3.2.7

 3.2.7 Análise das transcrições

 

Apresentamos, neste item, uma análise geral dos processos formativos durante os encontros do curso proposto, segundo as transcrições (apêndice 02, clique aqui). Para esta análise, optou-se por uma totalidade, isto é, procedemos a uma análise por tópicos de interesse que surgem na totalidade dos dez encontros, e não um estudo particular das situações de cada encontro separadamente, ou uma análise na ordem cronológica dos mesmos. Assim, não se encontrará uma análise encontro por encontro, mas um estudo de sua totalidade através de excertos e trechos discursivos a partir de fragmentos de interesse para nossa investigação (já citados no item anterior), o que se justifica pela natureza da proposta de nossa pesquisa, objetivando explorar os emergentes elementos formativos, relacionados com a educação em astronomia, durante um curso para professores, numa abordagem em que programas de formação continuada podem servir a dois propósitos: ensino e pesquisa (MEPPFOCO), utilizando as técnicas já discutidas em capítulos anteriores.

Com relação aos conteúdos de astronomia a serem ensinados na educação fundamental, parece existir um consenso, conforme consideramos nos capítulos anteriores, porém, retomamos os seguintes questionamentos com a amostra: quais temas de astronomia introdutória deveriam ser trabalhados nos anos iniciais do ensino fundamental? Quem, afinal, os define? Seriam os professores?

Os discursos dos participantes da amostra – em especial o excerto “senão como ele vai entender? Vai decorar se nasce no leste, se põe no oeste; o que significa de útil pra ele?” (02-79-80) – indicam que os conteúdos a serem contemplados deveriam ser os de interesse dos alunos, ou seja, o que eles considerariam como úteis para a vida cotidiana, e não como conceitos descontextualizados a serem obrigatoriamente memorizados apenas para cumprirem uma futura cobrança avaliativa. Esta concepção está em conformidade com a dos documentos oficiais (BRASIL, 1999) e com os resultados de pesquisas em ensino de ciências (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 1998). Neste sentido, os professores desta amostra estariam se auto-qualificando como principais responsáveis por definirem os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, uma vez que são eles os principais articuladores com os estudantes. Porém, a seleção adequada de temas está relacionada com a autonomia docente, uma vez que o professor que construiu seus saberes disciplinares detém maiores qualificações para determinar quais conteúdos a sua turma necessita.

Através de questionamentos e representações de dúvidas, os alunos levantam as mais diversas perguntas sobre astronomia, transparecendo as suas necessidades e interesses. Pensando sua formação imaginária sobre o seu próprio lugar na instituição, os professores da amostra fazem uma leitura parafrástica destas perguntas sobre assuntos que o professor tem dificuldade ou incapacidade em responder: “eles fazem perguntas que você não sabe dar a resposta. Viu como eles perguntaram lá? Se você não estivesse lá, a porca ia torcer o rabo” (09-244-246) – O pesquisador esteve presente em uma das aulas sobre astronomia que este docente da amostra ministrou para seus alunos, a fim de ser filmada e analisada reflexivamente pelo grupo.

Os temas mais questionados apresentados por eles, durante alguns dos encontros em grupo focal, foram: Sistema Solar, fases da Lua, constelações, gravidade, movimentos de rotação e translação, buracos negros, extraterrestres, origem do universo, teoria do big bang (05-06-24, 02-76-78, 01-309-310 e 01-318). Nota-se o fato de que alguns conteúdos que normalmente só são trabalhados no ensino médio foram levantados por crianças dos anos iniciais do ensino fundamental. Por exemplo, “as crianças perguntaram sobre o buraco negro” (01-318-319) e os professores não conheciam este tema suficientemente (nem como efetuar a transposição didática) para fornecer explicações adequadas às suas dúvidas. Talvez a forte influência provocada pela mídia sensacionalista, em expectadores desta faixa etária, tenha despertado, precocemente, momentos de curiosidade ou motivação em compreender mais sobre o tema.

Os livros didáticos, por outro lado, não levam em conta as especificidades e necessidades de cada sala de aula, e por isso, não podem abarcar todos os conteúdos de interesse, demonstrando sua ineficácia em determinar adequadamente os temas de utilidade dos alunos. Apesar disso, parece que são justamente os livros didáticos e os vestibulares os principais determinantes de conteúdos a serem trabalhados em sala de aula, estando em conformidade com as afirmações dos documentos oficiais (BRASIL, 2002b), segundo seus trechos discursivos: “mas eu acredito que quem define os conteúdos é o próprio sistema, aquilo que vai ser cobrado futuramente, eu acredito” e “os livros didáticos, por exemplo, por que traz sempre aqueles conteúdos para aquelas determinadas séries, porque futuramente esses vão ser cobrados no vestibular” (02-14-19).

De fato, os discursos dos participantes parecem indicar a necessidade de um lastro de conteúdos mínimos para os anos iniciais do ensino fundamental que coincidem com o que denominamos anteriormente de astronomia essencial, a partir dos resultados de pesquisas sobre educação em astronomia. Além disso, transpareceu-se, nesta amostra, a consciência de uma seqüência didática adequada aos alunos desta faixa etária: “precisa ter um embasamento bem lógico, primeiro tenho que explicar o que é uma estrela, planeta, a organização do sistema solar” e “movimento de rotação e translação para que ele possa compreender essa atividade, por exemplo o movimento aparente do Sol, ele tem de saber o movimento de rotação e translação” (02-74-78).

No entanto, reconhecemos que tais excertos discursivos podem estar impregnados com os ditames dos livros didáticos, vestibulares e outras variáveis que determinam de “cima para baixo” o que os professores devem ensinar, e seus discursos seriam, neste caso, reproduções interdiscursivas destas fontes.

Por outro lado, preocupa-nos o fato de qual tipo de autonomia o professor constrói para abordar um conteúdo que não lhe fora ensinado durante a sua formação. Alguns de seus discursos ajudam a identificar algumas das falhas durante esta trajetória formativa: “eu sou professora de geografia, quando eu fiz a faculdade de geografia não se estudava astronomia” (04-268-269); “por conta de não termos astronomia em nossa formação, estamos tendo que rebolar, temos que dar conta do recado (02-72-73); “na minha formação não sei quase nada então eu não dominava muito e os planetas” (01-76-77).

Esta amostra exemplifica, através de suas memórias interdiscursivas durante as trajetórias docentes intermediárias, o que talvez ocorra com grande parte dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, os quais não receberam durante sua formação o mínimo de considerações sobre temas em astronomia introdutória. Isto pode implicar em um aprendizado quase que simultâneo com seus próprios alunos, gerando uma ação pedagógica praticamente dependente do livro didático, tais como as falas: “eu busquei nos livros que tem lá na escola” (09-249); “na hora que eu expliquei pra eles eu peguei esse livro aí” (05-236-237) e “isso a gente aprende nos livros didáticos” (06-34), muitos dos quais também se apresentam falhos e com erros conceituais (LANGHI e NARDI, 2007). Talvez isso explique os dados obtidos em inúmeras pesquisas sobre concepções espontâneas sobre fenômenos astronômicos em alunos e professores, pois o resultado desta situação apresenta um ensino de ciências repleto de concepções alternativas em astronomia, ou a omissão em trabalhar tais conteúdos, tal como indicado por: “passava tudo rapidinho” (01-77) e “sempre passando meio por cima” (01-79).

