3.2.5

 3.2.5 Análise e avaliação geral do curso

 

Fornecemos, a seguir, uma breve visão geral do comportamento da amostra e do curso durante a pesquisa, comentando basicamente duas tipologias de aspectos: os que representam oportunidades para aprimoramento em futuras pesquisas desta natureza, e os que se demonstraram ser positivos no que tange à sua validade.

Conforme mencionado anteriormente, o conteúdo programático sugerido para o curso que propusemos aos professores subordinados à Secretaria Municipal de Educação de Bauru embasou-se nos resultados de pesquisas anteriores na área da educação em astronomia e nos nossos próprios dados analisados no trabalho de mestrado (LANGHI, 2004), segundo a divulgação resumida em Langhi e Nardi (2008b).

Além da preocupação com conteúdos indicados pelos resultados de pesquisas da área, há também a necessidade de se trabalhar as dificuldades metodológicas e didáticas dos docentes em relação ao ensino da astronomia, dentre outros aspectos. Levamos em conta as necessidades e expectativas dos componentes desta amostra específica, conforme indicaram as suas caracterizações descritas nos capítulos anteriores, mas uma breve comparação com outros levantamentos efetuados, leva-nos a concluir que as dificuldades dos docentes da amostra desta pesquisa mostraram-se bem semelhantes às dificuldades encontradas em estudos anteriores, conforme divulgado em Langhi e Nardi (2005 e 2008a), em que apresenta uma classificação das mesmas, segundo a sua origem: de ordem metodológica, pessoal, formativa, infra-estrutural, e de fontes de informação, conforme mostra o quadro-resumo da tabela 20.

Após o primeiro encontro, quando se efetuou os levantamentos já descritos nos capítulos anteriores, analisou-se o perfil da amostra, identificando pontualmente aspectos em que o curso proposto poderia se ajustar e ser modificado, atendendo às necessidades específicas desta amostra em especial. A partir deste perfil, também, elaboramos progressivamente um caderno de textos de 91 páginas, que foi enviado por e-mail nos encontros finais. Estes textos contemplaram as suas necessidades formativas, conforme levantadas no primeiro encontro e ao longo do curso, além de resultados de investigações sobre educação em astronomia, a fim de estabelecer um contato dos professores com a pesquisa. Além de conter uma relação de publicações e links sugeridos para consulta, este material abrangeu os seguintes temas: justificativas para ensinar astronomia; relações entre fases da Lua e o nascimento de bebês; nova definição de planeta e o caso de Plutão; astrologia e Ciência; o programa espacial brasileiro; a astronomia amadora no Brasil; histórias infanto-juvenis sobre Lua e marés; erros conceituais de astronomia em livros didáticos; dificuldades mais comuns de professores no ensino de astronomia; sugestões metodológicas e didáticas para o ensino da astronomia; e atividades práticas tais como a construção do Sistema Solar em uma escala conveniente, a determinação do tamanho da Lua, a observação, predição, cálculo e modelagem das fases da Lua, coleta de micrometeoritos, construção de uma maquete de um satélite brasileiro, gnômon e determinação dos pontos cardeais, construção de um relógio de Sol, e atividades de reconhecimento do céu e uso de mapas celestes.

 

Tabela 20 – Categorizações das dificuldades gerais de professores no ensino de astronomia (LANGHI, 2005).

Algumas alterações no cronograma inicial foram efetuadas, por exemplo, o cancelamento da visita programada para o Planetário do Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, devido a problemas internos da Secretaria Municipal da Educação de Bauru, que ficou impedida de reservar o transporte para os professores. O que também teve de ser contemplado nas mudanças da programação foi a redução na quantidade de análises reflexivas das filmagens das aulas de aplicação, uma vez que a duração das discussões de temas de astronomia avançaram em quantidade e qualidade, não nos permitindo uma interrupção no seu prosseguimento. Assim, o programa do curso foi reestruturado, de modo que se configurou nas etapas seqüenciais apresentadas na tabela 21, seguidas regularmente durante os encontros.

Tabela 21 – Síntese do programa final do curso, levando-se em conta o perfil do grupo.

 

Como se nota na tabela acima, os professores da amostra participaram em atividades de autoconfrontação, através da reflexão em grupo focal sobre as próprias aulas filmadas, embora o tempo de duração do curso completo não tenha permitido a análise das aulas de todos os docentes da amostra (dois encontros foram usados para a reflexão das aulas de duas professoras). Porém, antes das aplicações das aulas, as professoras foram incentivadas a elaborarem o seu plano de aulas segundo o conteúdo que estavam estudando durante o curso, no sentido de utilizarem o que fora trabalhado no curso em sua prática em sala de aula. O pesquisador exerceu uma mediação nesta preparação dos planos, negociando falhas e sugestões com os participantes do grupo, levando em conta a construção da autonomia docente, e preparados de acordo com os aportes teóricos revisados por Garrido (2007) e Masetto (2003).

Como já explanado na fundamentação deste trabalho, as técnicas e metodologias empregadas na análise e reflexão em grupo das aulas ministradas pelos seus integrantes são fatores importantes que influenciam em seu desenvolvimento profissional, pois, ao mesmo tempo em que contribuem para o seu processo formativo, seus saberes e práticas didático-pedagógicas, prestam-se também como notável fonte de dados para a pesquisa na área de formação docente. Um grupo de estudos assim constituído, caso se permitisse a continuidade de sua existência e promoção de suas atividades formativas, seria a própria cristalização de um programa de formação continuada de professores, pois ultrapassaria o curto período desenvolvido durante poucos encontros. De fato, os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002a) apóiam a criação de grupos de estudo, que propiciem a construção de um percurso próprio de desenvolvimento intelectual, compartilhado com os pares, podendo ser organizados a partir das necessidades dos participantes do grupo, assumindo um aspecto autônomo ou mediante coordenação de um formador.

Por este motivo, a nossa proposta inicial era de que este grupo, assim constituído, continuasse com os encontros e com as análises reflexivas de demais aulas, sob a metodologia descrita em capítulos anteriores (MEPPFOCO), em estabelecimentos adequados à formação continuada: no núcleo de aperfeiçoamento dos professores da rede municipal de ensino de Bauru, nas próprias escolas, ou no Observatório Didático Astronômico, localizado na Universidade (UNESP). No entanto, após os dez encontros oficializados pela Secretaria Municipal de Educação, denominados pela mesma como um curso de formação continuada, o interesse em sua continuidade esvaneceu-se, de maneira que a formação em tópicos de astronomia não se mostrou tão continuada como previsto (no item posterior discutimos os prováveis motivos deste desinteresse, sustentando-nos na análise das transcrições).

Ademais, os principais autores que discutem a formação continuada de professores apóiam a divulgação e produção bibliográfica a partir dos trabalhos desenvolvidos com os docentes envolvidos, sendo eles os próprios autores de textos em que podem discutir os seus saberes experienciais, contribuindo efetivamente para a área da pesquisa em formação docente, e respeitando-se a sua autonomia intelectualmente produtiva (MASETTO, 2001; GIOVANNI, 2000; TARDIF, 2004). O inverso também seria verdadeiro, segundo Cachapuz (2005): é importante divulgar os estudos da pós-graduação aos professores, assim como seus resultados, quer da formação inicial quer da contínua, pois a divulgação é uma das chaves da mudança para a educação em ciências.

Em nosso caso específico, no entanto, nenhum professor do grupo encaminhou ao pesquisador, na data combinada e nem posteriormente, o texto sob as normas semelhantes às de um artigo científico, conforme a nossa proposta e o combinado no último encontro do curso (novamente, no item posterior tecemos breves discussões a respeito deste desinteresse, apoiando-nos na análise das transcrições). Esta redação envolveria, dentre outros aspectos, a exposição de relatos de suas vivências em sala de aula durante episódios de ensino de conteúdos de astronomia básica, segundo os efeitos das atividades desenvolvidas pelo grupo nos encontros do nosso curso. Esta atividade justifica-se por promover, no professor participante, instâncias de verbalização da sua prática docente, executando um papel fundamental para a experiência e desenvolvimento profissional, ou saber experiencial, pois se trata basicamente de uma narrativa utilizada como ferramenta para processos formativos, conforme consideramos nos capítulos iniciais da fundamentação (GAUTHIER et al, 1998; MASETTO, 2001; ZEICHNER, 1997; PERRENOUD et al, 2001).

Deste modo, cada professor participante poderia divulgar seus trabalhos e seus saberes docentes assim construídos (principalmente os saberes experienciais), em publicações e eventos da área, o que foi apoiado e incentivado pela Secretaria Municipal de Educação de Bauru, mediante a oferta de cobertura de todos os custos envolvidos na participação de eventos para os professores que apresentassem trabalhos compatíveis com tais congressos ou simpósios. Usando este procedimento em cursos como estes, permite-se o incentivo ao professor em socializar seus saberes experienciais e sua prática em congressos e simpósios específicos, encaminhando-o à pesquisa. Isto justifica a nossa solicitação de que a narrativa fosse redigida sob normas padronizadas.

