2.1.2

2.1.2 Breve histórico das pesquisas sobre formação docente

A preocupação dos pesquisadores com relação à formação de professores tem sido mais intensa há relativamente pouco tempo. Conforme Borges (2001), somente nos últimos 25 anos tem ocorrido um aumento nas pesquisas sobre ensino, professores, seus saberes, e sua prática docente. Embora as atenções também estejam voltadas para o professor como um profissional responsável pela qualidade do ensino na sala de aula, a sua formação é o eixo da atual controvérsia, proliferando tal temática nos recentes seminários, congressos, conferências e publicações (PÉREZ GÓMEZ, 1997).

No contexto brasileiro, a preocupação com a formação docente acompanha a tendência mundial, como mostra a pesquisa realizada por Brzezinski (2006) e sua equipe, que organizou uma investigação na produção científica discente em uma amostra de 742 teses e dissertações, defendidas no período 1997-2002, em Programas de Pós-Graduação em Educação credenciados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Sócios Institucionais da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Esta amostra, cujos trabalhos tratam sobre formação de professores, revela que suas principais sub-áreas de investigação são: Trabalho Docente (36,1%, ou 268 trabalhos), Formação Inicial, com 165 trabalhos (22,2%), Formação Continuada, com 115 trabalhos (15,5%), Identidade e Profissionalização Docente, com 70 (9,5%), Políticas e Propostas de Formação de Professores, com 64 (8,6%), Concepções de Docência e de Formação de Professores, com 47 (6,3%), e Revisão de Literatura, com 13 (1,8%).

No contexto mundial, localizando trabalhos de pesquisas mais antigos, Nóvoa (1997) estabelece três importantes momentos para a formação de professores:

Década de 70 – assinalada pela formação inicial de professores

Década de 80 – assinalada pela profissionalização dos professores

Década de 90 – assinalada pela formação contínua de professores

Se considerarmos as três décadas, acima citadas, atuando como uma seqüência lógica temporal, o Brasil parece atropelar a segunda fase, a da profissionalização docente, uma vez que, historicamente, o foco das preocupações governamentais, neste sentido, tem sido principalmente a formação inicial e, mais recentemente, a formação continuada, sem atenções específicas e pertinentes no interesse de profissionalizar o ofício de professor, segundo nossa visão. Ou seja, preocupamo-nos com a formação continuada antes de regulamentar a profissão docente, diferentemente do que ocorreram em outros países. A produção científica nacional também parece refletir esta situação, conforme indica a quantidade dos temas mais estudados nas pesquisas sobre Formação de Professores, apontados pela investigação, acima citada, de Brzezinski (2006).

Apontando o fato de que vários autores americanos e europeus, a partir da década de 80, começaram a afirmar a existência de um repertório de conhecimentos específicos ao ensino, Gauthier et al (1998) mostram uma sutil diferença entre a tradição de pesquisa francesa e anglo-saxônica. Enquanto a primeira tem sido demasiadamente especulativa e insuficiente de bases empíricas, a segunda (principalmente americana) tem sido tão empírica, que lhe falta um quadro de reflexão de base para lhe dar maior profundidade. A pesquisa brasileira nesta área tem seguido normalmente as linhas norte-americanas de tradição de pesquisa, ou seja, predominantemente empírica, embora haja certa defasagem de tempo em relação a elas.

Mencionando a evolução da pesquisa sobre ensino especificamente nos EUA (Estados Unidos da América), Gauthier et al (1998) consideram cinco principais períodos históricos com diferentes enfoques de pesquisa:

Primeira metade do século XX – enfoque nos traços da personalidade

Após a Segunda Guerra Mundial – enfoque na avaliação dos métodos

Décadas de 50 e 60 – enfoque nos sistemas de observação

Década de 70 – enfoque processo-produto

Década de 80 até hoje – enfoques etnometodológicos e da cognição

De acordo com os mesmos autores, a origem dos trabalhos de pesquisa sobre o ensino tem lugar com Kratz, em 1896, em que amostras de alunos deveriam descrever seus melhores professores. Com a mesma ênfase de Kratz, sobre a personalidade do considerado bom professor, Hart estudou 10.000 alunos. Barr e Emans, em 1930, enumeraram 209 escalas de conceitos, onde juízes atribuíam uma nota aos comportamentos dos professores. As pesquisas na área da educação eram fortemente marcadas pelo comportamentalismo da psicologia, e as análises eram feitas com base principal no aluno.

Antes de 1960, a observação sistemática do professor em sala de aula era uma raridade, e a sala de aula era considerada uma caixa preta. Alterando o alvo das pesquisas, os anos 60 foram marcados por investigações que privilegiavam a aprendizagem em detrimento do ensino (enfatizando influências do meio social, o comportamentalismo, e as teorias de Piaget). Devido ao contexto histórico dos EUA nesta época, em que ocorriam as reformas educacionais, privilegiou-se o estudo dos programas. A década de 60 é identificada por Pacheco (1995) como o marco inicial do surgimento sistematizado de literaturas sobre o tema formação de professores.

