3.1.2

 3.1.2 Caracterização do objeto principal de estudo

 

Em nosso caso, os fenômenos observados de onde construímos nossas considerações e interpretações foram os encontros semanais, constituindo-se no objeto principal de nosso estudo e fonte de dados. Realizados durante um período limitado de tempo com uma amostra de professores, estes encontros formaram um conjunto de intervenções que denominaremos provisoriamente por curso de formação continuada.

Procuramos definir o significado para o termo curso, a partir da fundamentação comentada nos capítulos iniciais desta pesquisa. Citando alguns autores da área, Garcia (1999) apresenta a seguinte definição: um grupo de pessoas que participam de atividades estruturadas para atingir certos objetivos por meio de tarefas, levando a uma nova compreensão e mudança na conduta profissional, salientando que tais cursos, com duração limitada, torna-se apenas o início de um processo de especialização que deve ser continuado. Em nossas palavras, um curso de formação continuada deve ser continuado, não finalizando-o sem uma continuidade de fornecer aos participantes um suporte ou atenção posterior aos encontros. Utilizando os critérios de classificação dos diferentes modelos de desenvolvimento profissional (cursos de formação continuada) que Garcia (1999) apresenta, acreditamos que o nosso curso, conforme planejado visando os objetivos desta pesquisa, enquadra-se tanto na modalidade cursos de formação como de investigação, cujas descrições já foram comentadas nos capítulos anteriores.

Além disso, procuramos levar em conta os princípios orientadores para a formação continuada identificados por Brault (1994), a saber, a formação continuada é uma obrigação tanto para os poderes públicos responsáveis pelo sistema educativo (a concepção, o financiamento e a organização do dispositivo coerente de formação continuada são elementos da política educacional) como para os profissionais do serviço público (a participação, a formação continuada pode e deve fazer parte da carga horária do estatuto). A função cultural da formação continuada visa o aprofundamento dos conhecimentos de base para os professores, no conjunto das disciplinas desenvolvidas na escola; e a abertura voltada aos problemas de uma sociedade em evolução (aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos). Por outro lado, a função pedagógica da formação tem por objetivos a confrontação das experiências profissionais dos professores (dialética do ensino e da aprendizagem); a apropriação dos dados das pesquisas na área da didática; a construção de práticas pedagógicas, centradas sobre o desenvolvimento das competências dos alunos; a pesquisa de ferramentas pedagógicas adequadas para assegurar a diversificação das situações de aprendizagem. Com relação às lógicas da formação continuada, deve-se levar em conta a oferta de formação em função do que é observado na sala de aula, ou do que é estimado necessário para o professor; deve-se relevar também a lógica do pedido de formação em relação ao dia-a-dia, as questões, as aspirações de cada professor, enquanto indivíduo, e de cada escola, enquanto comunidade educativa. A formação continuada é um dos aspectos da política educacional, e deve levar em consideração o caminho pessoal e profissional dos professores, respeitar as necessidades atuais do sistema educativo, e integrar dados de prospecção. Este tipo de formação deve ser objeto de planejamento e de gestão aos níveis científico, pedagógico, administrativo e organizacional, utilizando estratégias diversificadas, de acordo com a sua natureza, duração e implantação das ações, modalidades de trabalho e de avaliação, e mobilização de competências.

Procuramos levar em conta também que a formação continuada, segundo definida pelas associações brasileiras que congregam profissionais da educação, deve proporcionar novas reflexões sobre a ação profissional e novos meios para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, considerado que o conhecimento proveniente da formação inicial, da vivência pessoal e da experiência docente, deve ser repensado e desenvolvido na carreira profissional (BRZEZINSKI, 2006).