Através da avaliação geral pelos professores participantes, realizada no último encontro de fechamento do curso, foi possível distinguir até que ponto as discussões sobre determinados conteúdos de astronomia, as filmagens de suas próprias aulas e suas respectivas análises reflexivas no grupo, a didática e a metodologia empregada pelo mediador, e a forma geral com que os encontros foram conduzidos, contribuíram para a construção da autonomia dos participantes em relação à educação em astronomia, ou se o curso atingiu, de fato, os seus objetivos propostos no princípio.

Para realizar esta avaliação utilizou-se, novamente, do recurso de dirigir perguntas simultaneamente ao grupo, de modo a responderem individualmente e por escrito a cada uma delas por vez. Além disso, comentários orais com suas expressões foram também registrados em vídeo, os quais discutiremos oportunamente. Abaixo, segue a lista de questões utilizadas para a avaliação de fechamento, cujas respostas nos forneceram pistas sobre a eficácia do desenvolvimento do curso, quando comparadas com as respostas dos mesmos professores no primeiro encontro do curso.

Além destas, foram reapresentadas as cinco últimas questões do primeiro encontro (questões 11 a 15 do apêndice 03, clique aqui). A sua natureza conceitual permitiu avaliar a mudança de concepções acerca de alguns fenômenos astronômicos por parte dos sujeitos da amostra, ao mesmo tempo em que apontaram para a construção de saberes disciplinares em tópicos deste tema e, em certa medida, de sua autonomia docente ligada a estes saberes, que abarcaram alguns dos conteúdos que denominamos anteriormente de essenciais no campo da astronomia, ou astronomia essencial para o ensino fundamental.

Estas questões conceituais foram exaustivamente comentadas em capitulo anterior, analisando-se as respostas gerais dos 15 professores iniciais da amostra, apesar de apenas 12 permanecerem até o último encontro. Assim, embora houvesse 15 participantes no início do curso, consideramos, a partir de agora, apenas os 12 que, integralmente, participaram efetivamente do curso completo. Comparando as suas respostas antes do curso e depois do mesmo, nota-se, na maioria dos professores, uma sensível retomada conceitual, havendo diferenças em suas respostas. Um sujeito da amostra em especial (que chamaremos de número 3) parece não ter compreendido a proposta do curso, nem tampouco os conteúdos discutidos, pois através da análise de suas respostas, não foi possível identificar uma mudança em suas concepções acerca dos tópicos básicos da astronomia (este sujeito n.3 é o mesmo identificado na caracterização da amostra como aquele sem envolvimento efetivo nas atividades do grupo). Suas respostas quanto à questão do campo gravitacional terrestre mostraram uma semelhança à noção de número 3 das ilustrações de Nussbaum e Novak (1979), já comentadas no capítulo anterior (as pessoas e a trajetória de corpos abandonados são verticais à folha de papel). O professor 11 teve a sua resposta associada à mesma noção que o professor 3.

Quanto à questão da órbita da Terra, apenas os professores 3 e 6 apresentaram opções de escolhas diferentes da concepção cientificamente aceita, lembrando que antes do curso, dois professores (de um total de 15) optaram pela resposta conceitualmente correta (a da órbita quase circular), indicando um avanço relativamente significativo na compreensão deste tópico. As estações do ano parecem ser ainda um dos conceitos que apresenta maiores dificuldades no aprendizado e ensino, como mostram os resultados finais desta questão, apesar de suas respostas apontarem para uma mudança conceitual deste grupo da amostra no sentido do conceito científico. Novamente, as respostas incompletas e as não satisfatórias relacionaram as estações do ano com os movimentos da Terra e slogans (ou chavões) explicativos de livros didáticos (“dependem da inclinação do eixo da Terra e do movimento de translação”).

Outra questão de interesse é a relacionada com as fases da Lua, uma vez que a sua compreensão depende dos conceitos de esfericidade e dos fenômenos do dia e da noite. Notavelmente, esta foi uma das perguntas que menos encontramos erros conceituais nas respostas da amostra, indicando o aproveitamento das discussões mediadas através do grupo focal, sem explicações expositivas, mas apenas com questionamentos apresentados ao grupo para a estimulação do raciocínio, a fim de autonomamente trilharem caminhos que os conduzam às respostas mais próximas possíveis da conceituação científica. Como mostra a transcrição do quinto encontro, esta técnica foi amplamente utilizada nas discussões sobre o tema fases da Lua, o que parece ter ficado bem marcante para os indivíduos da amostra, conforme mostra a análise de seus discursos, que será discutida com mais detalhes posteriormente.