A partir do final da década de 60 e predominantemente na de 70, surgem pesquisas sobre o ensino, numa perspectiva processo (comportamentos do professor) e produto (aprendizagem do aluno), na perspectiva da racionalidade técnica. Conforme aponta Gauthier et al (1998), em 1973, um artigo de Rosenshine e Furst altera o rumo do enfoque dos trabalhos, pois estimula a pesquisa em sala de aula, e o reconhecimento de que mudar programas de ensino não era o melhor caminho a ser seguido. Assim, no início da década de 70, surge um forte incentivo para o estudo sobre a ação dos professores na sala de aula, pois até então, considerava-se o professor uma variável insignificante no processo de ensino-aprendizagem. De maneira similar, Shulman (1986) classifica o paradigma dominante das investigações sobre ensino e currículo do período de 1960 a 1975 nos EUA como sendo o do programa do processo-produto, e apoia-se na Psicologia para suas referências teórico-metodológicas, mais especificamente nas perspectivas comportamentalista, experimental e funcional.

Referindo-se, assim, à psicologia cognitiva para descobrir como o professor processa informações, um grupo de trabalho liderado por Shulman, em 1974, deu impulso aos estudos sobre os processos de pensamentos dos professores. Na década de 80 surge a preocupação com os saberes no campo profissional, para além do campo educacional, enfoque que vem predominando até hoje as pesquisas em Educação. Conforme Borges (2001), os saberes de Shulman, apresentados na década de 80, serviu de referência para as reformas educativas nos EUA durante a década de 90, sendo um autor de grande repercussão. De fato, o próprio Shulman (1986) identifica a década de 80 com um novo paradigma de investigação, o interpretativo, através dos estudos sobre o pensamento e conhecimento do professor. Apontando para um paradigma perdido, o conteúdo a ser ensinado, Shulman dá início a um novo programa de pesquisa, pois as investigações ignoraram até então a questão do conteúdo especifico da disciplina que os professores devem lecionar (MIZUKAMI, 2004).

Ainda no contexto da década de 80, foram emitidos relatórios polêmicos, provocadores e político-nacionalistas que acusavam os professores como responsáveis por toda a crise educacional nos EUA. Além disso, tais relatórios indicavam que seriam eles quem teriam de resolver todos os problemas do país. Como resultado disso, em 1986 aparece críticas quanto à formação de professores, sendo apresentados dois aspectos para uma reforma educacional: a necessidade de aprimorar a formação dos mestres, e a profissionalização do ofício de professor. Estes grandes relatórios oficiais nos EUA apontavam também para a necessidade da profissionalização dos professores usando, como um dos caminhos, a constituição de um repertório de conhecimentos específicos à profissão docente (BORGES, 2004).

Estipulando 1986 como o marco da virada do enfoque das pesquisas para o repertório de conhecimentos numa linha de profissionalização, Gauthier et al (1998) lembram também da forte contribuição de Schön, em 1983, quando forneceu um novo impulso nas pesquisas sobre processos de pensamento docente, graças aos seus conceitos de prático pensador e de conhecimento na ação (Schön, 1983). Resumindo, André (2005a) destaca que nas décadas de 60-70 o interesse se localizava nas situações controladas de experimentação, do tipo laboratório, enquanto que nas décadas de 80-90 o exame de situações "reais" do cotidiano da escola e da sala de aula é que constituíram as principais preocupações do pesquisador. Se o papel do pesquisador era sobremaneira o de um sujeito de "fora", nos últimos anos têm havido uma grande valorização do olhar "de dentro", fazendo surgir muitos trabalhos em que se analisa a experiência do próprio pesquisador ou em que o pesquisador desenvolve a pesquisa em colaboração com os participantes.

 Já a pesquisa sobre formação continuada de professores no Brasil – às vezes confundida com treinamento, reciclagem, aperfeiçoamento profissional, e capacitação – possui uma história recente, e tem se intensificado na década de 80, mantendo-se como uma medida reconhecidamente necessária (BRASIL, 2002a). A partir do ano de 1996, especialmente com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, um amplo conjunto de reformas políticas passou a acontecer, visando modificar substancialmente o sistema brasileiro de educação, a concepção de práticas pedagógicas e a formação dos professores. Tais mudanças, porém, não podem garantir resultados coerentes caso não estejam apoiadas em pesquisas nacionais por especialistas da área. No entanto, as investigações mostram que, embora o tema Formação Inicial permeie o segundo maior conjunto de dissertações e teses nacionais, são raros os estudos epistemológicos acerca da Pedagogia e da definição do estatuto da Pedagogia como ciência, o que revela a necessidade de se estimular esta linha de pesquisa em programas de pós-graduação em Educação stricto sensu (BRZEZINSKI, 2006).