A respeito das fontes de consulta intraescolares, os livros didáticos de ciências, há uma generalização em seus conteúdos que denotam sentenciar uma cadeia de informações que reflete a apropriação da linguagem do cientista, como a soberania ideológica do saber. Quando estes professores expressam “o que a gente sabe, aprende dos livros” (06-34-36) ou “eu olho nesse livro aí, se tirar ele de mim, eu não sei mais” (05-235-236), formula uma implicação de que o livro didático é soberano em seu conteúdo e atribui-lhe um significado de principal fonte de dados, embora o próprio professor deva reconhecer a sua limitação intelectual. Porém, nem sempre estes materiais estão à disposição; ou, quando estão, não atendem à importância fundamental para o papel da qualidade deles, pois se apresentam com erros conceituais em astronomia ou permanecem com chavões ou conceituações incompletas, causando nos professores profunda sensibilização ou revolta ao tomar conhecimento da existência de erros em sua principal fonte do saber: “Nooossa, aqui só fala dois, nem se cogita de outros, a gente pega os livros, mas não fala os principais!” (04-251-252); “faltam detalhes importantes (indignação dos professores sobre falta de explicação nos livros didáticos)” (04-251-254). Também ocorre a resistência quanto à aceitação de que o material possa apresentar falhas: “mas é assim que está no livro, pode pegar” (05-571).

Este conjunto de situações gera-lhe dificuldades docentes durante sua atuação, conforme indicado pelos excertos da amostra, expondo também erros profissionais, tais como:

Transparecendo o efeito-sujeito, segundo a análise do discurso, a ilusão discursiva “na escola ninguém sabe astronomia” (02-32-34), o indivíduo permite a submersão de seu próprio lugar, mas construindo uma imagem de outra referência, talvez na intenção de evadir-se. Esta situação de despreparo, que gera dificuldades, foi amplamente caracterizada pela amostra: “olha a dificuldade que o professor tem! Porque a gente não tá preparado” (02-428-429); “tiveram dificuldades pra ensinar astronomia” (05-01-03); “eu sempre tive uma dificuldade danada de explicar” (05-235); “claro que eu não sabia” (08-92); “a gente teve de correr atrás sem base, sem nada” (09-140). Porém, esta cobrança para com o professor poderia ser classificada como parafrástica porque este dizer parece se repetir no lugar do professor dentro da estrutura da formação social que ele ocupa na instituição escolar, uma vez que sua função social é também o da reprodução. Nestes dizeres há um não-dito que confirma o professor como um ser institucional e detentor de todo e qualquer saber, em que os alunos são considerados seres provocadores cujo objetivo de suas perguntas e questionamentos é o de testar os conhecimentos do professor, não admitindo que ele falhe em responder-lhes quaisquer questões. No entanto, docentes comprometidos com sua profissão preocupam-se em dominar os saberes disciplinares (TARDIF, 2004), ou um conjunto de conteúdos essenciais, básicos ou fundamentais.

Tentando identificar a origem destas concepções alternativas em astronomia, a interpretação do discurso de um dos professores apontou para duas fontes durante a trajetória formativa na carreira: a escola (enquanto alunos, em sua trajetória formativa pré-graduação) e os livros didáticos que usam, enquanto professores: “daquilo que nós aprendemos na escola” (06-505) e “nos livros didáticos” (06-506), respectivamente. Saberes docentes disciplinares em astronomia estariam, assim, sendo construídos sobre uma base instável e definindo o sentido que os princípios da educação em astronomia está seguindo. Mas, os saberes envolvem um lastro maior do que somente os disciplinares, conforme analisado na fundamentação teórica.

Os professores da amostra demonstraram estas preocupações com relação aos efeitos de sentido de seus discursos e argumentações durante a sua atuação docente, com relação aos saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados, ou à sua transposição didática e possíveis abstrações advindas deste tema: “você já pensou como é complicado, de repente aquilo que acha que está explicando é simples, acaba assustando a criança” (04-193-195) e “é muito abstrato, como é que aquelas criancinhas vão entender, como na cabecinha deles vai entrar uma coisa assim?” (09-601-604). Eles exemplificaram, assim, diversos momentos nos quais vivenciaram a incompreensão de seus alunos com relação a alguns tópicos de astronomia, por mais comprometido que o professor se manifestasse durante o processo de ensino, ou por mais que uma questão de um teste parecesse muito bem formulada e passível de uma única interpretação. A este tipo de episódio chamaremos de ilusão da interpretação única do discurso, em que as condições de produção discursiva parecem indicar, ao enunciador, que o seu dizer só pode ser compreendido de um modo único, não havendo outras possibilidades de interpretação a partir de sujeitos secundários.

Assim, para o professor, há a ilusão de que os alunos entenderam suas explicações da maneira como ele intencionou: “explico tudo de novo, aí parece que entenderam” (05-103-104). Outro exemplo é o formulador de questões em uma avaliação escrita, como os responsáveis pela elaboração da Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBAA), cujas perguntas aparentemente não teriam múltiplas interpretações a partir dos alunos, e que todos os leitores compreenderiam um mesmo pensamento intencionado pelos elaboradores: “eu acho que a pergunta foi mal formulada”, “eu também acho, mal formulada” e “olha que pergunta mal organizada, eu achei muito esquisita” (04-276-278).

Neste último caso, exemplificamos com a situação enunciada em 04-68-73: “tudo é a imaginação das crianças, lembra o dia que eu falei que a professora [...] levou o telescópio para eles olharem o céu? Daí se fez uma pergunta assim nas olimpíadas, como você enxerga melhor as estrelas, os astros, em cima de um prédio, em cima de uma montanha ou no pátio de uma escola? Adivinha o que eles responderam, do pátio da escola, é de onde eles enxergavam, todo mundo já pôs um x no pátio da escola”. Questionava-se, nesta prova nacional, qual era o local mais adequado para se observar os astros, tendo como opções: o pátio da escola, uma montanha e um prédio. Alguns dias antes da prova, a escola recebeu a visita de um palestrante, que instalou um telescópio no pátio da escola. Ao responderem aquela questão na Olimpíada, a maior parte das opções escolhidas como sendo o melhor local para se observar os astros foi “o pátio da escola”, e não as montanhas.

Deste modo, não houve certezas quanto a se o ensino, o texto, ou o discurso foi formulado de tal modo que suas condições de produção possam proporcionar a interpretação ou argumentação desejada na atuação do professor em sala de aula, o que não garante o aprendizado pelos participantes do processo ensino-aprendizagem. Assim, o professor pode ilusoriamente pensar que sua aula foi motivadora e com a transposição didática adequada, ao passo que seus alunos podem achar o contrário. De fato, durante os encontros, experimentamos situações em que o mediador enunciava e os participantes apresentavam múltiplas interpretações, tal como o momento em que se confundiu a alfabetização com a alfabetização científica (04-124-130). Estes momentos indicam, assim, a importância de se construir saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados, adequando-se a uma transposição didática apropriada e a condições de produção dos discursos, bem como a sua ilusão da interpretação única, levando em conta as concepções dos ouvintes.

A análise de discurso permitiu o esclarecimento de como outros saberes docentes foram constituídos neste processo, sob à luz da fundamentação comentada nos capítulos anteriores. Por exemplo, os recortes “quando a gente trabalha com várias séries, [...] eu tenho sete, e a última aula sempre é melhor do que a primeira” (07-176-177) e “você já viu onde errou, já tem experiência no que deu” (07-180-181), fazem transparecer o saber experiencial, confirmando a importância atribuída a esta tipologia de saber, a experiência profissional como fator predominante que afeta a qualidade da atuação do professor (TARDIF, 2004).

