no plano sagital em torno de um eixo látero-lateral localizado no joelho; durante os passos laterais em uma aula de ginástica, a coxa realiza rotações em direções alternadas no plano frontal em torno de um eixo ântero-posterior; e, por último, os movimentos da cabeça em sinal de negação são realizados com rotações no plano horizontal em torno de um eixo longitudinal do corpo, que, nesse caso, encontra-se na interseção dos planos frontal e sagital.
O plano frontal ou plano coronal é paralelo ao osso frontal e divide o corpo em regiões anterior e posterior. Os movimentos que ocorrem nesse plano são definidos como abdução e adução. Abdução é uma posição ou movimento do segmento afastando-se da linha mediana, independentemente de qual o segmento que se move. Abdução do quadril ocorre quando o segmento da coxa move-se afastando-se da linha mediana ou o segmento pélvico aproxima-se da coxa, como ao inclinar-se para o lado enquanto de pé sobre uma perna. Adução é uma posição ou movimento aproximando-se da linha mediana. Os movimentos de abdução e adução ocorrem em torno do eixo ântero-posterior, conforme a figura a seguir.
Legenda: Movimentos articulares do quadril no plano frontal, abdução e adução, respectivamente.
Fonte: adaptado de Sacco, 2013.
O plano sagital é vertical e divide o corpo em lados direito e esquerdo. Fotograficamente, essa é uma visão lateral. Os movimentos articulares que ocorrem no plano sagital são definidos como flexão e extensão. Flexão indica que dois segmentos se aproximam um do outro, por exemplo, a flexão do cotovelo pode ser realizada pela flexão do antebraço sobre o braço ou pela flexão do braço sobre o antebraço, como em uma elevação do corpo a uma barra ao alto. Extensão ocorre quando dois segmentos movem-se afastando-se um do outro. Se a extensão for além da posição de referência anatômica, ela é considerada hiperextensão. Os movimentos de flexão e extensão ocorrem em torno do eixo látero-lateral.
O plano horizontal ou transversal divide o corpo em regiões superior e inferior e é como uma vista de cima. Rotações ocorrem nesse plano em torno do eixo longitudinal ou vertical. Rotação interna (rotação para dentro ou medial) é uma rotação transversal orientada para a superfície anterior do corpo. A rotação interna do quadril traz os pontos marcados na superfície anterior da pelve e fêmur para mais próximos uns dos outros independentemente de quais segmentos que se movam (Figura 4). Pronação é o termo usado para rotação interna do antebraço. Rotação externa (rotação para fora ou lateral) é na direção oposta e é orientada para a superfície posterior do corpo. Supinação é o termo usado no antebraço e é o ponto de referência para a posição anatômica.
Embora a abdução e adução sejam movimentos no plano frontal, quando o braço ou coxa é flexionado, o movimento desses segmentos no plano transverso de uma posição anterior para uma posição lateral é denominado abdução horizontal ou extensão horizontal.
Planos sagitais, frontais e horizontais podem ser passados através de outros pontos que não o centro de gravidade do corpo, mas esses são planos secundários. Por exemplo, pode ser conveniente passar três planos através do centro de uma articulação, como a articulação do quadril, para determinação de pontos do corpo em relação a essa articulação.
As definições dos movimentos dos dedos exigem a colocação do sistema de coordenadas na extremidade. Na mão, o plano sagital é centralizado através do terceiro segmento; no pé, o plano sagital é centralizado através do segundo segmento. Movimento ou posição afastando-se do segmento de referência é chamado de abdução, e movimento no sentido do segmento é chamado de adução. No punho, o movimento de abdução é frequentemente designado desvio radial (no sentido do rádio), e adução é chamada desvio ulnar. No pé, o movimento de abdução é chamado de eversão, e o movimento de adução é chamado de inversão. Na posição anatômica, o pé está em ângulo reto com a perna no plano sagital. Por convenção, o movimento do dorso do pé no sentido da tíbia é chamado dorsiflexão, e movimento da planta do pé afastando-se da tíbia é chamado flexão plantar.