Sobre a compreensão do fenômeno básico da ocorrência dos dias e das noites, não identificamos nenhuma resposta com erros conceituais, exceto a do sujeito 3, quando explica que “o sol gira ao redor da Lua, e daí se dá o dia e a noite; por exemplo, o Brasil é dia e no Japão é noite, com a virada do sol”. Neste caso, identifica-se, ao final do curso, a persistência na concepção do geocentrismo mesclado com o chavão Brasil/Japão referente a explicações sobre o dia e a noite.

Assim, utilizamos cinco dos sete temas da astronomia essencial, optando por deixar ausente os temas da forma da Terra e o reconhecimento do céu, devido às condições e características do grupo, uma vez que, respectivamente, todos os professores já concebiam uma Terra “esférica” (astronomicamente, a forma geométrica da Terra tem sido considerada como um elipsóide de revolução), e que o questionário foi realizado no interior de uma sala, sem a possibilidade de observação celeste, tema que foi trabalhado separadamente. Consideramos como respostas adequadas ao conceito científico sobre o tema aquelas livres de slogans de livros didáticos e que acompanharam descrições detalhadas e com argumentos convincentes acerca da explicação do conceito questionado. Nestes casos, usamos o termo “Sim” para se referir a uma resposta deste nível. Por outro lado, foram usados outros termos contrários ao “Sim” para se referir a respostas não adaptadas ao conceito científico, incompletas, com concepções alternativas, ou dizeres que indicavam a necessidade de consulta a um livro didático para responder, ou confessadamente palavras que negavam o conhecimento sobre o assunto.

 

Tabela 22 – Tabela comparativa das respostas anteriores e posteriores ao curso. Legenda: Sim = respostas conceitualmente corretas; Não = respostas não adaptadas ao conceito científico ou com explicações impregnadas de concepções alternativas; Parcialmente = respostas incompletas que não se encaixariam em “Sim” e nem em “Não”.

Tabela 23 – Idade, tempo de experiência e formação inicial dos professores da amostra.

Como foram usadas as mesmas questões conceituais destes cinco tópicos essenciais de astronomia antes e depois do curso, foi possível estabelecer quantitativamente certa medida no desempenho geral dos participantes. Para tanto, realizamos a contagem (total em porcentagem) dos termos “Sim” para cada situação (antes e depois do curso) e para cada participante (os professores foram numerados), permitindo-nos ter um panorama individual de seu desenvolvimento ao longo do curso no sentido de se atingir uma mudança de suas concepções acerca de cada tema. Por exemplo, o professor identificado pelo número 9 apresentou duas respostas não satisfatórias (sobre a órbita da Terra e fases da Lua), mas, ao final do curso, suas explicações às mesmas questões conceituais adequaram-se ao conceito científico atualmente aceito para explicar estes fenômenos. Outros exemplos podem ser consultados na tabela 22.

Comparando-se as tabelas 22 e 23, é possível estabelecer algumas relações entre o desempenho nas respostas conceituais e a formação inicial, idade e tempo de experiência de cada professor da amostra. Por exemplo, os professores de números 3, 7 e 11 não responderam satisfatoriamente às questões no início dos encontros. A princípio, poderíamos relacionar tais necessidades formativas com o fato de os sujeitos serem graduados em Pedagogia, ou por sua idade avançada. No entanto, encontramos na mesma amostra, professores com mesma formação e idades maiores, obtendo um valor não nulo de porcentagem de respostas conceitualmente corretas. Também não encontramos relações diretas com seu tempo de experiência.

Deixamos claro, contudo, que não foi intenção primária deste trabalho, e nem sua preocupação central, a realização de um procedimento de pré-teste e pós-teste, no sentido de simplesmente constatar mudanças conceituais básicas, embora tal alteração seja facilmente perceptível ao se analisar brevemente a tabela, a qual sintetiza as respostas conceitualmente corretas dos professores, antes e depois do curso, mostrando que, para todos os indivíduos da amostra, houve um aumento de respostas conceitualmente corretas ao final do curso, quando comparadas às respostas às mesmas perguntas antes dos encontros.

Enfatizamos que não é nossa intenção, nesta investigação, tratar dos princípios da denominada retenção de conteúdos antes e após um curso, uma vez que reconhecemos diversos fatores que afetam estas situações e que os mesmos testes, aplicados em diferentes contextos, podem resultar em dados incoerentes.

Ao passo que estas últimas questões apresentadas ao grupo referem-se a conceitos fundamentais de astronomia, as primeiras (as questões localizam-se no apêndice 05, clicando aqui) fazem alusão a uma avaliação do caráter procedimental do curso e à maneira como ele foi conduzido. Por exemplo, sobre a importância de se ensinar astronomia, os professores identificaram alguns aspectos principais, e mediante a análise da elaboração de suas respostas, categorizamos resumidamente como sendo:

a) aspectos sociais (CTSA): é importante aprender e ensinar astronomia para entender o nosso cotidiano a fim de compreender melhor o nosso planeta e vizinhanças espaciais, e trazer benefícios à nossa vida (preservar um clima habitável no planeta, evitar impactos de corpos celestes catastróficos, usufruir de benefícios tecnológicos que o estudo da astronomia traz à humanidade);

b) aspectos motivacionais: é importante aprender e ensinar astronomia, visto ela ser um tema cativante que pode despertar o interesse pela ciência de um modo geral, podendo servir como agente motivador para alunos, professores e interessados;

c) aspectos paradigmáticos: é importante ensinar astronomia porque criamos paradigmas e formulamos teorias pessoais para explicar fenômenos celestes, muitas vezes repletos de concepções míticas, místicas e do senso comum, que poderiam ser revisadas através do estudo dos mesmos fenômenos à base do que a ciência modela;

d) aspectos cognitivos: é importante ensinar astronomia, visto que o homem detém a necessidade e a curiosidade nata de aprender constantemente sobre os fenômenos observados por ele, sendo que os limites do planeta não o impedem, desejando buscar a compreensão além do seu lar planetário, de modo a entender o universo e obter o conhecimento pelo conhecimento.

As demais perguntas direcionadas à amostra referem-se ao curso aplicado, com avaliações individuais acerca do mesmo, o que pode nos fornecer indícios de sua validação, sob os seguintes aspectos, categorizados de acordo com os trechos de suas respostas:

a) Avaliação geral: “superou minhas expectativas”; “curso atendeu as expectativas parcialmente, tendo em vista que o tema é muito amplo e complexo”; “o curso foi excelente”; “o curso foi bom”; “estão de parabéns”; “atendeu minhas expectativas”; “conteúdos foram bem desenvolvidos”; “os conteúdos foram adequados as necessidade e dúvidas do grupo”.

b) Avaliação quanto à construção dos saberes disciplinares em astronomia: “cresci bastante com estes novos conhecimentos”; “para quem não conhecia muito, ou melhor não conhecia nada de astronomia, acho que aprendi um pouquinho que me encorajou a ensinar astronomia aos meus alunos”; “esclareceu algumas dúvidas, tais como: fases ou quartos da lua, estações do ano”; “derrubamos conceitos errôneos e construímos outros”; “superaram pré-conceitos ou conceitos errôneos de nossa formação”; “esclareceu algumas duvidas nesse curso ajudou desenvolver alguns temas”; “pena que o curso foi pouco para tanto conteúdo”; “foi esclarecido muitas duvidas e conceitos que nem tinha idéia que eram daquela forma”.

c) Avaliação quanto à construção dos saberes didáticos do conteúdo: “foi prático, não foi vazio em teoria”; “nos trouxe também muitas idéias de materiais e métodos de como explicar tais conteúdos”; “revisão e aprofundamento em determinados temas melhorando a nossa prática”.

d) Avaliação quanto à metodologia empregada no curso: “o professor foi bastante dinâmico e sempre atento as dúvidas e dificuldades do grupo”; “usando perguntas para ensinar causou mais dúvidas e aumentou nosso interesse”; “o professor ficou sempre preocupado em nos fazer construir as respostas, não dando nada pronto”; “nos possibilitou uma reflexão radical e de conjunto sobre os conteúdos abordados”; “o professor usou uma metodologia que nos levava a pensar e tirar conclusão”; “foi muito interessante a forma de instigar, de provocar levando a construção do conhecimento; respostas prontas quase nunca existiram”; “usou boa metodologia, instigando nossos conhecimentos e curiosidade”; “gostei, nos fez refletir nas aulas”.

e) Avaliação quanto aos recursos utilizados no curso: “observação dos planetas e constelações no observatório também foi muito significativo”; “passou o que é certo e correto diante dos conteúdos dos livros didáticos”; “utilizou de diversos recursos o que facilitou a aprendizagem e nos motivou”.

f) Avaliação quanto à construção da autonomia docente: “nos deixando seguros para vivenciar um aprendizado autônomo”; “excelente, mas ainda não possuo autonomia completa para o ensinamento da astronomia”; “ajudou a desenvolver minha autonomia nas aulas; porém, tenho que admitir que ainda preciso de mais segurança”; “trouxe-me autonomia e subsidiou-me, tanto com conteúdos como com fontes mais confiáveis”; “muita coisa tenho que aprender e me aperfeiçoar para que eu possa desenvolver minha autonomia em trabalhar com o assunto”

g) Sugestões: “ainda ficou faltando mais horas de aula”; “apenas 10 encontros não são suficientes”; “oferecer um segundo módulo com aprofundamento”; “é de uma grande importância que o curso tenha continuidade”; “não gostei de não ter ido no observatório da UNESP pois fica em um lugar meio retirado para quem usa ônibus”; “achei muito complexo e rápido para tanto conteúdo a ser aprendido. Poderia ter tido mais tempo”; “precisaríamos de mais tempo de aula para pesquisar, pois em casa é difícil fazer tarefas”.

h) Avaliação quanto ao mediador: “apesar do professor ser bem exigente, isso valeu, pois me ajudou a gravar mais os conteúdos estudados”; “foi excelente, ele foi muito profissional e dedicado”; “muita competência pedagógica”; “às vezes um pouco cruel, mas também divertido”; “o professor é alegre, agradável e desempenhou bem o seu trabalho”; “ele não foi tão exigente, quanto às tarefas”; “competente, simpático e soube compreender a limitação do grupo”; “tem domínio de conteúdo, de classe, tem didática e sabe transmitir os conteúdos sem dar nada pronto, faz com que os alunos descubram as respostas”; “dedicado e preocupado em dirimir todas as dúvidas, de uma forma clara e concreta”; “o professor é bastante atencioso, prestativo, e compromissado com as aulas, buscando diferentes materiais e formas para ministrá-las”.

Uma questão de auto-avaliação permitiu uma análise individual pelo próprio participante levando em consideração fatores ligados ao seu desempenho, dedicação, tempo dispensado às pesquisas pessoais adicionais, freqüência aos encontros, entrega de trabalhos nas datas combinadas, e relacionamentos interpessoais com colegas. Além disso, estes discursos estão carregados de significações acerca de seus processos formativos e suas trajetórias docentes. Por exemplo, o trecho “nossa formação ainda é muito limitada” indica uma necessidade na formulação e aplicação de programas de formação continuada, uma vez que outro excerto discursivo comprova que a formação permanente e individual é reconhecida pela maioria dos professores: “sempre acredito que poderia dar mais e mais de mim mesma”.

Indo ao encontro com a necessidade formativa destes professores, porém, identificamos um fator quase que unanimemente presente nas respostas dos sujeitos da amostra, o qual representa uma dificuldade formativa que poderia ser levado em conta ao se preparar futuros cursos de formação continuada: a escassez do tempo. Isto é comprovado pelos seguintes trechos: “acredito que poderia me dedicar mais, pois faltou tempo para isso (mas não interesse)”; “como professora polivalente temos que suprir diversas áreas e diversos papéis”; “se tivesse mais tempo poderia ter me dedicado mais”; “o tempo dispensado a pesquisas adicionais foi praticamente nulo, por conta da dupla jornada”; “a dedicação e o desempenho não foram melhores em razão da falta de tempo”; “só não dispensei muito tempo às pesquisas pessoais justamente por não contar com a disponibilidade do mesmo”; “por trabalhar em dois períodos e ter outras atividades extras para realizar não me dediquei plenamente ao curso”; “não me desempenhei para desenvolver os trabalhos de pesquisas adicionais solicitados por trabalhar em dois períodos”; “quanto às tarefas, não consegui fazer todas por falta de tempo”.

De fato, um programa de educação continuada não pode ser resumido em apenas poucas dezenas de horas que compõem um curso de curta duração, mas conforme os autores já citados nos capítulos da fundamentação deste estudo, a formação continuada é muito mais que isso, o que leva em conta a escassez de tempo dos profissionais do ensino (PIMENTA, 2000; MIZUKAMI et al, 2002; GARCIA, 1999; MALDANER, 2000; SAMPAIO, 1998).

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.