No entanto, as interpretações dos discursos indicam a construção de saberes pouco abordados entre os autores da área de formação de professores. A análise dos encontros, como um todo, permitiu inferir na possibilidade de um repensar no estudo e desenvolvimento de um saber muitas vezes desconsiderado, que envolve a oralidade e as expressões verbais e corporais – saber este, que os professores, muitas vezes, sentem carência de abordagem durante sua formação inicial. A prática docente envolve o saber comunicar e o saber comunicar-se, envolvendo uma comunicação clara, convincente, persuasiva, e informativa, ou seja, com a oralidade específica de um profissional do ensino, a qual, normalmente, é construída à base do senso comum, pois ele aprende a discursar segundo a sua historicidade de vida ou mediante a reprodução de maneirismos característicos de seus antigos professores.

Os saberes da comunicação e da oralidade parecem ter sido desconsiderados principalmente na ascensão do construtivismo, quando interpretações e pré-concepções sobre esta teoria valorizaram demasiadamente metodologias no processo de ensino-aprendizagem que menosprezavam a importância da oralidade ou da comunicação de conteúdos por exposição ou transmissão. No entanto, não se pode negar totalmente que há momentos da aula em que não se deve subestimar a atuação do comumente difamado ensino por transmissão (GIL, 2007). Portanto, sugerimos um repensar sobre as características dos saberes comunicacionais e o seu importante papel no trabalho do professor. Tal repensar poderia assumir como base resultados provenientes das análises de processos formativos docentes durante situações didático-pedagógicas de profissionais em exercício. Assim, seria preciso determinar um conjunto de saberes que o auxiliem na construção de uma enunciação didático-pedagógica, com características de oratória que lhe apóiem em seu discurso ideológico, persuasivo e argumentativo de sala de aula. A estes saberes denominaremos de saberes discursivos, os quais poderiam ser melhor explorados em futuros trabalhos. Por enquanto, arriscamos em afirmar que tais saberes relacionam-se com o que Gauthier et al (1998) e Demailly (1997) chamam de ensino explícito e competências dramatúrgicas e relacionais, respectivamente.

Outra tipologia de saber que nos chamou a atenção relaciona-se ao que denominaremos de saberes afetivos, presentes principalmente nas respostas aos questionários, referindo-se a toda expressão de afetividade e amor relacionada à profissão docente e, segundo a amostra, é este o fator que mais garante a permanência de muitos nesta ocupação, uma vez que expuseram uma intensa afinidade com a ocupação de professor, mesmo diante de circunstâncias apontadas como “difíceis” para os mesmos (segundo a análise, comentada nos capítulos anteriores, das suas respostas escritas às perguntas dirigidas à amostra). Para alguns docentes, o amor pela profissão é construído gradualmente durante a carreira, mesmo que no início não haja evidências de que isto poderia ocorrer. Entendemos que tais saberes estabelecem relações com o que Freire (2000) denomina de amorosidade. Estes saberes também se constituem em uma área de estudo carente no ensino de ciências, mas principalmente na educação e divulgação da astronomia, talvez pelo fato de existir um grupo que confere a esta ciência uma característica específica: os amadores (termo, aliás, derivado do conceito de “fazer por amor”).

Quanto ao ensino da astronomia, reforçamos a importância de alguns saberes próprios e característicos deste tema, que ficaram evidentes em alguns recortes discursivos da amostra. Por exemplo, há conteúdos específicos em astronomia que professores e alunos só compreendem sob uma abordagem tridimensional, conforme atestado por Bisch (1998) e Leite (2006). Nesta linha de concepção da espacialidade é que denominamos os mesmos de saberes tridimensionais, a exemplo do ensino das fases da Lua (05-388-405) e das estações do ano (06-296-318), cujos professores da amostra não compreenderam mediante o uso de figuras bidimensionais, mas somente a partir de modelos tridimensionais com esferas de isopor e fontes de luz com intensidade suficiente e iluminação ambiente controlada: “para ficar mais fácil, olhando no tridimensional” (04-214).

Além desta especificidade do ensino da astronomia, identificamos a possibilidade de utilização de instrumentos tais como telescópios para observações sistemáticas. A visualização de um céu estrelado a olho nu (real ou virtual, no caso de planetários), ou com um binóculo, pode contribuir para aspectos motivacionais, desencadeando processos cognitivos de aprendizagem, levando os alunos a uma “ignição questionadora”, em que perguntas são geradas a partir da curiosidade estimulada através da observação natural (justificamos a existência destes fatores porque os vivenciamos por diversas ocasiões durante atendimentos a escolas e público em geral em noites de observações, incluindo os professores da amostra durante o encontro 8). São raros os estudos sobre estes aspectos emocionais em educação em astronomia, apesar de exercerem um papel de relevância (KANTOR, 2009).

Estes fatores, que denominaremos de catalisadores motivacionais, atuariam como possíveis aceleradores no desenvolvimento do interesse dos alunos e professores para com o aprendizado da astronomia e ciências afins, conforme identificados nos discursos da amostra:

No entanto, mesmo que alguns adquiram telescópios ou instrumentos semelhantes para observações astronômicas e aprendizado sobre este tema, muitas vezes decepcionam-se por não saber utiliza-lo e por desconhecer o mínimo de astronomia que fundamenta o seu uso. Assim, o instrumento que poderia lhe aumentar a motivação, pode se tornar um fator desmotivante: “eu tenho um telescópio newtoniano em casa, eu ia vender” (01-30-31). Muitas vezes, porém, o desconhecimento de conceitos básicos em astronomia é superado pelo interesse em observar o céu noturno quando o indivíduo adquire uma luneta ou telescópio, acreditando que será capaz, de início, de encontrar e contemplar todos os astros com a mesma facilidade e qualidade de imagem que vê nos livros didáticos e demais fontes de informações. Antes do investimento em equipamentos de grandes ampliações, tais como os telescópios, há a etapa do reconhecimento do céu a olho nu, a astronomia observacional e alguns conteúdos fundamentais em astronomia; caso contrário, o interessado apenas conseguirá direcionar seu instrumento para a Lua, conforme indicado pelo recorte discursivo: “Ele é bom. Eu já vi a lua” (01-41-42).

A etapa do conhecimento prévio em astronomia introdutória pode ser efetuada a olho nu, mediante a utilização de cartas e mapas celestes, identificando constelações, planetas e outros corpos astronômicos principais. Uma etapa intermediária poderia ser a aquisição de um binóculo, devido ao seu campo de visão maior e à imagem mais luminosa, em relação ao telescópio. Possuir um telescópio, a nosso ver, seria a etapa final. Porém, a força de ação do mercado, conjugada à falta de conhecimento do funcionamento deste aparelho, induz o professor (e outros interessados) à compra de telescópios e lunetas em lojas cujos discursos atestam o poder de ampliação destes instrumentos como atingindo valores impraticáveis. Assim, é possível encontrar, à venda, lunetas que suportam, no máximo, 100 vezes de ampliação, embora a propaganda apresente um valor de 600 vezes, por exemplo. O conhecimento sobre o funcionamento de telescópios desestabiliza o paradigma das concepções de senso comum de que o poder de ampliação de um telescópio é o seu fator principal, quando o é, mais apropriadamente, seu diâmetro ou abertura. Esta concepção, amplamente divulgada, é confirmada mediante a resposta de um dos professores da amostra quando o mediador pergunta-lhe o diâmetro do tubo do seu telescópio: “não me pergunte isso, é assim (circulo com dedos da mão) mais ou menos...” (01-41-42).