O polegar também é um caso especial porque ele normalmente está rotado 90° do plano da mão. Assim, os movimentos de flexão e extensão ocorrem no plano frontal, e de abdução e adução ocorrem no plano sagital.
O movimento pode ser descrito como uma combinação de dois deslocamentos elementares: a rotação e a translação.
Um corpo em rotação descreve uma trajetória circular em torno de um eixo central, que pode se localizar dentro ou fora do corpo em movimento. No movimento humano, esse eixo localiza-se em uma estrutura da articulação ou próximo dela. Muitos movimentos funcionais do corpo humano se constroem a partir da rotação de uma articulação, como, por exemplo, a rotação do antebraço em torno do cotovelo quando se leva um alimento à boca. Qualquer ponto do antebraço descreve uma trajetória circular em torno do cotovelo.
A translação descreve um movimento linear, em que cada ponto do corpo rígido percorre trajetórias paralelas e retilíneas em uma mesma direção.
Trajetórias mais complexas, resultantes de um movimento combinado de rotação e translação, envolvendo segmentos adjacentes, são comuns no estudo do movimento humano. De maneira geral, é necessário entender o contexto funcional do movimento; no entanto, o conhecimento da composição dos movimentos que irão compor o movimento funcional é imprescindível.
Grau de liberdade refere-se ao número de movimentos independentes permitidos em uma articulação em função de sua estrutura anatômica. Uma articulação uniaxial possui somente um eixo, realiza movimentos de flexão e extensão e possui, portanto, um grau de liberdade. Uma articulação biaxial possui dois eixos, realiza movimentos de flexão, extensão, abdução e adução e possui, portanto, dois graus de liberdade. Uma articulação triaxial possui três eixos, realiza movimentos de flexão, extensão, abdução, adução e rotação externa e interna e possui, portanto, três graus de liberdade. As articulações triaxiais realizam ainda movimento composto da associação dos três graus de liberdade: o movimento de circundução.
A realização do movimento articular depende dos deslocamentos entre as facetas articulares da articulação em questão, estudo esse conhecido como Artrocinemática. Esses deslocamentos dependem principalmente do substrato anatômico da articulação e são classificados em três tipos: o rolamento, o deslizamento e a rotação.
O rolamento é descrito como o deslocamento no qual múltiplos pontos sequenciais de uma face articular fazem contato, isto é, rolam sobre múltiplos pontos sequenciais da outra face articular similarmente ao pneu de um carro em movimento sobre um pavimento.
O deslizamento é descrito como o deslocamento no qual um único ponto de uma face articular faz contato sobre múltiplos pontos sequenciais da outra face articular, similarmente ao que acontece com um pneu durante uma derrapagem sobre um pavimento.
A rotação é descrita como o deslocamento no qual um único ponto de uma face articular roda sobre um único ponto de outra face articular, similarmente ao que acontece com um pião girando em um ponto do assoalho.
Há também os movimentos de compressão e tração:
Compressão: durante a compressão, uma superfície articular se aproxima de outra, causa diminuição no espaço articular entre as partes ósseas; ocorre normalmente nos membros inferiores e na coluna durante a sustentação do corpo. Cargas excessivas de compressão causam lesões articulares, principalmente na cartilagem articular.
Tração: durante o movimento de tração, as superfícies articulares afastam-se uma da outra, ocorre separação das superfícies articulares quando são puxadas distalmente uma da outra. Pode ocorrer tração no eixo longo do osso, resultando em deslizamento caudal.
Os movimentos funcionais do corpo humano podem associar diferentes deslocamentos artrocinemáticos, como, por exemplo, a flexão e extensão do joelho, são compostos por rotação e deslizamentos dos côndilos do fêmur sobre a face articular da tíbia.
