3.2.6

 3.2.6 Indícios de construção da autonomia docente pela amostra

 

Além dos questionários utilizados na constituição dos dados, as transcrições das filmagens dos encontros constituíram-se em nossa principal fonte de informações para esta pesquisa. As transcrições encontram-se no apêndice 02 (clique aqui), sendo adotados os seguintes procedimentos: os encontros foram numerados de 1 a 10, além de mais duas transcrições do registro em vídeo das aulas individuais de duas professoras participantes do curso de formação continuada, as quais foram analisadas e refletidas pelo grupo durante dois encontros, conforme a proposta deste trabalho. Todas as linhas das transcrições estão numeradas, iniciando-se a contagem em cada encontro, cujo registro inclui a duração da filmagem, a data, e uma referência numérica à mídia ao qual a gravação se encontra preservada. As enunciações e os discursos dos sujeitos podem, deste modo, ser localizados através desta numeração, sendo que os sujeitos estão identificados por letras. Ou seja, o professor-mediador-pesquisador está identificado pela letra “P”, e os demais sujeitos da amostra com uma seqüência de letras partindo de “A”. Ao longo de toda a análise neste capítulo, portanto, faremos referência ao sujeito através do número da(s) linha(s) de seu excerto, e do número do encontro transcrito, segundo o apêndice 02 (clique aqui). Por exemplo, o código 02-50-52 refere-se ao trecho da transcrição do encontro número 02, localizado nas linhas 50 a 52.

À medida que procedemos a análise das transcrições de cada encontro e verificamos a evolução da amostra no sentido do surgimento gradual de indícios de construção da autonomia docente durante o prosseguimento do curso, tentamos identificar, mediante a interpretação de seus discursos (além da análise dos questionários já comentada nos capítulos anteriores), os principais elementos formativos de interesse, ou seja, aqueles relacionados com o ensino da astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental.

Optamos, neste item, pela análise da evolução da amostra como um todo, e não por indivíduos separadamente. Isto se justifica pelo fato de que, à base da análise do discurso, não há sujeitos, e sim lugares sociais, onde a enunciação ocorre independentemente do autor da palavra, pois é o ato de produção do discurso o nosso objeto de pesquisa, o qual se reflete no acontecimento histórico do enunciado, sendo este mesmo, apenas o produto do ato de enunciação (que jamais se repete) do conjunto de lugares sociais que compõem a nossa amostra de interesse. Assim, o grupo total dos professores participantes deste curso representa a fonte de pesquisa, e fornece suficiente e exaustivamente os dados necessários para a nossa investigação. Além disso, pelo fato de estabelecermos relações entre as transcrições e as questões que foram respondidas anonimamente, não se constitui em um interesse, neste trabalho, o acompanhamento de cada sujeito da amostra ao longo dos encontros, mas o grupo como um todo.

Foram extraídos excertos de interesse a partir das falas dos componentes da amostra, conforme seus discursos apresentavam tendências, cujas variações caminhavam desde impessoais a pessoais, de individualistas a coletivistas e sociais, da escassez de saberes docentes ao aumento de sua diversidade, desde a racionalidade técnica a uma racionalidade prática. Tais tendências, segundo comentadas nos capítulos da fundamentação e sintetizadas na figura 01, entrecruzam-se com os modelos formativos, cujas características abrangem as abordagens CHART: conteudista, humanista, ativista, reflexista e tecnicista.

A partir das categorizações identificadoras de seus discursos conforme o procedimento acima descrito, confeccionamos um gráfico que procura sintetizar a visualização de uma imagem da amostra para cada encontro, segundo a triangulação formativa convergente para a autonomia docente, apresentada na fundamentação teórica (figura 01). A somatória das marcas deixadas pelos seus excertos referentes ao imaginário discursivo das abordagens formativas e a gradual construção de um pensamento voltado para a autonomia do trabalho docente, partindo do individual ao social, do sujeito acomodado ao transformador, do acrítico ao crítico, possibilitou a elaboração de curvas limitantes em cada triangulação, resultando em uma figura representativa à situação da amostra, à medida que os encontros ocorrem (figuras 08 a 16).

Analogamente às curvas de nível de um mapa topográfico, procuramos demonstrar o relevo do terreno sobre o qual tentamos explorar nesta amostra que, gradualmente, aproveitou o seu potencial crítico reflexivo dialógico, construiu saberes docentes em relação ao ensino da astronomia e apresentou breves episódios de autonomia para tal, embora reconheçamos as incertezas quanto à garantia que a estrutura deste curso de curta duração possa lhes ter fornecido para uma autonomia emancipatória, ativista e transformadora.