Quanto à questão dos saberes docentes, os professores reconheceram a importância dos saberes disciplinares (PORLÁN e RIVERO, 1998; GAUTHIER et al, 1998; TARDIF, 2004), mas expressaram o excesso de conteúdo advindo de um material enviado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo: “é pouco tempo, pra maio, eles mandaram muita matéria” (01-13-14), “as escolas particulares têm sistema de ensino, né, tem todo material apropriado, as aulas quase prontas, (vários opinando sobre o material) de um sistema que o estado quer seguir” (02-24-26) e “dá pra cumprir normalmente? Não.” (02-84-85).

Isto exemplifica a imposição do tipo “cima para baixo” na elaboração de materiais e cursos que não levam em consideração as necessidades do público-alvo: “nós temos trabalhado em geral tudo o que vem até a gente” (01-06), “antes nós tínhamos uma autonomia maior, mas agora a gente tem de seguir exatamente o que se tem que trabalhar” (02-02-03), “imposto, é obrigatório” (02-61-64), “está sendo implantada as propostas esse ano, saiu daquele esquema que nós estávamos acostumados” (02-67-68) e “na nossa escola foi assim, foi praticamente imposto [...] jogou o material em cima e você teve que urrar na goela deles, e é bem isso gente, impôs, [...] ninguém perguntou, olha o que você acha” (09-92-97). Esta imposição deriva-se do paradigma da racionalidade técnica ou o modelo processo-produto: “no produto. Qual é o produto? O meu aluno” (07-31) e “você vai ensinar tudo o que é pra fazer?” (05-387).

Porém, os professores reconhecem que, em sala de aula, permeia a complexidade e que é impossível prever situações e aspectos práticos de sua profissão: “tem também outras razões, não é, tem família, tudo isso que ela falou, somos psicólogos, somos tudo porque é um emaranhado de coisas que acontece” (07-56-57), “isso é o que eu quis dizer, por mais preparado o professor esteja sempre alguma coisa pode acontecer” (07-105-106) e “cada sala é totalmente diferente, a metodologia é igual, mas a aplicação dela é diferente conforme a necessidade da classe, o rendimento, o interesse, a participação, cooperação, é bem diferente” (07-325-327).

Por este motivo, os encontros foram preparados no sentido de abordar as principais necessidades dos participantes, de modo que pudessem refletir acerca de sua atuação com relação ao ensino da astronomia, mediante ao uso da já descrita MEPPFOCO, em que procuramos proporcionar aos participantes a construção de saberes específicos do ensino da astronomia e, consequentemente, de sua autonomia docente nesta área. Para isso, a técnica do grupo focal privilegiou a interatividade mediante perguntas geradas pelo mediador após uma questão problematizadora introdutória, tomando precauções para não fornecer respostas prontas aos participantes. Ao final, retorna-se à questão inicial e verifica-se mudanças quanto às repostas anteriores (05-558-560), finalizando-se com um breve resumo (05-592) e a solicitação de um feedback quanto à utilização desta técnica (05-750). Além disso, o grupo focal permitiu-lhes liberdade e autonomia para a escolha de um tema relacionado às suas necessidades formativas, o que indica que o mediador deve estar preparado, pois o tema é definido em instantes imediatamente anteriores ao início do processo, além de seu discurso ser predominantemente questionador, em que perguntas devem ser elaboradas quase que simultaneamente com os argumentos e hipóteses formuladas pelos professores (05-41-51). Citamos como exemplo de um dos grupos focais o encontro 5, cujo tema optado foi fases da Lua, quando o mediador teve de trabalhar algumas concepções de que a sombra da Terra era a causa deste fenômeno, enquanto outros permaneciam em silêncio, o que pode ser interpretado como um não saber.

As dificuldades durante a execução deste processo (algumas já comentadas no capítulo de caracterização da amostra) podem apontar para aspectos a serem levados em conta ao se elaborar futuros cursos ou programas de formação continuada em astronomia. Os discursos dos professores indicam sua insatisfação com relação à quantidade reduzida de estabelecimentos e pontos de apoio dedicados ao ensino e divulgação da astronomia amadora, tais como museus, observatórios, planetários e associações de astronomia, os quais poderiam se manifestar como fontes seguras de informações acerca de conteúdos de astronomia fundamental.

Além disso, constatamos que a metodologia utilizada pelo pesquisador não era uma prática comum entre os professores da amostra, visto que por diversos momentos, eles solicitavam explicações expositivas e imediatistas do conteúdo, mostrando impaciência ao lidar com as perguntas lançadas pelo mediador do grupo focal (pesquisador), o qual não tinha a intenção de fornecer respostas prontas, mas criar conflitos cognitivos: “eu critico ele também (o professor), eu quero aquela aulinha tradicional” (07-291), “então, você vai dar a resposta ou não?” (01-252), “a Lua é entre os dois? Só me responde isso!” (05-208) e “então alguma coisa está entrando em conflito, como você explica as fases da Lua?” (05-226-234). Alguns recortes discursivos nos permitem esta interpretação, quando afirmam: “você judiou muito antes” (05-747), “ficamos desesperadas” (05-761) e “não fica deixando a gente doida” (05-324). Contudo, relatam que a contribuição deste método foi mais eficiente a qualquer outro que já experimentaram, e que os conteúdos assim abordados parecem ter sido mais significativos quando comparado a uma simples exposição: “é exatamente do que a gente precisava, porque elucidou” (05-751), “você fez a gente pensar, uma boa forma de você guardar as coisas é você entrar em conflito com aquilo” (05-753-754), “você fez a gente descobrir” (05-759) e “achei que o resultado foi positivo, mais do que eu esperava” (09-133-134).

Apesar de ser garantido o sigilo, os professores da amostra expressaram receio nos momentos que antecediam os encontros iniciais, apresentando questionamentos sobre os motivos da filmagem, seus objetivos específicos, quem assistiria e quais seriam os seus usos. Notamos que é praticamente impossível evitar certa medida de inibição e preocupação com relação à presença de uma filmadora na sala de aula, pois gestos e expressões faciais específicas nesse sentido foram bem perceptíveis. Assim, a preocupação como o outro me vê? (MONTEIRO, 2006) foi constatada visivelmente em seus discursos, cristalizando-se na forma de uma resistência quanto à filmagem das aulas de aplicação com seus alunos, as quais foram preparadas de acordo com as abordagens trabalhadas no curso: “ela está preocupada com a filmagem” (05-160), “o Sa, por exemplo, não foi participativo, mostrou inibição” (07-348), “nós temos a inibição por parte dos alunos e do profissional” (07-349), “quando usar muito a filmadora com o tempo se acostuma, de tantas aulas filmando eles vão achar aquilo natural como parte integrante da sala de aula” (07-352-353).