O terceiro tema mais investigado nestes trabalhos, a Formação Continuada, foi considerada, no Brasil, como uma nova prática de formação no momento de implementação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em que a escola deveria ter como objetivo a construção de seu projeto político-pedagógico-curricular e o exercício de sua autonomia, mesmo que relativa, o que implicaria à ela a responsabilidade de buscar condições para qualificar melhor seus profissionais. Esta prescrição em lei de formação continuada dos professores abriu caminhos para a organização escolar promover a formação de profissionais em situações de trabalho, não o retirando de seu locus profissional, proporcionando um ambiente de ensino e aprendizagem para o próprio professor (BRZEZINSKI, 2001). Porém, a concepção de formação continuada, muitas vezes, tem sido entendida como sinônimo de cursos de curta duração.

Assinalando a mudança de paradigma que fundamentou os programas de formação continuada nos anos finais da década de 1990, Brzezinski (2006) identifica o período 1990-1996 sendo dominado com o paradigma da racionalidade técnica, operacionalizado por meio de cursos de curta duração, em forma de “treinamento” ou atualização, o que se denomina Primeiro Estado do Conhecimento. Já o período 1997-2002, o Segundo Estado do Conhecimento, registra-se o predomínio do paradigma da complexidade da relação entre Educação, Universidade, Sociedade do Conhecimento e Mundo do Trabalho, direcionando-se para a lógica da reflexão como um fundamento importante (BRZEZINSKI, 2006).

Tabela 02 – Modelos de formação de professores (HARRES, 1999).

 

 

Considerando este breve fundo histórico e as diversas pesquisas elaboradas sobre formação, alguns autores têm apontado para a necessidade de se desenvolver uma teoria da formação, tal como há teorias da educação, ensino, aprendizagem, etc, pois entende-se que há a falta de um quadro teórico e conceitual que ajude a clarificar e a ordenar esta área de conhecimento, investigação e prática (GARCIA, 1999). Assim, estudando as pesquisas sobre os vários tipos de formação de professores (inicial e continuada, mas predominantemente a primeira), encontramos paradigmas, tradições ou modelos de formação, sob a luz de diferentes critérios de organização, segundo a visão de autores diversos. Harres (1999) resume, em um quadro (tabela 02), os quatro modelos principais de formação de professores, de acordo com uma classificação epistemológica implícita em cada um deles, utilizado por Porlán e Rivero (1998): modelo tradicional, modelo alternativo tecnológico, modelos alternativos baseados no saber fenomenológico, modelo alternativo de formação.

Também há a existência de teorias formativas e de propostas formativas, cujas distinções são comentadas por Pacheco (1995), explicando que os paradigmas indicam modelos globais e são postulados sobre a natureza da atividade docente e do contexto escolar, enquanto que teorias são idéias organizadas sistematicamente, resultantes de trabalhos de investigação e do conhecimento acumulado sobre o processo de formação. São muitas as teorias formativas, mas Pacheco (1995) destaca três delas como exemplos principais: a) teoria da eficácia docente (em se quantificava a eficácia do ensino, e buscava-se o professor eficaz, tentando justificar uma perspectiva científica e técnica do ensino); b) teoria crítica da indagação reflexiva (ocorre uma investigação didática, marcada por uma abordagem qualitativa, com uma formação crítica do professor, entendendo o processo de ensino como uma situação problemática que exige atitudes de reflexão); c) teorias psicológicas da aprendizagem (o professor é visto como um profissional racional que processa informações e toma decisões e como um profissional reflexivo; é um construtivista que sempre reconstrói e modifica seus constructos pessoais; é um profissional que aprende de acordo com estágios que vão desde o mais simples aos mais complexos). Todas essas teorias têm em comum que a eficácia não é tecnicamente definida, mas cognitivamente construída.

Referindo-se aos modelos de teorias e propostas de formação profissional, Porlán e Rivero (1998) passam a apresentar diversos autores que usam critérios de classificação diferenciados. Usando uma perspectiva mais psicológica que didática, Escudero (1992, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) categoriza dois tipos de modelos formativos: a) os modelos técnicos (diretivos), com uma abordagem racional e lógica; b) os modelos processuais (não diretivos), com abordagem criativa e intuitiva. Utilizando como critérios os contextos de transmissão e produção do saber e saber-fazer (modelos formativos gerais), Demailly (1991, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), apresenta três enfoques para os modelos formativos: a) formais (onde ocorre principalmente a transmissão formal dos conhecimentos pelos especialistas); b) informais (onde a formação se realiza no mesmo contexto da atividade prática, através da interiorização e imitação); c) interativo-reflexivos (onde ocorre a resolução coletiva de problemas reais, mesclando diferentes saberes). Classificando os modelos formativos segundo a natureza dos aprendizes profissionais do ponto de vista das relações teoria-prática, Ferry (1983, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) identifica três paradigmas de formação: a) centrados nas aquisições (a prática é uma aplicação da teoria); b) centrados nos processos (o aprendizado ocorre só com a prática, sem necessidade de teoria); c) centrados nas análises (vincula os conhecimentos, as técnicas e as metodologias à observação de situações escolares através de estudos de casos). É possível realizar algumas aproximações entre os modelos de Demailly e Ferry, notando que seus três paradigmas praticamente se encaixam.

Outro exemplo é o de Martín del Pozo (1994, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) distingue três modelos de formação inicial de professores de Ciências: modelo tradicional (ensino tradicional); modelo científico-técnico (maneira simplificada de entender a Didática das Ciências); modelo de investigação e desenvolvimento profissional (busca a coerência entre o modelo de formação que se pratica e o modelo ideal de ensino que se propõe, segundo o princípio do isomorfismo, levando em conta as concepções dos futuros professores e concebendo a investigação de problemas como um princípio formativo para articular a teoria e a prática).

Quanto às propostas formativas, Porlán e Rivero (1998) as resumem em duas grandes tendências: visão técnica do saber profissional e visão espontaneísta e fenomenológica (subdividida em três tendências formativas: enfoque artesanal, ativista e reflexivo). Quanto aos modelos formativos, os mesmos autores apresentam a sua visão geral com quatro grandes modelos principais: tradicional, tecnológico (técnico), espontaneísta-ativista, investigativo. Sob um critério diferente de classificação, Harres (1999) resume, em um quadro, os quatro modelos de formação de professores, de acordo com uma classificação epistemológica implícita em cada um deles, utilizado por Porlán e Rivero (1998): modelo tradicional, modelo alternativo tecnológico, modelos alternativos baseados no saber fenomenológico, modelo alternativo de formação (veja a tabela 2).

Apesar da diversificação de classificações, porém, ao observarmos as teorias, propostas e modelos, podemos encontrar neles certas nuances e características gerais que tornam possível a elaboração de uma visão panorâmica com algumas semelhanças e aproximações entre eles, segundo o nosso olhar. Encontramos na literatura da área tentativas de aproximações desta natureza, como em Garcia (1999), onde analisa e classifica os modelos de Joyce (de 1975), Perlberg (de 1979), Hartnett e Naish (de 1980), Zeichner (de 1983), Kirk (de 1986), Zimpher e Howey (de 1987), e Kennedy (de 1987), seguindo alguns critérios relacionados a orientações sobre a formação de professores, conforme mostra parte da tabela 3.

Por isso, além da classificação apresentada por Garcia (1999), tentamos sintetizar e organizar as teorias, propostas e modelos formativos também de outros autores, tabulando-os e classificando-os em cinco abordagens gerais, ordenados de modo a perfazer um acrônimo, que denominaremos de “CHART”: Conteudista, Humanista, Ativista, Reflexiva, e Tecnicista. Estas cinco abordagens e as aproximações possíveis entre os modelos formativos estão resumidas na tabela 03. A seguir, comentamos cada uma destas aproximações.

Tabela 03 – Os principais modelos, teorias, tendências e propostas formativas, com suas abordagens gerais

 

 


 

 A abordagem conteudista

A abordagem conteudista, ou modelo da orientação acadêmica, segundo Garcia (1999), é o que predomina em relação aos outros paradigmas, principalmente no ensino universitário, e enfatiza a importância no domínio dos conteúdos, dos conceitos e da estrutura da disciplina da qual o professor é especialista, além de capacitá-los a realizar a transposição didática. Para Menze (1980, apud GARCIA, 1999), esta abordagem baseia-se na teoria da formação formal (aprender a aprender, desenvolvimento das faculdades psíquicas e intelectuais), que faz parte de quatro teorias formativas por ele identificadas. Tendo a preocupação primária com relação à formação em conteúdos que devem ser ensinados, Zeichner (1993) apresenta esta abordagem como um paradigma tradicional ou tradição acadêmica (tradicional), que, para o autor, faz parte de quatro tipos de modelos voltados para o ensino reflexivo.

Usando a concepção de modelos de ensino e a imagem do professor ideal como critérios de classificação das abordagens formativas, Pérez-Gomez (1992, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) identifica a perspectiva acadêmica, cujo modelo tradicional de ensino se dá pelo processo de transmissão de conhecimentos, com duas correntes: o enfoque enciclopédico (acúmulo de conhecimentos lineares e enciclopédicos, com uma imagem de professor como um transmissor verbal de conhecimentos); e o enfoque compreensivo (ensino compreensivo dos conteúdos e das metodologias das disciplinas, com uma imagem de professor como perito em didática das disciplinas, de tal maneira que conhece bem os conteúdos, sua estrutura epistemológica, sua evolução histórica e dimensão didática dos mesmos). Estes dois enfoques assemelham-se às classificações de Shulman (1987) sobre o conhecimento substantivo (conteúdo da ciência específica propriamente dita) e o conhecimento sintático (de como esta ciência foi construída).

Para Porlán e Rivero (1998), que classificam as tendências existentes na formação de professores conforme a primazia que dão os saberes, o modelo baseado na primazia do saber acadêmico é caracterizado por uma abordagem conteudista e pelo absolutismo racionalista, pois concebem o conhecimento como verdadeiro e superior, fazendo parte do conjunto de teorias produzidas pela racionalidade científica. Também chamados de tradicionais, formais, transmissivos e enciclopédicos, estes modelos mostram que o único saber relevante para o ensino é o saber disciplinar, inclusive os conhecimentos das disciplinas específicas e das Ciências da Educação, ignorando ou menosprezando demais saberes docentes. Este modelo formativo se concebe com o ensino de disciplinas fragmentadas, como uma justaposição de parcelas fragmentadas. Apesar de este modelo dar primazia a este saber, a preparação científica recebida na formação inicial é geralmente insuficiente. Isto se dá não só por um problema quantitativo (quantidade de conteúdos científicos apresentados), mas também por um problema qualitativo (visão superficial e academicista dos conteúdos sem uma análise didática dos mesmos). Não passa de um ensino tradicional, baseada na transmissão verbal de conceitos e memorização mecânica, com uma visão simplificadora do ensino, do professor e de sua formação.

Seguindo o critério embasado no perfil dos professores de Ciências e o modelo adotado pela instituição formadora, Garcia Diaz (1986, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) classifica esta abordagem conteudista como uma proposta formativa baseada no modelo técnico, onde o professor é um especialista que aplica receitas didáticas universais, garantindo um aprendizado (produto) desejado. Neste sentido, a formação se dá principalmente através da aprendizagem de rotinas de intervenção concebidas fora da realidade educativa. Devido a tais características, esta proposta formativa também identifica-se com a abordagem técnica, embora o autor não faça esta dicotomia. Outro autor que não faz a distinção entre estas duas abordagens (conteudista e tecnicista), é Yus (1993, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), que classifica os modelos formativos segundo os critérios do papel que se designa ao professor na atividade formativa. Para ele, o modelo transmissivo é caracterizado pela passividade dos professores que recebem a informação verbal, habitualmente acadêmica e científica, dos especialistas universitários, favorecendo a concepção sobre o abismo existente entre a teoria e a prática, assemelhando-se à perspectiva acadêmica de Pérez-Gomez fundido com o modelo técnico de Garcia Diaz.

Segundo Furió (1994, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), esta abordagem baseia-se na justaposição de saberes disciplinares, seguindo três variantes: importância maior aos saberes científicos relacionados com a matéria que se ensina (conteúdos das disciplinas); importância maior aos saberes psicopedagógicos gerais (Ciências da Educação); e a justaposição dos dois tipos de saberes anteriores. E sob a perspectiva dos critérios da natureza, características e conteúdos do saber profissional, este autor apresenta esta abordagem como uma tendência academicista e tradicional, que também pode ser caracterizada por características tecnicistas, além de conteudistas.

 A abordagem humanista

Visando a auto-realização pessoal para sua liberdade como pessoa, este tipo de abordagem é identificada como uma das quatro teorias da formação por Menze (1980, apud GARCIA, 1999), identificando-a como teoria dialogística da formação. Para Garcia (1999), a abordagem humanista é um modelo de formação da orientação personalista (segundo seus critérios de classificação), e enfoca a própria pessoa, abordando seus limites e possibilidades, com influências da psicologia da percepção, do humanismo e da fenomenologia, enfatizando o caráter pessoal do ensino, ou seja, reconhece que cada professor constrói estratégias particulares para ensinar, e procura desenvolver um autoconceito positivo. Para Yus (1993, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), este é modelo autônomo, com uma ênfase especial nas comunicações de experiências tendendo a ignorar os aportes científicos.

Caracterizando-se pelo interesse e desenvolvimento dos alunos e pela individualização das situações de formação, nesta abordagem o aluno torna-se o ator principal no que se refere à seleção de conteúdos a serem ensinados, pois é ele quem determina o que deve ser ensinado (ZEICHNER, 1993). Estas características identificam um paradigma personalista ou tradição desenvolvimentalista (personalizado), onde o professor é encarado como naturalista, artista, investigador, sendo formado e ensinado, não pelos processos técnicos, mas pelos processos que favorecem sua introspecção e maturidade, desenvolvendo a criatividade com espírito aberto.

A abordagem humanista é também um paradigma do pensamento dos professores (SAUJAT, 2004), no sentido de que se alimentou tanto do cognitivismo recém-nascido quanto da abordagem etnográfica, fenomenológica, etnometodológica, narrativa, psicanalítica, psicossociais, sociocognitivista e sociocrítica, distinguindo-se em quatro eixos principais:

a) Julgamentos e decisões do professor; marcados por uma forte concepção cognitivista, este eixo traz uma imagem do professor como um sujeito que reage aos acontecimentos da aula, admitindo uma arbitragem racional de decisões do docente frente a situações durante sua aula. Apesar deste paradigma proporcionar uma ruptura nas pesquisas processo-produto, ele também apresentou suas falhas metodológicas.

b) Maestria do ensino; o objeto de estudo neste modelo é a cognição do aluno antes, durante e depois da sua aprendizagem, e é caracterizada por uma reflexão baseada em imagens de casos interiorizados através da experiência, com um enfoque maior no tratamento dado à informação pelo professor, e na eficácia do ensino, não no professor como pessoa.

c) Histórias da experiência; apoiando-se em estudos de casos e métodos qualitativos, a abordagem etnográfica deste modelo preocupava-se mais em explorar os diferentes elementos da experiência profissional de cada professor e não tanto mais com a melhoria da escola, focalizando sua atenção na singularidade da experiência profissional, nas dimensões subjetivas e emocionais, negando a generalização.

d) Prático reflexivo; baseando-se em uma abordagem empírica que caracteriza o pensamento profissional como uma reflexão no curso da ação, este paradigma assume que este saber não é formulado, mas está incorporado e é a fonte da eficiência profissional, opondo-se ao modelo da racionalidade técnica.

Para Pérez-Gomez (1992, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), a abordagem humanista é tida sob uma perspectiva prática, segundo seus critérios baseados na concepção de modelos de ensino e na imagem do professor ideal, ressaltando que nesta perspectiva, há a idéia de que os processos de ensino-aprendizagem são completos e singulares. A imagem do professor é de um artista ou profissional clínico, tendo de usar suas habilidades experienciais e criatividade ao lidar com situações imprevistas. Sua formação se baseia na aprendizagem da, a partir da, e para a, prática. Há duas correntes: o enfoque tradicional ou artesanal (em que o exercício da docência se dá por ensaio e erro, cuja aprendizagem ocorre do mesmo modo como o artesão e o aprendiz, em uma cultura adaptativa de caráter tácito e intuitivo); e o enfoque reflexivo (com o reconhecimento de que os problemas singulares e complexos da aula não são resolvidos nem com uma aplicação técnica de teorias, e nem com uma resolução de rotinas e crenças educativas acríticas e conservadoras). Este último enfoque promove um professor capaz de refletir sobre sua ação, na ação e sobre a reflexão na ação, conforme Schön (1983). No entanto, embora se fale muito sobre professor reflexivo, há poucos trabalhos e experiências de formação de professores reflexivos (PORLÁN e RIVERO, 1998).

Seguindo uma abordagem humanista, as propostas formativas apresentadas por Garcia Diaz (1986, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) e classificadas segundo critérios baseados no perfil dos professores de Ciências e no modelo adotado pela instituição formadora, nos levam ao modelo espontaneísta e periférico, em que há a troca de experiências e se privilegia o saber empírico, fruto da atividade cotidiana, frente ao saber acadêmico; e a intuição e a troca assistemática de experiências frente a reflexão e a inovação fundamentada. Deste modo, a formação se baseia em intercâmbio de experiências e na crítica do sistema educativo vigente.

Ao classificar os modelos formativos sob os critérios das concepções epistemológicas que fundamentam as tendências existentes na formação de professores e que lhes dão sentido conforme a primazia que estas dão aos saberes, Porlán e Rivero (1998) identificam um modelo que abrange tanto uma abordagem humanista como uma abordagem ativista: modelo baseado na primazia do saber fenomenológico, que é dotado de um indutivismo ingênuo, em que a teoria é mera especulação, e o autêntico conhecimento profissional se infere da realidade e se alcança com a experiência. Apoiando-se em um relativismo extremo, as teorias e técnicas didáticas universais não servem para este modelo, pois tudo depende de cada contexto concreto. Apropriando-se de modo tácito dos significados a partir da experiência empírica, esta tendência possui uma visão relativista do conhecimento profissional, e por isso, também é identificada com termos como: ativista, espontaneísta, periférico, informal, processual. São tendências ativistas porque primaziam a ação em detrimento da reflexão; são espontaneístas porque consideram a aprendizagem profissional como um processo que ocorre espontaneamente com as devidas condições (por exemplo, a concepção de que se aprende ensinar, ensinando), sem necessidade de uma sistematização teórica; são informais porque semelhantemente à tendência espontaneísta, não possuem um programa formal e institucionalizado; e são processuais porque enfatizam os aspectos procedimentais frente aos conceituais.

Este modelo é baseado na experiência profissional desenvolvida no contexto escolar e reconhece fortemente a dimensão prática do conhecimento profissional, como um conjunto de experiências desenvolvidas no contexto escolar, ignorando o problema da formação relacionado com os conteúdos (PORLÁN e RIVERO, 1998). O enfoque está no como se ensina e não em o que se ensina. Porém, o conhecimento baseado só na experiência possui um forte componente conservador, forçando a uma adaptação à cultura dominante. Dentro desta tendência, há dois extremos: a) o enfoque artesanal (reproduz-se técnicas e estratégias semelhantes a um artesão com seu aprendiz, tais como observação, imitação, ensaio e erro, domínio de destrezas, e desenvolvimento de competências; estas características são especialmente perceptíveis nas Práticas de Ensino, quando geralmente provocam dizeres nos estagiários que confirmam a idéia de que a prática é uma coisa, e a teoria é outra; no caso da formação continuada, este enfoque induz os participantes a considerar o curso como uma simples palestra teórica); b) o enfoque ideológico (não há um referencial psicopedagógico disciplinar, mas uma valorização extrema da experiência, desconsiderando as técnicas didáticas universais; há uma marcante referência ideológica e ética radical, anti-sistema, com muita ideologia e pouco rigor). Deste modo, os autores entendem que este modelo baseado na primazia do saber fenomenológico possui tanto características humanistas como ativistas.

A abordagem ativista

Nesta abordagem, a reflexão dos professores não permanece no campo técnico ou prático, mas assume um compromisso social, ético e político, sendo os professores considerados ativistas políticos, conforme Garcia (1999), que também denomina esta abordagem de modelo da orientação social-reconstrutivista. Nesta perspectiva formativa, os conceitos de sociedade, poder, hegemonia, construção social do conhecimento e reprodução cultural devem ser incluídos como conteúdos obrigatórios durante a formação de professores. Na formação inicial, esta abordagem identifica-se com um dos quatro tipos de modelos voltados para o ensino reflexivo, segundo a classificação de Zeichner (1993), denominado de paradigma voltado para a indagação ou tradição de reconstrução social (orientado para a indagação), fundamentando-se em uma idéia reconstrutivista que adere a movimentos de contestação política e social, expressa no pensamento de Dewey.

Sob esta perspectiva, há uma tendência inovadora, conforme Furió (1994, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), que a classifica como uma das duas tendências de teorias formativas, baseadas em critérios da natureza, características e conteúdos do saber profissional. Com características ativistas, esta tendência apóia-se na investigação e na inovação construtivista, vinculada aos saberes da Didática e das Ciências, e concebe o saber profissional como uma integração de conhecimentos teóricos e práticos através de processos de investigação e inovação educativa. O autor mostra que a formação de professores deveria contemplar alguns aspectos norteadores baseados nos seguintes princípios: tomar como referência os resultados da investigação em Didática das Ciências; promover um conhecimento didático da matéria (ou, conforme a terminologia de Shulman (1987), conhecimento pedagógico do conteúdo); questionar o pensamento docente espontâneo (levar em conta as concepções alternativas dos professores); basear o processo de ensino-aprendizagem dos professores no construtivismo, e dar importância aos obstáculos dos alunos acerca dos fenômenos naturais, a partir de situações-problema; integrar os saberes teóricos e acadêmicos relativos à matéria com os saberes relacionados com seu ensino e aprendizagem, e ambos com os saberes práticos; desenvolver no professor de Ciências as atitudes e capacidades para realizarem tarefas de investigação e inovação educativa.

Sob a perspectiva ativista da reflexão na prática para a reconstrução social, o professor é também reflexivo e crítico, buscando a autonomia e a emancipação, segundo Pérez-Gomez (1992, apud PORLÁN e RIVERO, 1998). Por este motivo, sob os critérios de classificação utilizados por este autor, este paradigma estaria voltado tanto para uma abordagem reflexiva quanto para uma abordagem ativista, havendo duas correntes: o enfoque crítico (há a acentuação na vertente sócio-política do ensino e da formação de professores); e o enfoque investigação-ação (promove o modelo de professor-investigador que vincula sua própria formação ao desenvolvimento do programa das aulas).

A abordagem reflexiva

Articulando uma relação entre a teoria e a experiência profissional, através de uma reflexão do professor sobre sua prática, Yus (1993, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) apresenta o modelo implicativo, que explica uma abordagem reflexiva para um de seus três modelos formativos segundo os critérios de classificação por ele utilizados, a saber, o papel que se designa ao professor na atividade formativa. Segundo esta perspectiva de formação, sob o ponto de vista de Garcia (1999) que a chama de modelo da orientação prática, concebe-se o ensino como uma atividade complexa e imprevisível, sendo determinada pelo contexto, obrigando o professor a agir com decisões éticas e políticas. Valorizando-se sobretudo a experiência de trabalho, este modelo de formação apóia a crença de que a observação dos considerados bons professores proporciona aspectos formativos, complementada com momentos de tentativas e erros por parte dos professores em formação, e com momentos de reflexão sobre a sua prática docente. Garcia (1999) identifica Schön (1983) como um dos autores de maior repercussão na difusão do conceito de reflexão. Também preocupado com os modelos voltados para o ensino reflexivo, Zeichner (1993) classifica quatro paradigmas principais da formação inicial, mas acrescenta um quinto, a tradição genérica, cuja abordagem reflexiva privilegia as ações deliberadas e intencionais dos professores, transformando-se em atores mais argumentativos, sem se referir aos problemas de conteúdo, da qualidade e do contexto da reflexão.

Tentando superar o absolutismo e o relativismo das outras tendências de modelos formativos apresentados por Porlán e Rivero (1998), cuja classificação se encontra na primazia que se dá aos saberes, os autores propõem os fundamentos de um modelo baseado na primazia do saber prático, repleto de características de uma abordagem reflexiva. Os autores listam as conclusões de que o conhecimento profissional não é: um conhecimento acadêmico, nem um conjunto de competências técnicas, e nem uma mera interiorização de experiências. Além disso, alguns modelos apresentados enfocam demais os fatores internos, e outros enfatizam mais os externos. Por isso, eles mostram quatro referenciais metadisciplinares: a) a perspectiva evolutiva e construtivista do conhecimento, ou seja, deve-se levar em conta os problemas práticos dos professores, suas concepções, suas experiências, os aportes de outras fontes de conhecimento, e as interações que se podem estabelecer entre estes; b) a perspectiva sistêmica e completa do mundo, pois a fragmentação é um obstáculo para abordar fenômenos complexos; as atividades formativas devem ser sistêmicas, ou seja, que analisem todos os aspectos envolvidos, e não apenas alguns; c) a perspectiva crítica, em que o conhecimento não é neutro e depende de nossos interesses; deve-se possuir uma concepção crítica sobre o ensino e a formação de professores; d) o modelo de professor investigador, dando valor ao processo de investigação reflexiva e crítica.

