2.1.5

2.1.5 Triangulação formativa convergente para a autonomia docente

 

Com base na fundamentação apresentada nos capítulos anteriores, apresentamos uma tentativa de triangular os conceitos, até então abordados neste texto, sobre formação docente, levando em conta a construção da autonomia profissional na educação, ainda que o nosso foco de interesse seja mantido na formação continuada de professores em relação ao ensino de tópicos de astronomia. A estas aproximações, denominamos de triangulação formativa convergente para a autonomia docente progressiva, a qual servirá de uma base sintética para a análise de nossos dados (figura 01).

Figura 01 – Modelo da triangulação formativa convergente para a autonomia docente progressiva.

Conforme já tratado nos capítulos anteriores, os modelos formativos, em sua maioria, trabalham sob uma abordagem predominantemente conteudista (letra “C” do acrônimo CHART, conforme a figura). À medida que a formação do professor privilegia a construção de saberes docentes, numa maior amplitude e diversidade, entendemos que o seu leque de ações amplia-se no sentido de uma ação profissional cada vez mais autônoma. Os saberes apresentam-se como um dos caminhos para que o professor entenda o ensino contemplando demais competências e conhecimentos específicos da área docente, além daquele que normalmente é considerado como sendo o mais importante: o saber disciplinar, ou o conhecimento dos conteúdos a serem ensinados. Reconhecemos o lugar que este saber ocupa na educação, mas afirmamos que não deve ser o único a ser trabalhado em programas de formação continuada, pois, caso contrário, este modelo formativo não passaria da dimensão conteudista e impessoal.

Enquanto um curso de formação contempla outros aspectos, além dos impessoais, este passa a contribuir com elementos direcionados à pessoalidade, à identidade do sujeito, levando em conta suas emoções, afetividades e o caráter pessoal do ensino, o que faz este modelo formativo voltar-se para um humanismo mais acentuado e contribuinte para a construção da autonomia. Numa perspectiva mais ampliada, um modelo formativo que ultrapassa o conceito da pessoalidade individual, a formação penderia para aspectos ampliadamente coletivos, assumindo um compromisso social, ético e político para com a comunidade, sob uma linha ativista, atingindo o topo da figura.

Seguindo uma trajetória formativa similar, mas partindo da mesma condição restritiva para a construção da autonomia docente em programas de formação de professores, há a abordagem tecnicista, em que a racionalidade técnica é a receita padrão para os profissionais nortearem seus trabalhos, onde a criticidade não tem lugar. Ao passo que o seu poder crítico amplia-se, através de reflexões individuais sobre a sua ação docente, há uma contribuição progressiva no que tange à concepção da autonomia pelo profissional. Sérias limitações, porém, podem ser impostas se as reflexões apenas considerarem o ambiente imediatamente próximo do indivíduo, sem partir para a coletividade e alteridade. Assim, atividades de reflexão mútua, a partir da análise crítica e investigativa de sua própria prática docente, levam o docente a uma abordagem mais reflexista, desenvolvendo a autonomia sob a perspectiva da racionalidade prática.

No entanto, seria possível subir ao vértice deste triângulo, caso esta reflexão atingisse o grau de despertar, no professor, a atitude transformadora e ativista em favor da sociedade em que vive, utilizando-se de argumentos estáveis e plausíveis, cuja base apóia-se principalmente em resultados de pesquisas e investigações da área.

Deste modo, um programa de formação, seja inicial ou continuada, que levasse em conta estas abordagens formativas, ao nosso ver, favoreceria a progressiva construção da autonomia docente. Não é nossa intenção favorecer exclusivamente o modelo ativista, nem transparecer um rebaixamento das demais abordagens, mas acreditamos que os programas de formação continuada devem contemplar a variedade dos aspectos CHART, o que indicaria, em sua estrutura, a presença de abordagens conteudistas, humanistas, ativistas, reflexistas e tecnicistas, atendendo a uma pluralidade de situações e necessidades formativas, desde que se privilegie a construção progressiva da autonomia docente, no sentido de o professor posicionar-se como um agente de responsabilidade transformadora. Por este motivo, decidimos chamar este modelo de triangulação, pois as abordagens são trianguladas e interligadas, entrecruzando-se à medida que são contempladas durante trajetórias formativas docentes, ao longo de uma seqüência de encontros coletivos. Mas, como a figura parede indicar, todas as atividades formativas convergem para a construção da autonomia de modo progressivo, em direção ao topo do triângulo, ao passo que contemplam o desenvolvimento profissional docente nos três grandes campos apontados por nossa fundamentação: intelectual (predominantemente conteudista e tecnicista), emocional (predominantemente humanista e reflexista) e social (predominantemente ativista).

Portanto, dependendo do modo como os programas de formação são conduzidos, torna-se possível posicionar, nesta triangulação, o estágio de desenvolvimento da autonomia de um profissional ou de um grupo de professores, sejam eles aprendizes ou veteranos, ou seja, a trajetória formativa docente define a posição que o professor se encontra nesta triangulação, cuja figura esquemática (figura 01) sintetiza adequadamente a fundamentação até agora apresentada nos capítulos anteriores, ao mesmo tempo em que se presta a servir como um dispositivo de análise dos dados constituídos em nossa pesquisa.

 

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.