Também houve o receio das análises reflexivas coletivas das filmagens das aulas ministradas pelos professores da amostra, uma vez que o foco da avaliação pareceria direcionar-se ao nível pessoal e não profissional, ou seja, alguns participantes temiam uma análise de sua vestimenta ou de suas expressões verbais e gestuais, em detrimento de uma atitude reflexiva quanto ao seu trabalho docente como principal motivo de reflexão: “a gente ver se a colega fala corretamente, se ela está vestida bem” (04-304), “pra mim é complicado, eu não me colocaria (falando de modo acanhado)” (09-278), “é uma bobagem, porque a gente faz tão naturalmente, aquilo que você faz todos os dias, que você fica com receio de ser filmada. Por que? Porque tem o receio de ser avaliada” (09-316-318) e “não avalia só a aula, avalia principalmente a pessoa” (09-320). Ainda considerando o fenômeno discursivo das antecipações, é possível que este talvez estivesse presente em todo o momento, pois ao encerramento de um dos grupos focais, um sujeito da amostra declara ao mediador: “você fica pensando, essa aí fala tanta bobagem” (05-748).

Por outro lado, os participantes, que refletiram sobre a prática do professor registrada em vídeo, também demonstraram dificuldades em relatar aspectos críticos diante da presença do colega: “mas e o colega que está analisando sua prática fala, olha G, sabe..., é difícil. A gente tem até humildade, me ajude, me ensina, mas é difícil a pessoa que chega e fala olha, F, eu assisti a sua aula você está... né? Você está pecando nesta parte, acho que a pessoa não tem coragem de falar, é difícil” (07-122-125). Assim, na maioria das ocasiões, a própria pessoa responsável pela aula é quem tomava a iniciativa em apontar suas respectivas dificuldades e características a serem aprimoradas, estabelecendo uma atitude autocrítica: “naquele momento já caberia estar mostrando como é que acontecem as fases da Lua, então creio que ficou vago no meu ponto de vista, mas aí então mostrou no final ele fazendo, completou, acho que ficou abstrato demais para o aluno, quando ela explicava fases da Lua, quarto minguante, eu que perdi a explicação aquele dia, não consegui nem lendo o texto dela entender ainda como acontecem as fases da Lua, então achei que ficou vago” (07-270-276) e “não dava pra eles compreenderem exatamente o que estava acontecendo, então ficou abstrato pra eles, no primeiro momento é bonito o movimento, passou o movimento acabou o interesse, você não está compreendendo, se desinteressa” (07-284-287). Neste sentido, o tipo de condição de produção destes discursos afetou claramente os momentos de reflexão coletiva e a constituição dos dados.

Outro aspecto que merece atenção em futuras elaborações de eventos como estes é a resistência quanto à execução de tarefas e atividades fora do horário dos encontros, com alegações unânimes sobre a escassez de tempo: “ah, professor, não dá tarefa, não” (03-76-79). Também transpareceram dificuldades com relação à utilização do termo de livre esclarecido, direcionado aos pais das crianças que seriam filmadas (documento que autoriza o uso da imagem/áudio da pessoa para estudo e investigações), e explicações para os pais e responsáveis: “não tinham entendido uma palavra, aí eu expliquei, não precisasse preocupar, eu tinha explicado aos alunos, mas eles não explicam direito em casa, falaram que eu tinha escrito Unesp, falaram que vai levar meu filho embora, o maior rolo, conversamos com as mães, a coordenadora explicou na porta da escola” (07-185-190), “senti que ia acontecer alguma coisa, eles não vão entregar isso. Eu expliquei tanto pra eles” (07-193-194), “não poderia ser uma autorização mais simples?” (07-195), “eles não entendem, lá é perto dos sítios, são pessoas bem simples, as mães vieram dos sítios perguntar o que era aquilo!” (07-196-197), e “explicando que a gente estava fazendo um projeto, que ia ser filmada a aula, se eles podiam autorizar, grampeei junto e mandei. Ninguém foi na porta” (09-221-222).

Outra dificuldade emergida relaciona-se com a metodologia utilizada, que previa uma continuidade destes encontros, porém, não com igual freqüência (fizemos um encontro semanal), conforme apoiada pela fundamentação já comentada nos capítulos anteriores (MEPPFOCO), em que preconiza uma formação contínua voltada para o desenvolvimento profissional do professor, com durabilidade maior quando comparada a um curso de curta duração. No entanto, esta amostra apresentou resistência quanto à sugestão da continuidade informal dos estudos em educação em astronomia e da proposta das filmagens das aulas dos demais professores para posterior análise: “não sei não” (09-343), “a resposta é não” (09-347) e “nem invente” (09-300). Talvez um dos motivos desta impedância resida na falta de comprometimento e responsabilidade profissional dos professores em geral (não especificamente da amostra), e dos que supostamente participariam em futuras elaborações de programas de formação continuada com estas propostas metodológicas, que visam uma duração maior e um acompanhamento mais prolongado do docente em serviço, como indica o seguinte trecho discursivo: “se todos estiverem dispostos, funciona. Porque em toda a escola tem gente que não quer saber de nada e ainda critica quem faz (são do contra), imagina filmar a aula dele, se ele só quer coçar! (risos)” (09-357-359).

A partir desta continuidade, seria possível a formalização de um programa de educação continuada que se orientasse nas teorias e nos resultados de pesquisas já comentados nos capítulos anteriores (em que este curso seria apenas uma breve introdução e, portanto, uma pequena parcela de todo um processo mais amplo), cristalizando-se em um grupo de estudos contínuos voltado para o ensino e divulgação da astronomia na comunidade onde a escola estaria inserida (o que denominaríamos de GEDAI – Grupo de Estudos sobre Educação e Divulgação da Astronomia Interdisciplinar), cujo objetivo seria o de incitar discussões acerca de atividades e experiências em sala de aula, prevendo a construção de saberes essencialmente experienciais entre os participantes e o desenvolvimento profissional dos mesmos.

No entanto, o interesse dos participantes apontava para a elaboração de mais cursos de curta duração em detrimento de cursos longos com acompanhamentos prolongados de desenvolvimento profissional, pois, em alguns momentos, propunham a elaboração de mais cursos que dariam seqüência a este, principalmente nas situações em que ocorriam contemplações e embevecimentos acerca de informações sobre aspectos da astronomia que se tornavam motivadores para eles (por exemplo, quando ocorreu uma das aulas no Observatório e fizeram observações através de telescópios): “precisa ter uma meta nesse curso, astronomia 2” (08-103), “temos que ir aprofundando porque a gente não sabia nada!” (08-105), “são conteúdos que temos que trabalhar no módulo dois e módulo três” (10-50-51).

Além desta proposta, uma atividade final foi solicitada para ser entregue alguns meses após o término do curso, composta de um texto em que constariam relatos de experiências que os professores da amostra vivenciaram durante sua atuação docente após o curso, fazendo uso das sugestões e dos temas, considerados durante os encontros, em suas próprias aulas. Esta proposta está em conformidade com a integração ensino-aprendizagem-pesquisa (MASETTO, 2001), com os “casos de ensino” mencionados por Shulman (1986), com o “practicum” de Zeichner (1997), e com o “procedimento clínico de formação”, de Perrenoud et al (2001), todos já comentados nos capítulos da fundamentação teórica. A fim de padronizar a redação deste texto, os professores deveriam basear-se nas normas semelhantes às encontradas em artigos de revistas científicas, as quais foram repassadas aos participantes no dia em que se sugeriu esta atividade, cuja data de entrega marcou-se após dois meses a partir do término do curso. Conforme já comentado nos capítulos anteriores, este texto faria parte de uma futura apresentação em eventos da área em que os professores poderiam ser convidados, sem ônus, pela Secretaria Municipal de Educação. No entanto, nenhum trabalho neste sentido foi enviado pelos participantes ao pesquisador na data combinada, nem após.

