3.1.5
3.1.5 Metodologia para o Ensino e Pesquisa em Programas de Formação Continuada
Após a consideração desta pluralidade de encaminhamentos metodológicos para a nossa pesquisa, além das considerações da fundamentação teórica acerca dos modelos e processos formativos de professores (abordagens CHART) e de seus saberes visando a autonomia docente, cabe-nos ressaltar, neste momento, o que André (2005) aponta com relação à fragilidade metodológica dos estudos e pesquisas na área da Educação em Ciências, suscitando o questionamento dos instrumentais teórico-metodológicos disponíveis e dos parâmetros usuais para o julgamento da qualidade do trabalho científico. Levando estas observações em consideração e visando a necessidade de se construir uma metodologia própria para a nossa pesquisa com o uso de instrumentos apropriados, mas que contemple ao mesmo tempo o ensino, durante um curso de formação continuada focado nos processos formativos de professores e seus saberes voltados para a autonomia docente, optamos por atribuir aos princípios das metodologias e das técnicas acima descritas, graus de importância relativos, de modo que embasasse os passos e procedimentos de todo o processo que envolveu o nosso trabalho de pesquisa. Portanto, a esta metodologia própria, denominamos, nesta pesquisa, de Metodologia para o Ensino e Pesquisa em Programas de FOrmação COntinuada (sob o acrônimo de MEPPFOCO).
Desta maneira, a MEPPFOCO visa fazer uso dos princípios e métodos encontrados na estimulación de recuerdo, autoconfrontação, grupo focal, coaching, e a posterior compreensão dos dados mediante a análise do discurso, visando a produção de sentidos durante processos enunciativos permeados de historicidade proveniente das trajetórias formativas docentes, conforme comentados nos parágrafos anteriores. Conjuga-se a isso o objetivo de estimular momentos de pesquisa qualitativa, além de ensino, durante encontros com professores que participam em programas de formação continuada. Portanto, na MEPPFOCO, é indissociável os procedimentos metodológicos de investigação e de ensino durante um curso, uma vez que a pesquisa acontece concomitante à formação continuada do participante. Neste caso, não há processos formativos docentes sem a pesquisa sobre formação, e vice-versa, pois o profissional participante, ao refletir sobre a sua prática, durante esta trajetória formativa, constrói saberes característicos, os quais, por outro lado, formam a base para o desenvolvimento da autonomia docente, apoiada em elementos formativos específicos. Neste sentido, a MEPPFOCO torna-se, ao mesmo tempo, uma metodologia de ensino e de pesquisa, possuindo as seguintes características essenciais:
Preocupação em diagnosticar, usando instrumentos apropriados (por exemplo, o questionário pré-diagnóstico auto-aplicado) e com um tempo adequado de antecedência, as necessidades formativas de uma ampla amostra de professores da localidade, mas que não necessariamente participarão do programa de formação continuada a ser proposto;
Elaboração de um pré-planejamento do curso de formação continuada levando em conta as respostas dos questionários diagnósticos sobre as expectativas e necessidades dos professores acerca do tema proposto, de modo que assuma uma capacidade de flexibilidade para prováveis alterações após os primeiros encontros;
Levantamento, durante os encontros iniciais do programa (ou curso), das necessidades formativas daquele grupo de professores participantes, bem como de suas concepções acerca dos conteúdos de interesse, a fim de ocorrer uma negociação sobre os conteúdos, metodologias e técnicas de ensino a serem trabalhados durante o programa;
Re-planejamento do(s) curso(s) ou programa e do material didático (se houver), adequando-se aos resultados tabulados e analisados do levantamento inicial dos primeiros encontros, a fim de se evitar uma formatação de curso “a partir de cima”, mas que atenda às principais expectativas dos professores participantes;
Contemplar o ensino de conteúdos e das demais necessidades formativas dos professores participantes, ao mesmo tempo em que há a preocupação da parte dos organizadores do curso em investigar os elementos formativos, principalmente a partir da análise da filmagem de todos os encontros, visando resultados que contribuam para a pesquisa (geralmente qualitativa) na área da Educação (assim, os professores seriam classificados simultaneamente como participantes e como amostra);
Atribuição de um grau de importância relevante para a reflexão, durante os momentos que ocorrem os encontros, a fim de que proporcione a construção da autonomia por parte dos docentes, por meio da execução de atividades e ações formativas que forneçam subsídios para isso, com características que contribuam para o desenvolvimento de uma atitude auto-crítica e investigativa de sua própria prática, através de um dispositivo de análise concebido para este fim (figura 01);
Introdução dos conceitos de pesquisa científica e de sua importância para a área da Educação, visando o envolvimento dos professores na participação da pesquisa com seus constructos, impressões e contribuições, por meio da produção de um texto final sob as normas de um suposto artigo científico (a fim de seguir uma padronização na redação);
Aplicação dos conceitos e princípios trabalhados durante os encontros do curso durante algumas aulas (que deverão ser filmadas) de cada professor participante, a fim de proporcionar-lhes uma possível experimentação de mudanças em sua própria prática pedagógica relacionada aos objetivos do programa de formação continuada sobre o tema proposto;
Utilização das aulas filmadas como base para uma análise reflexiva coletiva, visando discussões, críticas e sugestões no grupo, segundo os princípios das metodologias consideradas nas páginas anteriores;
Incentivo à continuidade dos encontros com assessoria individual ou em grupo (talvez sob o formato de um grupo de estudos presencial ou à distância através do uso das TICs), mesmo após o término formal de todos os momentos ocorridos conforme planejamento do curso, uma vez que os processos formativos são considerados contínuos;
Estruturação de alguns encontros segundo a técnica de entrevista coletiva do grupo focal, discretamente modificada para as seguintes etapas a serem atingidas dentro de cada encontro, lembrando que não há rigidez quanto ao cumprimento do tempo nem do conteúdo apresentado em cada etapa a seguir (as durações das etapas são sugestões derivadas do Grupo Focal, mas não devem ser encaradas com rigidez):
Etapa 1 (aproximadamente 5 min): composta por uma breve apresentação, incluindo explicações das técnicas do Grupo Focal e combinados do grupo. Nesta fase, deve ser exposto aos participantes que se transcorrerá uma técnica de discussão em grupo, seguindo uma conversa objetiva sobre um tópico específico, com questões a eles direcionadas e com um tempo programado a cumprir, mas que poderá ser flexibilizado (tempo total de aproximadamente 2h10min). Deve-se especificar que esta técnica utiliza-se de dois atores principais: um moderador (cuja função básica é a de promover a participação e interação de todos os participantes, levantando questões e organizando as discussões e as falas) e um grupo de participantes (cuja função é a de contribuir com as discussões, visando a participação de todos para o sucesso da dinâmica). É importante também combinar antecipadamente algumas atitudes do grupo, tais como: evitar dispersões (comentar temas totalmente diferentes da discussão em pauta), sobreposições (falas simultâneas) e conversas paralelas (falar com o colega ao lado); todos têm a mesma chance de fala, sem privilégios; para se expressar, o participante deve levantar a mão e aguarda ser chamado pelo moderador; caso mais de um participante levante a mão, o moderador anota a pessoa para dar seqüência; combinar outras sugestões com os participantes.
