3.1.1

 3.1.1 Fundamentos metodológicos e técnicas da pesquisa

 

Através de uma análise de momentos marcantes na pesquisa em educação em ciências e seu viés metodológico, Nardi (2003) e Marandino (2003) nos levam a concluir que as tendências atuais indicam uma incorporação cada vez mais à formação de professores. Assim, parece ser consenso que formar professores é fazer ciência e se reveste de uma natureza específica, distinguindo-a de qualquer outro tipo de formação, pelo fato de que se trata de qualificar um profissional com a finalidade de formar pessoas, à medida que se dedica ao trabalho docente (BRZEZINSKI, 2006).

Historicamente, no Brasil, se os temas e referenciais se diversificaram e se tornaram mais complexos nos anos 80-90 na área da pesquisa em Educação, as abordagens metodológicas também acompanham essas mudanças. Ganham força os estudos "qualitativos", que englobam um conjunto heterogêneo de métodos, de técnicas e de análises, que vão desde os estudos antropológicos e etnográficos, as pesquisas participantes, os estudos de caso até a pesquisa-ação e as análises de discurso, de narrativas, de histórias de vida (ANDRÉ, 2005a). Esta diversidade de metodologias empregadas nas investigações em Educação pode ser exemplificada pelas dissertações e teses brasileiras produzidas no período de 1997-2002 que abordaram a formação de professores: as metodologias mais freqüentes foram: o Estudo de Caso, (12%), a Pesquisa Teórica (10%), a Pesquisa-ação (8,5%), a Análise de Entrevista (7%), Estudos Etnográficos (5%), História de Vida, História Oral e Memória (4%), e Pesquisa Colaborativa (2%), sendo que as duas últimas metodologias não aparecem nos estudos realizados no período de 1990-1996. A maioria das pesquisas, entretanto, utilizou mais de um tipo de metodologia, tendo em vista a complexidade de aspectos que envolvem a pesquisa do campo educacional (BRZEZINSKI, 2006).

Quanto à nossa pesquisa, os procedimentos que nos parecem mais apropriados para a obtenção de informações detalhadas a respeito das questões citadas na introdução desta tese nos levam a valorizar uma abordagem qualitativa (ANDRÉ, 2005; ALVES-MAZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 1998; ESTRELA, 1994; BOGDAN e BIKLEN, 1994; MARTINS, 1994). A investigação qualitativa em Educação assume várias formas e é conduzida em múltiplos contextos, segundo Bogdan e Biklen (1994). Ser qualitativo nas pesquisas presume o interesse primário em dados ricos em pormenores descritivos relativos a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico.

As estratégias que mais representam a investigação qualitativa, conforme Bogdan e Biklen (1994), são a observação participante e a entrevista em profundidade, usando-se geralmente pequenas amostras. O termo investigação de campo é uma expressão para diferenciá-la das pesquisas realizadas em laboratórios ou locais controlados pelo observador. Para Goldenberg (2001), na pesquisa qualitativa, o pesquisador preocupa-se principalmente com o aprofundamento da compreensão de um determinado grupo social, uma organização, uma instituição, ou trajetória, enquanto que a representatividade numérica é secundária, quando há.

Em educação, a investigação qualitativa é freqüentemente chamada de naturalista e também etnográfica, pois, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), o observador está no local em que se verifica o fenômeno, além de existirem outras expressões associadas com investigação qualitativa: interacionismo simbólico, perspectiva interior, Escola de Chicago, fenomenologia, estudo de caso, etnometodologia, ecologia e descritivo. Os autores apresentam cinco características da investigação qualitativa:

a) A fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. Assumindo que o comportamento humano é influenciado pelo local de estudo, o investigador se desloca até o mesmo. Os materiais registrados mecanicamente no local são revistos mais tarde pelo investigador, numa preocupação primária com o contexto.

b) A investigação qualitativa é descritiva. Os dados recolhidos são em forma de palavras, imagens, com poucas ou nenhuma preocupação com números. São transcrições de entrevistas, notas de campo, fotografias, filmagens em vídeos, documentos pessoais, memorandos e outros registros oficiais, abordando o campo minuciosamente.

c) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados. Observam-se certos rótulos e termos, significados diferentes para pessoas diferentes, o senso comum, a história das atividades ou acontecimentos, as atitudes dos professores. Técnicas quantitativas recorrem a pré e pós-testes, ao passo que estratégias qualitativas patentearam o modo como as expectativas se traduzem nas atividades, procedimentos e interações diárias.

d) Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva. Não recolhem dados ou provas com o objetivo primário de confirmar hipóteses constituídas previamente. As abstrações são construídas à medida que os dados particulares vão sendo recolhidos e agrupados, sendo este processo chamado de baixo para cima. O processo de análise de dados é como um funil: as afirmações estão abertas de início e vão se tornando mais fechadas e específicas.

e) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. O interesse está no modo como diferentes pessoas dão sentidos às suas vidas, ou seja, nas perspectivas participantes. Cada pessoa possui um ponto de vista diferente e ao apreender as perspectivas dos participantes envolvidos; a investigação qualitativa faz luz sobre a dinâmica interna das situações.

Nosso trabalho enquadra-se nesta tipologia de pesquisa qualitativa, reconhecendo a ênfase reforçada na subjetividade em estudos desta natureza, conforme lembra Goldenberg (2001), pois lidamos com emoções, valores, especificidades humanas, o que se traduz na singularidade do problema analisado e dos fatos sociais com sentido próprio, não suscetíveis de quantificação.

Em que circunstância se faz investigação qualitativa em educação? De acordo com Bogdan e Biklen (1994), é sempre no sentido de haver mudanças, pois uma mudança é planejada, voluntária e tem como objetivo a inovação. Para os autores, há três tipos de investigação qualitativa aplicada: investigação avaliativa e decisória, investigação pedagógica e investigação-ação.

Optamos, nesta pesquisa, pela investigação avaliativa e decisória, em que o investigador tem o objetivo de proceder à descrição e avaliação de um determinado programa de mudança, tratando-se de estudar um problema ou serviço social específico, com o objetivo de se tomar decisões políticas e escolares de mudança. Neste caso, os dados geralmente são descritivos, e a investigação tende a ser conduzida nos locais onde os programas estão se desenrolando, com ênfase descritiva do processo e das situações de pesquisa, em detrimento da atenção voltada para um resultado específico alcançado ou não (BOGDAN e BIKLEN, 1994).

Reconhecemos, neste trabalho, a importância da descrição de todos os passos da pesquisa numa tentativa de se evitar ao máximo o viés, a parcialidade, ou o pré-conceito (bias, em inglês) dos pesquisadores, embora Goldenberg (2001) assuma que não seja possível contê-los plenamente, apoiando-se em afirmações de cientistas sociais como Max Weber, Pierre Bourdieu e Howard Becker. A simples escolha de um objeto de pesquisa já significa um julgamento de valor em relação a tantos outros temas disponíveis; e o contexto da pesquisa, a orientação teórica, o momento sócio-histórico, e a personalidade do pesquisador influenciam os resultados do estudo.

Deste modo, sempre estará presente uma subjetividade do pesquisador no trabalho, mesmo que seja realizado um esforço premente no sentido da objetivação. Em outras palavras, há influências e variáveis impossíveis de serem impedidas ou isoladas, e isto leva a crer que se um mesmo fenômeno sob um mesmo contexto fosse estudado por outro pesquisador, certamente não redigiria a mesma redação científica com as mesmas palavras, e nem teria os mesmos olhares. Sobre os discursos produzidos em uma pesquisa qualitativa, Orlandi (2002) considera que uma análise não pode ser igual a outra pelo fato de interpolar conceitos diferenciados, pois um pesquisador que trabalha com determinado tipo de análise adquire o seu próprio dispositivo analítico de tal forma que outro pesquisador poderá assumir resultados distintos. Em uma segunda análise do discurso, até o mesmo analista também poderá diferenciar seus resultados de uma primeira análise, uma vez que será possível utilizar diferentes critérios ou questões governadoras, mesmo que sejam os mesmos recortes de seu primeiro material de análise. Em outras palavras, diferentes resultados oriundos de uma mesma fonte poderão ser obtidos, dependendo dos parâmetros escolhidos pelo pesquisador naquele momento, o que indica a impregnação de subjetividade nas pesquisas.

  

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.