Tentou-se um contato posterior com cada professor participante, mediante correio eletrônico, a fim de se investigar as razões de seu não atendimento a esta solicitação, mas não houve sucesso na comunicação. Em vista desta e das demais resistências apresentadas nos parágrafos anteriores, é possível fazermos algumas inferências, por meio das quais, chegamos ao seguinte resultado com relação ao motivo principal de os professores da amostra não se interessarem por um curso mais duradouro: seu objetivo principal era o da certificação, visando à progressão financeira na carreira. Justifica-se esta nossa conclusão mediante os seguintes fatores, baseando-se nas situações e na análise geral dos seus discursos até então efetuada:

Portanto, a interpretação do não-dito a partir de suas expressões faciais, acrescentando a análise geral de seus discursos e suas reações quanto à proposta da continuidade do curso, indicam que seu principal interesse não reside em um desenvolvimento no sentido de modificar suas práticas profissionais mediante um acompanhamento prolongado de sua atuação durante um programa de formação continuada, mas sim em cursos rápidos e tradicionalistas, com carga horária mínima e que não resultem em muitas atividades extracurriculares, desde que garantam aos mesmos uma certificação que se traduza em pontuações que favoreçam financeiramente sua carreira. Sob este ponto de vista, a trajetória formativa docente, através de programas de formação continuada, parece ocorrer à base de um critério de interesse pessoal em detrimento do profissional (PACHECO, 1995).

Pensando sobre estes aspectos, é neste sentido que se torna necessário, acreditamos, um programa de formação continuada que assuma como objetivo primário a mudança do pensamento e da atitude do professor com relação a um maior comprometimento profissional, e, em seguida, como objetivo secundário, a mudança de sua prática docente. Isto nos faz levantar outros questionamentos: a mudança da prática profissional está, de fato, diretamente e exclusivamente ligada a fatores externos, tais como uma estruturação adequadamente elaborada (ao menos aparentemente), sob o ponto de vista de seus organizadores? Não seriam fatores intrínsecos, pessoais e individualistas fortes componentes influenciadores na determinação do professor em desejar realmente alterar a sua prática profissional? Por isso, um modelo formativo sob uma abordagem humanista, cuja abrangência considere aspectos pessoais e personalistas (mas não apenas), favoreceria condições para que a elaboração de programas de formação continuada ajuste seu foco, num primeiro momento, nas motivações intrínsecas de cada professor participante, de modo a trabalhar suas vontades, desejos, anseios, atitudes e estados da alma (HUBERMAN, 2000), com argumentos persuasivos que o convençam para uma atitude crítica e transformadora, conduzindo-o para mudanças efetivas, sob uma abordagem formativa mais ativista.

Pensando nisso, a escolha pelo uso da MEPPFOCO proporcionou momentos de reflexão conjunta nos quais se pôde observar os participantes gradualmente reconhecendo a construção de uma postura autocrítica, apresentando indícios de autonomia, mediante a avaliação dos colegas, apesar na inibição inicial: “assistindo a minha aula eu percebi varias coisas” (07-59) e “descobri coisas que eu não sabia sobre mim” (07-76). Através desta análise reflexiva, permitiu-se, aos professores, uma percepção de falhas no seu próprio ensino e aspectos para melhoria em sua atuação docente: “não só a aula como o entendimento. Analisa assim, puxa foi bom, agi dessa forma, foi ruim, e você começa a melhorar” (07-80-81), “foi burrice ter colocado aquele globo, antes tivesse colocado outro abajur, porque eles confundiram, aquilo era para ser o Sol e não a Terra, só que era o globo terrestre e até...Esquece que esta é a Terra, isso é o Sol, mas porque eu coloquei uma Terra iluminada no lugar do Sol com luz muito fraca, e o globo que era a Terra tinha uma luz mais forte, aí então é onde eu confundi” (07-221-226), “eu achei assim que ficou prejudicada, a questão do movimento, porque quando a gente falava do movimento, eles mesmos faziam com isopor, aquilo que eles queriam mostrar, eles queriam girar a Terra e ao mesmo tempo girar ao redor do Sol. Como eu quis simular o espaço deixando pendurado, ficou prejudicado o movimento de translação, a linha impediu que se fizesse, você viu o que ele falou, ele queria ir lá” (09-109-114) e “porque a lanterna do lado deixava o Sol também apagado e ele queria que a luz estivesse dentro para iluminar o Sol todo, ele falou varias vezes, vamos por dentro professora” (09-119-121).

De fato, identificamos alguns momentos nos quais os professores demonstraram determinado grau de autonomia em analisar criticamente livros didáticos (atividade realizada no encontro 4) e um vídeo infantil (atividade realizada no encontro 9), com relação a conteúdos de astronomia – competência não desenvolvida antes do curso, segundo constatações no levantamento inicial, e confirmada pelo excerto: “depois que cria um conceito, como nós, quantas de nós que chegamos nesse curso com conceitos que caíram por terra” (09-428-430).

Conforme previsto e objetivado durante a elaboração destes encontros, apontamos para a indução de mudanças na prática docente, resultado raramente encontrado na maioria dos cursos de curta duração, conforme já fundamentado anteriormente. Apesar do acanhamento de alguns participantes e de sua negação em participar das filmagens (o que implicaria em um trabalho inovador para eles, pois teriam de levar em conta, durante suas aulas, as atividades desenvolvidas e sugeridas no curso), o incentivo dos demais os fizeram mudar de atitude, de modo que se referiram aos momentos de reflexão coletiva como sendo válidos para o seu desenvolvimento profissional: “isto é como auto-avaliação, não é? A gente não tem noção de como você é na sala de aula, como você se posiciona, como aborda, você não tem essa noção, se faz tão naturalmente por tantos anos que a gente faz, você não tem noção de como é [...]. Sabe que eu gostei! Eu achei que estou melhor do que imaginava! (risos)” (09-283-287). Assim, houve o reconhecimento de que algumas mudanças em sua prática docente só foram possíveis mediante a aplicação das sugestões do curso e das filmagens de suas aulas: “eu ia dar uma aulinha tradicional primeiro, desenhando, na lousa, explicando, movimentação” (07-288-289) e “é como se tivesse dado um conteúdo e joga, não dá. Você não, você foi construindo” (09-311-312). Nada podemos afirmar, porém, sobre a sua atuação docente posterior ao curso, quanto a mudanças definitivas de sua prática, pelo fato de não termos acompanhado o trabalho de cada um dos participantes, uma vez que o cronograma desta pesquisa não comportava tal ação. E embora tentássemos buscar caminhos para a resposta desta dúvida, através de contatos posteriores com cada participante, por correio eletrônico, não houve retorno.

Mas Monteiro (2006) fornece pistas sobre uma possível resposta a esta dúvida ao afirmar que os cursos de formação continuada, mesmo que apresentem novas propostas de ensino, incluindo as reflexões docentes sobre sua prática profissional, não são suficientemente atuantes para que haja mudança em sua ação. Segundo o autor, é necessário o desenvolvimento da alteridade, no sentido de desenvolver a consciência de suas dependências com outras dimensões de sua ação profissional, e não apenas nas suas dimensões próximas. No entanto, segundo nossos dados apontam, acreditamos um repensar também na direção da outra extremidade: a sua dimensão íntima e pessoal, a sua vontade e desejo de participar e efetivar estas mudanças.

O tempo disponível para se cumprir o cronograma sugerido do curso não permitiu a filmagem das aulas de aplicação de todos os participantes e sua posterior análise reflexiva, de modo que apenas três professoras disponibilizaram suas aulas para a filmagem de análise, sendo efetuadas com duas delas, identificadas por G e E nas transcrições dos encontros 7 e 9, respectivamente (as transcrições destas aulas com as crianças encontram-se no mesmo apêndice 02, clicando aqui).

Apesar de o curso ter sido cuidadosamente elaborado seguindo as orientações e resultados das pesquisas sobre formação continuada e sobre educação em astronomia, a complexidade de situações como as acima consideradas e a análise dos discursos destas duas professoras durante os encontros 7 e 9, produzem reflexões que nos permitem interpretar a existência de fatores imprevisíveis que influenciam a construção da autonomia e de saberes docentes em um curso de curta duração para professores em serviço.

A professora G optou pelo seguinte tema, trabalhado durante a sua aula que seria filmada: fases da Lua. Conforme mostram as transcrições, este tema foi exaustivamente discutido no encontro 5, e como indicavam seus discursos, todos os participantes pareciam estar seguros sobre este conteúdo, bem como seus saberes didático-pedagógicos associados. No entanto, ao se efetuar a análise crítica da filmagem da aula de G com seus alunos, durante o encontro 7, os demais professores, e ela mesma, identificaram erros conceituais em sua aula, os quais já haviam sido tratados no encontro 5. Buscando o motivo desta constatação, G posteriormente explica que, neste encontro, sua dispersão na aula foi ocasionada devido à leitura de um decreto governamental que a faria perder suas aulas na cidade onde atuava e se mudar para outro município distante a 400 km: “põe aí na sua tese, tenho sugestões. Existem outros fatores que influencia o professor. No dia que você explicou isso aqui, eu estava atenta a outra coisa, a um documento que o governador havia lançado no dia tirando a lei 22 dos professores do estado. Eu estou em Bauru pela lei 22, meu cargo está em São Paulo, isso significa que teria de largar a Prefeitura e retornar a São Paulo, e ele tinha lançado esse documento aquele dia e então o que você fez, ela chegou com o documento e você falou de Lua, o que é mais interessante? O documento que eu teria que ir embora de Bauru! Você estava falando aí e eu aqui, queria prestar atenção porque eu ia dar a aula, mas eu aqui (lendo o documento), se eu não tiver mais o cargo, como vou dar aula? O grupo estava disperso porque estavam preocupados por um fator externo, não prestei atenção, fiquei na dúvida se a Lua cheia era atrás ou na frente, o decreto todo mundo sabia de cor; alguém me disse: você estava no mundo da Lua (gargalhadas)” (07-402-414).

Outros recortes discursivos das enunciações de G, durante a análise reflexiva de sua aula no encontro 7, apresentam o surgimento de um desgosto pela profissão e, em determinados momentos, arrependimentos por não ter se dedicado o suficiente no preparo de sua aula, ocasionando insegurança em sua atuação com relação a este conteúdo específico das fases da Lua, como por exemplo em: “tive dificuldade em montar a aula” (07-336). A trajetória formativa através da qual G passava pode indicar indícios que explicam este período crítico (TARDIF, 2004; HUBERMAN, 2000), uma vez que ela estava completando três anos de experiência docente.

Por outro lado, a análise crítico-reflexiva da aula da professora E indicou uma maior segurança, comparando-se com G. Inferimos alguns motivos para este fato a partir de suas enunciações no encontro 9, em que seus saberes experienciais podem ter lhe fornecido maiores subsídios para esta constatação, bem como o estágio em que se encontrava ao longo de sua trajetória formativa.

A atitude de outra participante, M, também nos chamou atenção com relação ao seu envolvimento com o grupo, que foi praticamente nulo, além de se ausentar em vários encontros e cochilar em outros. Em todos estes casos, porém, a duração do curso não nos permitiu um acompanhamento prolongado dos sujeitos da amostra a fim de se conduzir a um desenvolvimento profissional mais adequado às suas necessidades individuais, o que estaria previsto em um programa de educação continuada, conforme proposto pela fundamentação inicial.

Portanto, estes exemplos, conjugados com as análises anteriores e a caracterização da amostra no capítulo anterior, apoiada pela fundamentação teórica, levam-nos a afirmar que fatores pessoais (os quais incluem os emocionais e psicológicos) afetam o desempenho profissional do professor, e por mais aparentemente adequado que um curso possa ser planejado, é a dedicação e o empenho individual dos componentes da amostra que influenciam predominantemente a sua atuação e eficácia. Denominaremos esta componente de diligência subjetiva, ligada diretamente ao interesse intrínseco do professor em participar das atividades propostas com certo grau de comprometimento com a sua profissionalidade. A este respeito, um programa de formação docente não levaria em conta apenas a dimensão intelectual do participante (sob um modelo tradicionalmente conteudista), mas também as dimensões do seu desenvolvimento social e emocional, conforme indica Garcia (1999), num contexto bem particular, em que envolveria trabalhar-se o aspecto motivacional do sujeito, numa tentativa de alterar inicialmente o seu pensamento, antes, durante e após sua ação. A este pensamento com relação à sua prática, que denominamos de diligência subjetiva, está diretamente ligado à dimensão valorativa que Alarcão (2003) identifica com relação às competências docentes, que inclui a vontade de agir, empenhar-se e aceitar responsabilidades. Conforme comprovado por Monteiro (2006), para construir a autonomia, o professor precisa demonstrar comprometimento e o desejo de participação, numa dimensão mais intrínseca do que extrínseca, num movimento pendente à abordagem personalista, ou humanista, nos modelos formativos (CHART), trabalhando-se suas emoções e sentimentos acerca da profissão.

Novamente, reforçamos a nossa idéia de que o aspecto conteudista, em um modelo formativo, constitui-se em apenas um dos diversos componentes a serem considerados na elaboração de programas de formação continuada. O desenvolvimento profissional envolve também, como mostraram os resultados acima comentados, fatores personalistas, emocionais e pessoais, atribuindo significância às trajetórias formativas dos participantes, além das demais abordagens CHART. De fato, as suas trajetórias de vida podem vir a se constituir em um fator intensamente influenciável em sua vontade e interesse em aprender, participar, colaborar e mudar sua prática. Deste modo, a heteroformação assumiria características de interformação, segundo definições de Garcia (1999).

Isto corrobora com a observação de Zeichner (1993), quando faz referência aos trabalhos de Dewey sobre a reflexão docente, a qual implica intuição, emoção e paixão, não sendo, portanto, um mero conjunto de passos ou técnicas a serem usados pelos professores. Ele define três atitudes necessárias para a ação reflexiva: a) espírito aberto (admitir que está sujeito a erros, ouvir mais do que uma única opinião, e atender a possíveis alternativas); b) responsabilidade (ponderação cuidadosa das conseqüências de determinadas ações que pretende tomar); c) sinceridade (encarar os dois itens anteriores de modo sincero e verdadeiro, fazendo parte do seu íntimo, e não como uma mera fachada profissional). Através da análise dos dados constituídos, segundo comentários acima, acreditamos que os encontros, com esta amostra, possibilitaram um desenvolvimento mais acentuado principalmente dos dois primeiros itens.