Etapa 2 (aproximadamente 5 min): composta de questões abertas, que permitem respostas rápidas, do tipo brainstorm.
Etapa 3 (aproximadamente 15 min): composta de questões introdutórias, que introduzem o tópico geral da discussão. Nesta fase ocorre a descrição das concepções dos professores sobre um tema de estudo.
Etapa 4 (aproximadamente 10 min): continuação das questões introdutórias, mas com um reconhecimento da parte dos professores das diferenças entre as suas descrições e outras teorias apresentadas ao grupo.
Etapa 5 (aproximadamente 40 min): composta de questões de transição, que movem a conversação para as questões-chave, as quais direcionam o estudo e requerem mais atenção. Nesta fase ocorre a exploração, com leituras e conversas sobre as teorias complementares às concepções pessoais apresentadas previamente como os constructos dos professores.
Etapa 6 (aproximadamente 10 min): ainda com questões-chave e questões de transição, mas visando o partilhamento, que consiste em encontrar semelhanças e contrastes entre as teorias pessoais e as mais formais.
Etapa 7 (aproximadamente 15 min): composta apenas das questões-chave, com o objetivo de se atingir uma negociação, visando um acordo entre os participantes e chegar a um consenso entre as definições.
Etapa 8 (aproximadamente 15 min): composta de questões finais, que fecham a discussão, considerando tudo o que foi dito, compondo uma revisão, quando as novas definições são comparadas com as concepções que os professores tinham no início.
Etapa 9 (aproximadamente 10 min): composta de questões-resumo, em que o moderador faz um breve resumo da discussão e pergunta ao grupo se este foi apropriado.
Etapa 10 (aproximadamente 5 min): composta de uma questão final e específica sobre o Grupo Focal, pedindo sugestões e críticas sobre a maneira de condução das discussões.
Reforçamos que a MEPPFOCO, com as características essenciais acima descritas, é experimental e se constitui no cerne de nossa pesquisa, sob o formato de um programa de “formação continuada” em educação em astronomia (mais adequadamente classificado como curta duração), estando, portanto, sujeito a aprimoramentos, mediante críticas, revisões e alterações visando demais cursos posteriores semelhantes a este.
Assim, entendemos que a elaboração de um curso de curta duração denominado pela Secretaria Municipal da Educação de Bauru como formação continuada em educação em astronomia, apenas teria condições de se adequar às reais necessidades docentes se fossem considerados os trabalhos da educação em astronomia no Brasil nos últimos dez anos, o levantamento das informações dos questionários iniciais (pré-diagnóstico) para o curso sobre educação em astronomia, os resultados obtidos em trabalhos anteriores (LANGHI, 2004 e 2005; LANGHI e NARDI, 2007a, 2008 e 2008a), e os procedimentos metodológicos acima comentados. A seqüência destas atividades sintetiza-se na tabela 12.
Devido à grande quantidade de dados constituídos a partir dos encontros do curso e dos momentos que o antecederam e o sucederam, limitamo-nos a analisar apenas alguns recortes, a partir do foco desta pesquisa, segundo proposto e delineado nos objetivos e na caracterização de nosso trabalho, descritos no capitulo inicial. Portanto, cientes do que Goldenberg (2001) menciona, reconhecemos: a) ser irreal supor que se pode ver, descrever e descobrir a relevância de tudo o que a pesquisa carrega, e b) a necessidade de se dirigir a atenção da pesquisa apenas para certos aspectos dos fenômenos, principalmente para os que nós julgamos mais relevantes para o momento em função de nossas pressuposições teóricas mencionadas nos capítulos anteriores.
Tabela 12 – Síntese da seqüência de atividades programadas
Passemos, assim, à descrição dos procedimentos investigativos e da análise dos resultados, bem como de uma breve caracterização de nossa amostra de professores com um levantamento de suas trajetórias formativas, lembrando que a redação a seguir foi produzida com a intencionalidade descritiva conforme comentada nos parágrafos acima, objetivando buscar uma resposta aos questionamentos orbitantes e à hipótese central apresentadas no capítulo inicial desta pesquisa, embasados nos elementos formativos docentes em astronomia que procuramos investigar.
Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:
LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.