Conforme já comentado nos capítulos anteriores, os chamados programas de formação continuada constituem-se em trajetórias formativas docentes durante a carreira, e representam oportunidades para complementar ou suprir falhas ocorridas durante a formação inicial, embora não seja este seu principal objetivo. Por exemplo, conforme comprovada pela literatura da área, e demonstrada em parte em nossa fundamentação nos capítulos anteriores, conteúdos importantes sobre fenômenos relativos à astronomia estão deixando a desejar durante trajetórias formativas docentes intermediárias (cursos de formação inicial). Pensando neste aspecto, formulamos uma ação formativa voltada para a educação em astronomia, a fim de identificarmos seus principais elementos formativos docentes. A ação formativa (atividade formativa ou ações de formação), segundo Garcia (1999), é um conjunto de condutas, de interações entre formadores e formandos, que pode ter múltiplas finalidades explícitas ou não, e que há intencionalidade para a mudança. Procuramos dar atenção a uma particularidade importante da ação formativa: o formador, sozinho ou com os formandos ou os participantes, escolhe os meios, os métodos, os objetivos específicos e as formas de avaliação, entendendo que os alunos-professores devem ter uma participação consciente e uma vontade clara para continuar aprendendo. Entendemos também que um curso de formação continuada, ou de aperfeiçoamento, segundo Garcia (1999), pode assumir em alguns momentos uma perspectiva técnica ou transmissiva, e em outros, responder a uma orientação prática se partir das preocupações e idéias dos próprios professores. Mas, o objetivo principal, conforme Mazzillo (2004), é propor situações que facilitem a contribuição para um repensar sobre o próprio trabalho e o crescimento profissional.

De fato, para Garcia (1999), a formação de professores deve responder às necessidades formativas e expectativas dos professores como pessoas e como profissionais, baseando-se nas necessidades e interesses dos participantes, adaptada ao contexto em que estes trabalham, fomentando a participação e reflexão, e possibilitando o questionamento de suas próprias crenças e práticas institucionais. Por necessidades formativas, entendemos que a definição de Montero (1990) é a que melhor se enquadra nas características de nosso trabalho: “desejos, carências e deficiências percebidos pelos professores no desenvolvimento do ensino”, e é isto o que procuramos identificar antes do início de nossas atividades do programa de formação continuada planejado. Portanto, não se deve ignorar as condições reais e as dificuldades dos professores – seus interesses, motivações, necessidades, conhecimentos prévios, experiências e opiniões – pois esses devem servir como ingredientes do planejamento das ações de formação, mediante uma avaliação diagnóstica prévia (BRASIL, 2002a).

Algumas das indicações para um programa de formação continuada, fornecidas pelos Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002a), pautam-se nas necessidades dos professores: a) deve-se programar espaço e tempo na rotina de trabalho da escola para análises coletivas da prática profissional dos docentes; b) deve ser definido a partir de uma análise da realidade na qual pretende incidir; c) deve ser planejado cuidadosamente levando em conta as modalidades de formação, escolha dos formadores, tempo adequado, infra-estrutura, número de professores, objetivos, principais conteúdos, metodologia, recursos didáticos, instrumentos de avaliação, etc; d) deve prever a combinação de professores de escolas diferentes para intercâmbio; e) deve incluir a observação, análise e discussão do trabalho de outros professores (diretamente ou por recursos de documentação) e de suas atividades de experimentação de situações didáticas; f) deve-se considerar as crenças, idéias, opiniões e conhecimentos prévios dos professores; g) deve-se utilizar recursos de documentação tais como diários, registros de um observador de classe, relatos escritos, vídeos, gravações em áudio, etc.; h) deve assumir um aspecto de flexibilidade na seqüência dos conteúdos propostos, sem perder de vista os objetivos definidos no início do programa; i) deve estar previsto um conjunto de práticas e recursos que permitam a ampliação do horizonte cultural e profissional dos professores e o seu desenvolvimento pessoal, tais como saídas em grupo, participação em eventos, organizações de grupos autônomos e associações, produção de materiais, etc; j) deve-se avaliar os programas de formação continuada para que os resultados sejam utilizados na reformulação das práticas tanto dos formadores quanto dos professores.

Levando em conta esta preocupação, Garcia (1999) comenta sobre cursos de formação continuada em que se evidencia "um certo elitismo e arrogância" dos instrutores e investigadores que apenas dizem aos outros o que devem fazer, mas que não desenvolvem propostas concretas de programas que sejam apropriadas às realidades da formação dos professores segundo as suas necessidades formativas. Em nossa pesquisa, não desejamos transmitir esta impressão de “elitismo e arrogância”, de modo que procuramos saber de perto as reais necessidades dos professores participantes do nosso grupo antes de iniciarmos os encontros. Para tanto, utilizamos o instrumento questionário, cujo procedimento é o mais frequentemente utilizado, conforme Garcia (1999), dentre as estratégias para o diagnóstico de necessidades e preocupações dos professores. No entanto, reconhecemos que este é apenas um passo prévio de uma análise mais profunda, pois este serve de ponto de partida para se iniciar uma seleção negociada com os professores, com base no consenso e diálogo.

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.