Porém, para que o espírito aberto, a responsabilidade e a sinceridade sejam levados em consideração de modo mais amplo e efetivo, reconhecemos a necessidade de se dispensar tempo suficiente a ser dedicado a cada um dos participantes durante programas de formação de professores em exercício. A esta dimensão, chamaremos de temporalidade.

Assim, afirmamos, sob o aporte dos resultados encontrados, que um curso de curta duração para professores em serviço (normalmente denominado incoerentemente de “formação continuada”) não garante a autonomia docente em relação ao ensino da astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental para todos os participantes, uma vez que persiste uma forte componente pessoal de motivação intrínseca – a diligência subjetiva. Por outro lado, quando encontros desta natureza possuem a ação mediadora de um moderador que leve em conta os resultados das pesquisas sobre educação em astronomia (mesmo que escassas no Brasil), e que sejam conduzidos através de uma abordagem reflexiva, investigativa e profissionalmente formadora (MEPPFOCO), segundo os modelos CHART, tornam-se evidentes os subsídios e elementos formativos que permitem a construção de saberes docentes adequados às necessidades formativas dos participantes em relação ao ensino de conteúdos específicos de astronomia introdutória, levando os participantes a apresentarem indícios de autonomia docente, como mostraram os resultados desta pesquisa, segundo a utilização de nosso dispositivo analítico da triangulação formativa (deste modo, fica confirmada, portanto, a hipótese levantada na introdução desta tese).

Tentando assumir um controle maior sobre a problemática da temporalidade acima citada, acreditamos que um acompanhamento mais integralizado e prolongado do professor, constituindo-se em um programa de educação continuada adequado às reais necessidades formativas docentes com relação ao ensino de astronomia, privilegiando-se seus saberes experienciais a partir da reflexão da prática docente, permitiria a construção de uma autonomia voltada para o trabalho deste tema em sala de aula. Neste caso, o pesquisador assumiria o papel de mediador neste processo, uma vez que o mesmo localiza-se imerso na área de investigação sobre educação em astronomia, bem como ciente das atividades dos estabelecimentos dedicados à astronomia no país, conforme interpretamos na análise de alguns excertos da amostra: “depende da postura do coordenador. Tem coordenador que deve entrar na aula” (07-140), “tem coordenador que entra para fiscalizar mesmo” (07-141), “tem outros que se você tem um grau de amizade e é uma boa pessoa, vai favorecer e trazer vantagens” (07-142-143).

Negar a necessidade deste acompanhamento prolongado do professor em exercício durante um programa de educação continuada é assumir que sua formação inicial lhe garante o embasamento de conteúdos e métodos de ensino em astronomia (e conteúdos de outras áreas), ou que os cursos de curta duração são capazes de suprir lacunas deixadas na formação inicial e de lhes promoverem com eficiência um desenvolvimento profissional adequado, construindo-lhes a autonomia docente. No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, a primeira prerrogativa leva a crer que o professor deste nível de ensino deveria dominar diversas áreas do saber, já que o seu trabalho com os alunos o exige isto, e, por esta razão, os conteúdos de diversas disciplinas deveriam contemplar toda a sua formação inicial. Mas como conseguir tal fato em apenas alguns anos de formação inicial? De fato, o curto espaço de tempo dedicado a um curso de formação inicial pode criar situações de dificuldades para o trabalho docente. Nardi (2003) revela que a situação do tempo reduzido dos cursos de formação de professores começou a ficar ainda mais crítica no início da década de 90, quando a maioria dos docentes era oriunda de instituições particulares de formação, principalmente licenciados em cursos de dois anos de duração. Além disso, reforçou-se a idéia, segundo o autor, de que o ensino de ciências para o ensino fundamental é uma tarefa exclusiva de licenciados em ciências biológicas.

Reconhecendo que a formação em conteúdos é importante e mostrando a necessidade de se desenvolver a formação de professores para algumas áreas de conhecimento do ensino fundamental, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2001) destacam que deve ocorrer uma abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas, tais como as de ciências naturais e as de artes. Há o pressuposto de que o professor da educação básica – o que inclui o nível de especial interesse em nosso estudo, as séries iniciais do ensino fundamental – deve participar de uma formação inicial que contemple não só disciplinas pedagógicas, mas também conteúdos que deverão ser abordados com os alunos durante o trabalho docente. No entanto, este documento oficial traz à tona a problemática de que nem sempre isto, de fato, ocorre nas instituições de formação de professores. O resultado é que, atualmente, as aulas, na educação básica, são ministradas por professores preparados ou formados para ensinar apenas uma determinada disciplina. Por exemplo, o professor de ciências das séries finais do ensino fundamental é formado, geralmente, em Licenciatura em Ciências Biológicas, mas os conteúdos deste nível de ensino não se resumem em disciplinas específicas da Biologia. Outro exemplo é o professor dos anos iniciais do ensino fundamental, normalmente formado em Pedagogia, que deve dominar (pelo menos introdutoriamente) uma amplitude de conteúdos das diversas áreas do saber, tradicionalmente fragmentadas em disciplinas específicas em cursos ordinários. No entanto, nem sempre o professor com esta formação inicial se sente preparado para ministrar determinados temas, como verificamos na amostra.

Por isso, defendemos a importância de programas de formação continuada (não simplesmente cursos de curta duração) que proporcionem aos participantes seu desenvolvimento profissional, geralmente não garantido em seus cursos de formação inicial, nem em suas trajetórias formativas anteriores. Tais programas de acompanhamento prolongado do docente em exercício conduziriam à construção de sua autonomia sob as abordagens não apenas conteudista e tecnicista, mas, sobretudo humanista, reflexista e ativista, voltada para mudanças reais de sua prática profissional, conforme consideramos até agora, além de fornecer subsídios para processos de investigação.

Embora, em nossa pesquisa, tentamos focar o caso específico de falhas de formação em conceitos de astronomia, conforme atestam outros autores (BARROS, 1997; BRETONES, 1999; FRAKNOI, 1995; MALUF, 2000; KANTOR, 2001), assumimos que este despreparo do professor abrange também diversos conteúdos de várias outras disciplinas. Conforme as mencionadas Diretrizes, permanece ainda o desafio de formar um profissional de ensino das séries iniciais que domine aspectos básicos e fundamentais de um lastro de áreas do saber, o que envolve disciplinas como a biologia, física, química, astronomia, geologia, etc (no caso de ciências naturais), e diferentes linguagens, como a música, dança, artes visuais, teatro (no caso de arte): “a questão a ser enfrentada é a da definição de qual é a formação necessária para que os professores dessas áreas possam efetivar as propostas contidas nas diretrizes curriculares” (BRASIL, 2001). Apesar de indicarmos, nesta pesquisa, um possível caminho para responder a esta questão, através do modelo de formação continuada acima proposto, a problemática continua aberta.

Portanto, perguntamos: para a astronomia, seria um dos caminhos a educação continuada (não meros cursos de curta duração) que leve em conta, não apenas conteúdos, mas também suas metodologias específicas de ensino (além das demais abordagens CHART), os resultados da pesquisa sobre educação em astronomia, o potencial dos estabelecimentos dedicados a esta temática, e as especificidades de temas e fenômenos astronômicos (normalmente não contemplados durante a formação inicial)?

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.