As superfícies das articulações móveis não são planas, cilíndricas, cônicas ou esféricas; elas são ovoides, uma forma na qual o raio de curvatura varia de ponto a ponto. As superfícies articulares ovoides de dois ossos formam uma relação pareada convexo-côncava. A relação articular côncavo-convexa pode variar de “quase planar”, como nas articulações do carpo e do tarso, a “quase esferoide”, como nas articulações glenoumeral e do quadril. O centro da rotação fica no componente convexo a alguma distância da superfície articular.
Algumas articulações possuem, ao mesmo tempo, superfícies convexa e côncava em cada osso que se articula. Estas são chamadas articulações selares (do latim sella, sela), porque elas se assemelham ao encaixe de um cavaleiro em uma sela (recepção recíproca). Exemplos de articulações selares incluem a articulação carpometacárpica do polegar, o cotovelo, a articulação esternoclavicular e o tornozelo (articulação talocrural).
Na maioria dos casos, a superfície convexa de um osso é maior do que a superfície côncava que irá se encaixar, conforme ocorre na articulação glenoumeral, no joelho e na articulação interfalangiana. Este fenômeno da articulação biológica permite uma grande amplitude de movimentação da articulação.
O movimento artrocinemático das superfícies articulares em relação ao movimento da diáfise dos ossos (osteocinemática) obedece a princípios convexo-côncavos. Se o osso com a superfície articular convexa mover-se sobre o osso com a concavidade, a superfície articular convexa move-se na direção oposta à do segmento ósseo. Se o osso com a concavidade move-se sobre a superfície convexa, a superfície articular côncava move-se na mesma direção que o segmento ósseo. A articulação interfalangiana proximal do dedo indicador pode ser usada como exemplo. A flexão pode ocorrer com movimento da falange proximal ou intermediária. Quando a flexão ocorre por movimento da falange proximal, os pontos sobre essa superfície convexa movem-se em uma direção oposta à diáfise do osso em movimento. Por outro lado, se a superfície côncava da falange intermediária se mover sobre a falange proximal fixa, a superfície articular move-se na mesma direção que o osso em movimento.
Uma combinação de várias articulações unindo segmentos sucessivos constitui uma cadeia cinemática. Sucessivamente, os segmentos mais distais podem ter graus mais altos de liberdade do que os proximais.
Em uma cadeia cinemática aberta (CCA), o segmento distal da cadeia move-se no espaço; enquanto em uma cinemática fechada (CCF), o segmento distal está fixo e as partes proximais movem-se.
Na CCA, o segmento distal de uma extremidade move-se livremente no espaço, resultando no movimento isolado de uma articulação. Características da CCA:
Na maioria das vezes, o movimento ocorre em uma articulação;
Movimentos balísticos e pendulares;
Maiores acelerações e maiores desacelerações;
Aumento das forças de cisalhamento (shear);
Diminuição das forças compressivas;
Melhora a força e amplitude do movimento;
Maior risco de lesão.
Na CCF, as articulações distais encontram resistência externa considerável, a qual impede ou restringe sua movimentação livre. Ex.: flexão (apoio), leg press, agachamento (para membros inferiores). Características da CCF:
Forças compressivas maiores;
Forças de cisalhamento (shear) menores;
Menores acelerações e menores desacelerações;
Melhor ativação proprioceptora;
Melhor estabilidade dinâmica;
Mais indicada em atividades pós-lesões.
CALAIS-GERMAIN, Blandine. Anatomia para o Movimento. 4. ed. São Paulo: Manole, 2010.
HOUGLUM, Peggy; BERTOTI, Dolores. Cinesiologia clínica de Brunnstrom. São Paulo: Manole, 2014.
OATIS, Carol. Cinesiologia: a mecânica e a patomecânica do movimento humano. 2. ed. São Paulo: Manole, 2014.
SACCO, Isabel; TANAKA, Clarice. Cinesiologia e Biomecânica dos Complexos Articulares. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado
Design Instrucional: Gabriela Rossa
Diagramação: Vinicius Ferreira
Ilustrações: Luiz Specht
Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra