Breve histórico da astronomia e seu ensino no Brasil

 

Com o intuito de proporcionar uma base para a compreensão do estado atual do ensino da Astronomia e do que se tem realizado desde os primórdios, fornece-se um panorama geral como fonte de informações preliminares sobre esse tema e seu ensino no Brasil. Optou-se por se iniciar esse estudo através de um levantamento histórico por meio de uma visão geral, de modo a contemplar ao mesmo tempo a Ciência da Astronomia e o seu ensino, uma vez que os fatos históricos da primeira se entrelaçam com os do segundo em diversos momentos pontuais e contínuos. Assim, quais foram as primeiras atitudes brasileiras com relação à Astronomia e seu ensino, e quais são hoje as instituições e seus estudos produzidos que promovem atividades para o desenvolvimento do ensino desta Ciência?

A história da Astronomia no Brasil remonta a algum tempo antes da chegada dos colonizadores ao país. Os índios que aqui habitavam já carregavam consigo uma ampla carga de conteúdos astronômicos que eram ensinados de geração em geração. Assim, a Astronomia e o seu ensino já existiam em nossa terra antes da presença do ‘homem branco’. Por exemplo, o grupo indígena Apinajé realiza um ritual para comemorar a passagem do Sol de um hemisfério para outro (NEVES e ARGUELLO, 1986).

Retrocedendo ainda mais no tempo, pesquisas na área da arqueoastronomia brasileira estudam a viabilidade de que inscrições encontradas nas rochas em sítios arqueológicos tragam informações sobre o conhecimento astronômico das pessoas que viviam entre 7.000 e 4.000 anos atrás, como mostra o estudo de Queiroz et al (2003) na região nordeste do Brasil. Outros trabalhos têm mostrado que gravuras rupestres registram a passagem de cometas e meteoros, datando de 4.400 anos atrás (BARRETO, 2001). Nesta mesma região do país, populações pré-históricas culturalmente capazes de registros gráficos, nas tradições da expressão Nordeste, Agreste e Itaquatiara, remontam há mais de 30.000 anos. Dando sua própria interpretação para os fenômenos astronômicos, transmitiriam o evento pela tradição oral através de seus mitos ou por meio dos registros rupestres.

Barreto (2001) explica que muitos registros gráficos de cobras, lagartos, aranhas, pássaros, luas voadoras, estrelas cabeludas, estrelas e astros explosivos, em várias partes do mundo, podem ser representações mitológicas de temas astronômicos, tais como estrelas, planetas, Lua, Sol, eclipses, chuvas de meteoros, bólidos, cometas e supernovas.

Um painel encontrado na localidade de Matão e Serra Negra em Palmeiras, na chapada Diamantina, Bahia, mostra uma linha curva ligada a uma estrela cabeluda, o que definiria a passagem de um cometa. Segundo Barreto (2001), a linha curva pode representar a trajetória descendente do astro pelo céu. Outro exemplo é a Toca do Cosmos, também no sertão da Bahia, um sítio arqueológico datado de aproximadamente 1230 a.C., onde se identifica uma figura de um cometa de longa cauda, várias pinturas de Luas e estrelas, e uma grade, possivelmente associada à contagem do tempo, talvez um calendário. Outras pinturas rupestres que representam possíveis objetos e fenômenos astronômicos têm sido encontradas nos municípios Triunfo e Buíque, ambos no estado de Pernambuco; na Lapa do Janelão, no interior de Minas Gerais; na região de Iraquara, no estado da Bahia.

Ao se revisar os conhecimentos astronômicos de geração em geração nestes povos, o ensino da Astronomia já se fazia presente. De acordo com Afonso e Nadal (2003), a literatura sobre os índios brasileiros, que ainda não tinham muito contato com o homem branco, “demonstra que esse povo possuía um vasto e significativo conhecimento dos astros”. Envolvendo vários aspectos da cultura dos índios brasileiros, a Astronomia influenciava sua organização social, condutas no cotidiano, planejamento de rituais, definição de códigos morais, ordenação de atividades anuais e cíclicas, como colheitas e plantações, avaliação das horas do dia e da noite, e orientação para viagens.

Conforme verificado por Afonso e Nadal (2003), “etnias diferentes de índios brasileiros possuíam um conjunto muito semelhante de conhecimentos astronômicos que era utilizado para materializar o calendário e a orientação”. Esse conjunto inclui o que hoje se conhece por movimentos aparentes do Sol, Lua, Vênus, Cruzeiro do Sul, Plêiades, Escorpião, Três Marias e Via Láctea. Digno de nota é que algumas destas constelações idealizadas pelos índios brasileiros são as mesmas de outros índios da América do Sul e aborígines australianos (AFONSO, 2003).

As quatro constelações sazonais dos índios brasileiros são: Anta (primavera), Homem Velho (verão), Cervo (outono) e Ema (inverno). A constelação do Homem Velho, por exemplo, engloba partes das constelações que hoje se conhece por Órion e Touro. A constelação da Ema envolve partes do Cruzeiro do Sul, Centauro e Escorpião. Curioso é que o sistema astronômico dos Tupinambá do Maranhão (já extintos) é muito semelhante ao utilizado, atualmente pelos Guarani da região Sul do Brasil, embora estejam “separados pelas línguas (Tupi e Guarani), pelo espaço (mais de 2500 km, em linha reta) e pelo tempo (quase 400 anos).” (AFONSO, 2003).

Além de constelações, tribos diferentes de índios idealizaram um observatório astronômico a olho nu, geralmente usando um poste vertical (gnômon) e rochas no solo alinhadas com os pontos cardeais e as direções dos solstícios (AFONSO, 2003), o que lhes proporcionava a possibilidade de contar o tempo, prever as estações do ano, identificar diferentes durações do dia e da noite, e divulgar seus conhecimentos astronômicos para futuras gerações.

Já no período colonial, “o documento mais antigo referente às observações astronômicas realizadas no Brasil é a carta escrita entre 28 de abril e 1 de maio de 1500, dirigida a D. Manuel, Rei de Portugal, pelo físico e cirurgião Mestre João, que acompanhava Pedro Álvares Cabral” (MORAES, 1984), onde se determinou pela primeira vez a latitude em terras brasileiras.

Conforme Moraes (1984), Hiparco do século I a.C. e Ptolomeu do século II d.C. colocavam o grupo de estrelas que constitui o atual Cruzeiro do Sul na constelação do Centauro. Mas, é na carta de Mestre João que o nome Cruz aparece pela primeira vez, embora haja suspeitas que Bayer já houvesse destacado as estrelas do Cruzeiro como grupo separado do Centauro. Como afirma Neves e Arguello (1986), a Astronomia teve uma importância capital para cada uma das épocas, e foram várias as suas motivações: desde fatores econômicos (navegação e agricultura), religiosos e supersticiosos (astrologia), até a observação aliada à curiosidade. Estes fatores foram propulsores para o desenvolvimento de teorias e modelos para o homem se localizar no universo.

Houve outras expedições ao Brasil e embora tenham sido muito úteis à Astronomia, pois se ampliou o conhecimento sobre o céu do hemisfério sul, não se nota em nenhuma delas a preocupação de um estudo sistemático desta Ciência no hemisfério austral (MORAES, 1984). Em 1639, porém, com os trabalhos do alemão Jorge Marcgrave no Brasil, inaugura-se o primeiro observatório astronômico do hemisfério sul, numa das torres do palácio Friburgo de Nassau, situado na ilha de Antonio Vaz, Recife. Também, desde a fundação da Companhia de Jesus, muitos dos seus membros deram suas contribuições para a Astronomia e o seu ensino – e para a Ciência de um modo geral.

Moraes (1984) afirma que “no século XVIII os jesuítas estavam à frente de mais de vinte universidades e dirigiam mais de trinta observatórios astronômicos (Viena, Praga, etc.)”. No Brasil, foram os primeiros mestres, sobretudo a partir da “escola de ler e escrever” que fundaram na Bahia em 1549, e mais tarde com o desenvolvimento rápido do seu ensino, criando os “colégios”, onde a Astronomia, embora não fizesse parte do currículo, era cultivada no país por alguns professores versados nessa Ciência. Entre eles, destaca-se Valentim Estancel, que foi referência nos Principia Mathematica de Isaac Newton, onde escreveu: “em 5 de março de 1668, A. D., às 7 horas da tarde, o R. P. Valentinus Estancius, trabalhando no Brasil, viu um cometa no horizonte, próximo ao local do ocaso do Sol no inverno” (NEWTON, 1687 apud MORAES, 1984), pois Newton foi um dos primeiros a afirmar que os cometas, como os planetas, giram ao redor do Sol. Halley também esteve no Brasil em diversos pontos litorâneos, inclusive no Rio de Janeiro, onde em 1699 determinou a sua declinação magnética, pois visitara o país para a verificação de suas teorias a respeito deste assunto.

Os jesuítas foram os pioneiros em ensinar os conhecimentos astronômicos no Brasil, mas em 1759, foram expulsos pelo marquês de Pombal, substituindo o ensino deles pelas aulas régias, criadas pela coroa portuguesa. Cada disciplina era autônoma e o aluno se matriculava em quantas aulas desejasse (BRETONES, 1999).

A partir de 1808, quando a Família Real mudou-se para o Brasil, uma súbita série de transformações ocorreu na capital, dentre as quais, a construção em 1809 de um observatório para uso da Companhia dos Guardas-Marinha (MORAES, 1984). Entre os cursos superiores formados por Dom João VI, os que se relacionam com Astronomia, eram os da Academia da Marinha (1808) e da Academia Real Militar (1810), ambos no Rio de Janeiro.

O primeiro livro texto de Astronomia publicado no Brasil aparece em 1814, para o uso dos alunos da Academia Real Militar, escrito por Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, autor de muitos outros trabalhos (MORAES, 1984).

Em 15 de outubro de 1827, o Observatório Astronômico do Rio de Janeiro foi criado por um decreto de D. Pedro I, pois o estudo da Astronomia era importante devido à preocupação com a demarcação do território nacional e às navegações, embora um dos objetivos principais do Observatório era o ensino da Astronomia, sobretudo para os alunos da Escola Militar (antiga Academia Real Militar). Porém, por motivos de longas discussões sobre a definição do local e das finalidades do Observatório, as obras só tiveram início em 1845 e funcionou definitivamente em 1852 (MORAES, 1984).

Henrique Morize, um dos diretores do Observatório, interessou-se pelos problemas educacionais, mas sua atividade principal se desenvolveu no campo da Astronomia. Foi em seu tempo, a partir de 1 de janeiro de 1914, que se adotou no Brasil o sistema das horas legais e dos fusos horários, tomando-se como hora fundamental a do meridiano de Greenwich, até hoje usado internacionalmente (MORAES, 1984). Também durante a direção de Morize, ocorreu o eclipse total do Sol de 29 de maio de 1919, quando ele chefiou uma comissão brasileira que se dirigiu a Sobral, onde esteve também uma comissão inglesa liderada pelo astrônomo Arthur Eddington (1882-1944), com a finalidade de estudar a deflexão da luz num campo gravitacional, prevista pela teoria da relatividade geral de Einstein.

Este eclipse resultou num evento de fundamental importância que mudou a história da Física, conforme amplamente divulgado nos materiais didáticos de Ciências. Isto se deu devido à afirmação dotada de extrema certeza de Eddington de que a teoria da relatividade estava finalmente comprovada, mesmo sabendo que os resultados que detinha só apresentavam 30% de precisão. Além disso, ele dispensou a maioria das chapas fotográficas do eclipse que apresentaram resultados diferentes do esperado (NEVES, 2002). Na verdade, dentre outros argumentos que colocam em dúvida a validade desta confirmação por Eddington, estão o uso de telescópios impróprios, a distorção causada pela interferência da atmosfera da Terra nas imagens, a grande margem de erro nas medições, e o fato da existência de chapas fotográficas nas quais o desvio sofrido pela luz ao passar perto do Sol estava mais próximo do valor de Newton e não de Einstein (VIEIRA, 2003).

Este caso ilustra como a história da Astronomia também está contaminada com supostas verdades históricas da Ciência que são ensinadas em salas de aulas, e que permeiam algumas publicações de ensino, tais como livros didáticos. Neves et al (2003) citam ainda mais dois exemplos de fatos históricos na Astronomia com estas mesmas características: Becquerel nunca descobriu a radioatividade e Hubble nunca afirmou que o deslocamento para o vermelho era a prova para um universo inflacionário. Afirmações categóricas como estas fornecem um tom de verdade inquestionável, mas não passam de mitos criados em torno de personagens científicos. Cabe aos educadores em Ciências e docentes de cursos de formação de professores a responsabilidade de fomentar debates sobre temas polêmicos como estes com seus alunos, para que as informações históricas a eles impostas como verdades intrínsecas não sejam simplesmente aceitas de um modo passivo. Basta relembrar o exemplo da questionável, porém até hoje amplamente aceita, afirmação de Eddington sobre a relatividade geral confirmada durante o eclipse de Sobral, durante a direção de Henrique Morize no Observatório do Rio de Janeiro (NEVES, 2002).

O Observatório, antes vinculado à Escola Politécnica (antiga Escola Militar) desde 1880, foi transferido para o Morro do Valongo em 1924, já chamado de Observatório Nacional, que mais tarde passaria para a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Moraes (1984) afirma que os professores da Escola Politécnica e sua antecessora deixaram contribuições importantes no campo do ensino da Astronomia, com destaque para Otto de Alencar seguido de Amoroso Costa, que combateram no início do século XX a influência predominante do positivismo, do francês Augusto Comte (1798-1847). O positivismo teria impedido o progresso da astrofísica no Observatório Nacional durante anos, pois segundo o positivismo, seria impossível descobrir a composição química das estrelas, uma vez que para esta doutrina filosófica, as ciências astronômicas tratam de números e de objetos inacessíveis aos homens, sendo imutáveis (BRETONES, 1999).

O ensino da Astronomia se fez presente também na Escola de Minas, fundada em 1876, na Universidade Federal de Ouro Preto, quando no fim do século XIX implantou-se um observatório astronômico – o terceiro do país e destinado ao ensino desta disciplina aos futuros engenheiros da época (NUNES, 2001).

Bretones (1999) explica que os cursos secundários tiveram a tradição, ao longo da história da educação no Brasil, de serem preparatórios para o ensino superior. Desta forma, a duração do curso secundário do Colégio Pedro II era de sete anos, e de acordo com o regulamento de 1881, no quarto ano estudava-se Cosmografia, utilizando mais tarde um livro publicado por R. Villa-Lobos, em 1897.

Segundo Moraes (1984), durante a fase da República, com a criação da Escola Politécnica de São Paulo, em 1893, começaram a funcionar os primeiros cursos regulares de Astronomia. A Escola chegou a ter um pequeno observatório localizado na praça Buenos Aires, destinado ao treinamento dos alunos. José Nunes Belfort de Matos instalou em sua residência, à Avenida Paulista, alguns instrumentos astronômicos, chamando-o de Observatório da Avenida, em 1902. Mais tarde, junto a este observatório, em 1910, iniciou-se a construção do Observatório Oficial do Estado. Em 1932, iniciaram-se as obras no bairro da Água Funda do atual Instituto Astronômico e Geofísico (IAG), agora vinculado à USP, e inaugurado só em 1941.

No ano de 1958, foi fundado o primeiro curso de graduação em Astronomia do Brasil, no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia, da antiga Universidade do Brasil. Com o tempo, os cursos de Astronomia foram perdendo força, pois a exigência de mercado estava voltada mais para os graduados em Física. Com o decreto de 1942, do Estado Novo, o ensino foi modificado, e os conteúdos de Astronomia e Cosmografia deixaram de ser disciplina específica. Na década de 60, diversas instituições de ensino superior ofereciam cursos de graduação de Física, Engenharia e Matemática com a disciplina de Astronomia como optativa (BRETONES, 1999). Nas reformas educacionais que se seguiram, os conteúdos de Astronomia passaram a fazer parte de disciplinas como Ciências e Geografia (Ensino Fundamental) e Física (Ensino Médio). Atualmente, pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, a Astronomia está presente essencialmente na disciplina de Ciências, conforme indicam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1997, deixando assim de ser definitivamente uma disciplina específica nos cursos de formação de professores.

Assim, embora tenha havido mudanças na educação em anos recentes, a formação de professores de Ciências, segundo Delizoicov et al (2002), “na maioria dos cursos, ainda está mais próxima dos anos 1970 do que de hoje”. Um professor de Ciências no Ensino Fundamental, por exemplo, ver-se-á confrontado com o momento de trabalhar com conteúdos de Astronomia. No entanto, o docente dos anos iniciais do Ensino Fundamental geralmente é graduado em Pedagogia, e o de 5a. a 8a. geralmente em Ciências Biológicas, sendo que conceitos fundamentais em Astronomia não costumam contemplar estes cursos de formação de professores, conforme será considerado mais adiante.

Analisando as prováveis razões do desaparecimento da Astronomia como disciplina curricular e da sua “liquefação” em outros conteúdos, Tignanelli (1998) propõe “o avanço do ensino de Ciências através de metodologias que colocam ênfase especial na experiência direta (...) Outro fator causal do seu desaparecimento teve relação com a formação dos docentes, na qual os conteúdos astronômicos são quase inexistentes”.

Assim, Tignanelli (1998) conclui que “atualmente, os assuntos astronômicos aparecem diluídos em outros centros de interesse dos programas, como conteúdo de outras ciências, afins ou não”.

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.