É notável a evolução da amostra desde o seu primeiro encontro, quando se afloraram, em sua superfície discursiva, fortes componentes conteudistas e tecnicistas, conforme suas condições de produção. Os lugares de onde enunciam os sujeitos da amostra expressam posições ideológicas extremamente individualistas nos encontros iniciais. A partir do terceiro encontro, o pensamento coletivo passa a se estabelecer, porém com tendências conteudistas, primazias em saberes docentes primordiais e ausência de episódios reflexivos. No quarto encontro, através do mediador-pesquisador e de atividades voltadas para a reflexão, identifica-se uma formação discursiva coerente com a proposta do curso, mas ainda sem indício algum da autonomia que estávamos interessados em construir. No quinto encontro, um breve episódio fornece-nos a base para crer que o profissional estaria construindo uma atitude crítica com relação a erros conceituais de astronomia no livro didático de seu uso na escola, autonomia anteriormente não atingida, segundo o próprio sujeito. Pelo fato do oitavo encontro ter sido realizado em ambiente ineficaz para filmagens, devido à escassez de luminosidade – no observatório astronômico – as transcrições ficaram prejudicadas, e consequentemente a sua análise, mas os dados constituídos a partir da observação direta do pesquisador, nesta ocasião, mostram que uma suposta elaboração de sua triangulação formativa não se distanciaria da seqüência evolutiva da amostra no sentido da construção de sua autonomia, apesar das condições de produção de seus discursos terem sido distintas dos demais encontros.

Os últimos encontros apresentaram excertos discursivos reflexivos e mais críticos, em relação aos dos encontros iniciais, com breves indicações ativistas, sem, contudo, atingir o vértice da triangulação formativa proposta como embasamento metodológico de análise de dados (figura 01). No entanto, a partir da cuidadosa observação das curvas limitantes, desenhadas nestes gráficos triangulares, encontro por encontro, é possível notar as alterações sofridas nas tendências de seus discursos quanto às abordagens CHART e a construção gradual de uma autonomia docente. Tal fato evidencia-se pelas últimas figuras da seqüência a seguir, em que a triangulação estabelece-se com maior nitidez e avanço para o vértice da triangulação, cujo modelo formativo destaca-se por uma autonomia emancipatória e transformadora. Porém, é importante salientar que esta amostra não atinge, de fato, o cume da figura, uma vez que apenas indícios da autonomia desejada foram apresentados, e não uma garantia de efetivação da mesma.

As tabelas, abaixo, representam, separadamente, uma síntese da análise efetuada dos excertos de cada encontro (uma análise descritiva dos excertos encontra-se no item seguinte), bem como a sua triangulação correspondente, o que ajuda a visualizar a evolução da amostra mediante o uso da metodologia proposta para o ensino e pesquisa em programas de formação continuada de professores. (MEPPFOCO).

Figura 07 – Versão simplificada da triangulação formativa (figura 01) para utilização na análise dos dados, representada pelas figuras 08 a 16.

 

Tabela 24 – Categorizações dos excertos do encontro n.01 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 08 – Triangulação formativa do encontro n. 01

Tabela 25 – Categorizações dos excertos do encontro n.02 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

 

Figura 09 – Triangulação formativa do encontro n. 02

 

Tabela 26 – Categorizações dos excertos do encontro n.03 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 10 – Triangulação formativa do encontro n. 03

Tabela 27 – Categorizações dos excertos do encontro n.04 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 11 – Triangulação formativa do encontro n. 04

 

Tabela 28 – Categorizações dos excertos do encontro n.05 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 12 – Triangulação formativa do encontro n. 05

 

Tabela 29 – Categorizações dos excertos do encontro n.06 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 13 – Triangulação formativa do encontro n. 06

Tabela 30 – Categorizações dos excertos do encontro n.07 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

 

Figura 14 – Triangulação formativa do encontro n. 07

 

Tabela 31 – Categorizações dos excertos do encontro n.08 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Tabela 32 – Categorizações dos excertos do encontro n.09 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 15 – Triangulação formativa do encontro n. 09

Tabela 33 – Categorizações dos excertos do encontro n.10 segundo abordagens formativas conteudistas (C), humanistas (H), ativistas (A), reflexistas (R), tecnicistas (T), e suas tendências individualistas (I) ou coletivistas sociais (C).

Figura 16 – Triangulação formativa do encontro n. 10

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.