3.2.3

 3.2.3 A astronomia essencial na amostra

Partindo para uma análise predominantemente conceitual em astronomia, as questões 11 a 15 (conforme o apêndice 03, clicando aqui) envolvem fenômenos básicos sobre o tema, cujos saberes disciplinares deveriam estar bem constituídos durante a trajetória de formação inicial (graduação) e afirmados mediante o trabalho docente no âmbito dos saberes experienciais. A este conjunto mínimo de saberes disciplinares em astronomia, denominamos anteriormente de astronomia essencial, constituindo-se a partir dos seguintes conceitos fundamentais: forma da Terra, campo gravitacional, dia e noite, fases da Lua, órbita terrestre, estações do ano, e astronomia observacional.

No entanto, como mostram os resultados das pesquisas já comentados anteriormente sobre concepções alternativas em astronomia, muitos professores possuem tais concepções até mesmo sobre estes conteúdos essenciais, o que foi confirmado através da análise da amostra desta pesquisa. Ressaltamos que o levantamento de algumas das concepções alternativas em astronomia desta amostra tem como principal finalidade procurar entender algumas das necessidades conceituais deste grupo de professores, a fim de tentar atendê-las no decorrer dos encontros, pois reconhecemos que o movimento das concepções alternativas já teve a sua importante atuação em anos anteriores.

Conforme Cachapuz et el (2005), uma das principais linhas da investigação na didática das ciências foi o movimento das concepções espontâneas, quando se colocou em questão a eficácia do ensino por transmissão de conhecimentos previamente elaborados. Tais pesquisas contribuíram de uma forma mais geral para levantar dúvidas sobre as visões simplistas do processo de ensino e aprendizagem de ciências, como a idéia docente de que ensinar é uma tarefa simples. De acordo com o mesmo autor, existem outras questões atuais mais relevantes, e apresenta algumas perspectivas para o futuro com relação às pesquisas neste campo, dentre as quais, duas norteiam esta pesquisa: a) elaborar e experimentar propostas de formação de professores, utilizando como uma das bases, os resultados de estudos sobre concepções e obstáculos dos professores; b) superar o reducionismo conceitual, ou seja, a fragmentação dos conteúdos, que marcou as investigações durante o movimento das concepções alternativas.

Com relação à primeira questão conceitual apresentada à amostra (a de número 11, segundo o apêndice 03, clicando aqui), sua abrangência atua tanto na forma da Terra quanto no campo gravitacional da mesma. Pesquisas anteriores já foram efetuadas acerca de concepções alternativas neste tópico, tais como as de: Nussbaum (1979), Nussbaum e Novak (1976), Nardi e Carvalho (1996), Baxter (1989), Zeilik (1998), Jones, Lynch, Reesinch e Schoon, estudados por Barrabín (1995), Vosniadou, Lightman e Sadler, analisados por Trumper (2001). Algumas apontam para, pelo menos, cinco noções principais acerca desta temática, conforme resume a figura abaixo.

Figura 03 – Noções sobre a Terra e gravidade, conforme Nussbaum e Novak (1979).

As respostas dos 15 professores da amostra a esta questão foram classificadas de acordo com esta seqüência de noções, obtendo as seguintes informações: cinco deles concebem uma Terra semelhante à da noção 3, enquanto seis correspondem à noção 4, e quatro professores concebem-na como um corpo mais próximo à concepção cientificamente aceita, a noção 5. A figura, a seguir, registra algumas destas concepções encontradas em nossa amostra.

Figura 04 – Exemplos de concepções sobre campo gravitacional terrestre encontradas na amostra.

Quanto às concepções a respeito do fenômeno do dia e da noite (questão 15, apêndice 03, clicando aqui), diversas pesquisas apontam para algumas classificações de noções básicas: Vosniadou e Brewer (1992), Camino (1995) e Trumper (2001), além de Lightman, Sadler e Brewer, estudados pelo próprio Trumper (2001), e de Klein, analisado por Barrabín (1995). Porém, tomamos como base a classificação de Baxter (1989) em seis diferentes noções, as quais nós numeramos de 1 a 6, na figura abaixo.

 

Figura 05 – Noções de estudantes sobre o dia e a noite (BAXTER, 1989).

 

Em nossa amostra, encontramos 10 professores cujas respostas adequaram-se ao modelo da noção 6; um professor que expressou a necessidade de consultar um livro didático para se sentir apto a responder a esta questão; e um que associou um cometa girando em torno do sol como o motivo do fenômeno do dia e da noite. Outros três professores não apresentaram respostas satisfatórias em relação ao modelo cientificamente aceito, mas suas frases incompletas associaram-se a termos do tipo slogans, característicos de livros didáticos.

As concepções sobre fases da Lua (questão 14) também já foi alvo de levantamentos no movimento das pré-concepções, tais como em Brewer, Lightman e Sadler, estudados por Trumper (2001); Baxter (1989); Camino (1995); Peña (2001); Stahly (1999); Trumper (2001); e Zeilik (1998). Novamente, apoiamo-nos em Baxter (1989) para sintetizar as noções deste fenômeno, conforme a figura 06.

Nossa amostra apresentou apenas um professor cujas explicações concordaram com a noção 5, a concepção cientificamente aceita. Sete respostas indicaram pendências para a noção de número 4, porém as frases incompletas e carregadas de slogans semelhantes aos dos livros didáticos (com o uso de termos tais como: “depende do movimento”, “por causa da posição”) não permitiram uma classificação bem definida, mas certamente não remetem à noção 5. Apenas uma resposta deixou claro que as fases lunares correspondiam à sombra que a Terra lança sobre a lua (noção 4). Três reconheceram a necessidade de consulta a um livro didático para fornecer a resposta, e quatro afirmaram desconhecer a explicação para tal fenômeno, totalizando sete abstenções de respostas.

Figura 06 – Noções de estudantes sobre as fases da lua (BAXTER, 1989).

Concepções sobre a órbita terrestre (questão 12), que tem sua excentricidade exageradamente representada em vários materiais didáticos (LANGHI, 2007), também foram amplamente estudadas por autores tais como Barrabín (1995); Trumper (2001); e Canalle (2003), além de Giordan, Vecchi, Kapterer e Dubois, estudados por Barrabín (1995), e Durant, Acker e Pecker, alistados por Trumper (2001). Nesta questão não-aberta, o professor da amostra optava por uma das três elipses da órbita terrestre: uma de excentricidade bem exagerada, outra de excentricidade quase nula (praticamente uma circunferência), e uma de excentricidade intermediária. Apenas dois sujeitos da amostra optaram por uma órbita terrestre praticamente circular, o que representa o conceito científico, cujo valor de sua excentricidade é de 0,02 (quanto mais próximo de zero, mais de uma circunferência a figura se aproxima). Outros dois assinalaram a figura intermediária, enquanto 11 optaram pela órbita extremamente elíptica, cujo resultado representa a forte influência dos livros didáticos na ação docente.

A questão da órbita terrestre está diretamente relacionada com algumas concepções alternativas sobre estações do ano (CANALLE, 2003; LANGHI e NARDI, 2007). Outros estudos relacionados com as concepções a respeito deste fenômeno (questão 13) podem ser encontrados em: Camino (1995); Barrabín (1995); Baxter (1989); Trumper (2001); Ostermann e Moreira (1999); além de Schoon, estudado por Barrabín (1995), Lightman e Sadler, analisados por Trumper (2001).

Na presente amostra, foram identificados três professores que apontaram como causa das estações do ano, a variação de distância da Terra em relação ao Sol. Um respondeu que precisa do livro didático para uma maior segurança em responder, e outro relacionou as estações apenas com a mudança do clima. Seis respostas apontaram para incertezas quanto às explicações, pois suas idéias incompletas remetem a termos tais como “inclinação do eixo”, “translação”, e “rotação”, sem, contudo, fornecerem um modelo completo, que articulasse estes termos com o modelo científico sobre a real causa das estações do ano.

Portanto, estes resultados, brevemente apresentados acima, desta amostra específica, com relação a concepções alternativas dos conteúdos que denominamos de astronomia essencial, confirmam estudos anteriores de autores com preocupações semelhantes, além de corresponderem com as considerações efetuadas em nossa pesquisa anterior (LANGHI, 2004). Isto indica que a amostra talvez não esteja tão distante dos outros docentes pesquisados, no Brasil e no mundo, com relação às suas necessidades formativas sobre saberes disciplinares no que tange a conceitos básicos de astronomia fundamental, pois demonstramos que, mesmo nestes conteúdos essenciais, há a persistência de concepções alternativas da parte dos docentes. É importante lembrar que o trabalho destes professores com relação aos tópicos de astronomia essencial deve levar em conta o nível cognitivo de seus alunos, quando o referencial topocêntrico e o geocentrismo parecem ser as visões mais plausíveis para suas idades.

Além disso, estes resultados parecem mostrar que relativamente pouco êxito tem sido atingido em relação à prática docente no ensino da astronomia, mesmo após os mais de 20 anos de trabalhos nacionais no sentido de se almejar mudanças significativas na educação básica em relação ao ensino da astronomia, uma vez que concepções alternativas em astronomia essencial continuam presentes em muitos professores por décadas. Mesmo que a pesquisa nacional sobre educação em astronomia tenha começado a apresentar um volume a uma taxa mais crescente a partir da década de 90 (BRETONES, MEGID NETO e CANALLE, 2006), o cenário da situação escolar brasileira referente ao ensino deste tema não parece ter melhorado, conforme indicam os nossos e outros resultados de pesquisas sobre as concepções docentes em astronomia elementar.

Assim, o presente levantamento inicial de suas concepções serviu de subsídios para a reelaboração discreta dos encontros seguintes do curso, flexibilizando-o a fim de se adaptar às necessidades formativas desta amostra específica, não resultando, porém, em alterações tão distantes do que foi encontrado em pesquisas anteriores que visavam a busca de programas de educação continuada em astronomia (LANGHI e NARDI, 2008b).

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.