Para Menze (1980, apud GARCIA, 1999), que apresenta quatro teorias da formação, esta abordagem reflexiva está relacionada com a teoria da formação categorial (processo dialético com etapas de reflexão). E utilizando as bases teóricas das diferentes abordagens como critérios de classificação, Saujat (2004) mostra que esta é uma abordagem ecológica dos processos interativos, encontrando-se, neste modelo, uma descrição ecológica da aula em que seus acontecimentos são múltiplos, simultâneos e públicos, caracterizados pelo imediatismo, rapidez e imprevisibilidade. Dois fios condutores são identificados por Saujat (2004) para esta base teórica:

a) Processos interativos contextualizados; nesta perspectiva, o ensino é definido como um processo interativo, interpessoal, intencional, e finalizado pela aprendizagem dos alunos. Estes trabalhos contribuíram para a consideração do “modo como, em uma cultura profissional partilhada, cada professor tenta resolver, de modo mais ou menor, singular, os problemas que encontra na sala de aula.”

b) Práticas em contexto; visando a elaboração de um modelo da prática e não a um modelo para a prática, os estudos deste paradigma orientam-se por aquilo que se considera desejável que ocorra e não por aquilo que realmente ocorre, resultando em registros de práticas heterogêneas e diversificadas (até de um mesmo professor), e na conclusão de que a prática do professor não é redutível à aplicação de um método. Este modelo leva em conta também a história profissional do professor, que é constituída de competências, esquemas, identidade profissional, representações, e projeções para o futuro.

Pensando na reflexão e na investigação, com uma proposta de professor-investigador, onde o professor é um pesquisador, sob a vertente da investigação-ação, esta abordagem reflexiva identifica-se com o modelo investigativo, apresentado por Garcia Diaz (1986, apud PORLÁN e RIVERO, 1998) como uma de suas três propostas formativas, seguindo critérios embasados no perfil de professores de Ciências e na perspectiva de ensino adotada pela instituição formadora. No modelo investigativo, a formação se dá como um processo de desenvolvimento profissional vinculado à transformação curricular e a investigação educativa, sendo que este processo integra três saberes: saber experiencial, saber disciplinar e saber científico.

A abordagem tecnicista

Usando as bases teóricas das diferentes abordagens, situando-as em períodos correspondentes a modelos teóricos distintos, Saujat (2004) relaciona esta abordagem com estudos do tipo processo-produto. Esta perspectiva positivista de pesquisa tenta avaliar a eficácia do ensino por se estudar as relações entre os comportamentos dos professores em ação (processo) e a aprendizagem dos alunos (produto). Apesar de este modelo contribuir para dar relevância ao ensino como objeto de estudo, com um vasto corpus de conhecimentos, e ressaltar o papel da formação na construção de comportamentos desejáveis dos professores, o paradigma processo-produto não levou a nenhuma teoria de ensino e nem a uma modelização coerente, além de sobressair o seu aspecto quantificador e padronizado, que ignorava a complexidade da sala de aula.

Seguindo os critérios de classificação dos modelos formativos de Garcia (1999), encontra-se aqui o modelo da orientação tecnológica, baseado na racionalidade técnica, que apresenta o ensino como uma ciência aplicada, e o professor como um técnico que aplica os conhecimentos científicos produzidos por outros. Este paradigma focaliza a atenção nas competências necessárias para que ocorra o ensino através de técnicas e regras de ação, conforme indicado pelas investigações do tipo processo-produto, e tem suas origens na psicologia condutista. Conforme mostra Menze (1980, apud GARCIA, 1999), esta é também uma teoria da formação técnica, pois procura responder a situação da sociedade tecnológica real; é através da formação que o sujeito aprende continuamente. Além disso, o seu fundamento se encontra no estudo científico do ensino e na existência de uma relação entre a conduta do professor e a aprendizagem do aluno (ZEICHNER, 1993), e com visão positivista, reforça a idéia de que é possível padronizar situações de ensino, preconizando a racionalidade técnica, constituindo-se, portanto, em um paradigma comportamentalista ou tradição da eficiência social (condutista).

A abordagem tecnicista é vista sob uma perspectiva técnica por Pérez-Gomez (1992, apud PORLÁN e RIVERO, 1998), pois assume o ensino como uma atividade rigorosa, onde os professores são considerados técnicos que dominam as aplicações do conhecimento científico produzido por outros. Predomina, assim, a racionalidade técnica (SCHÖN, 1983), na perspectiva de que a formação de professor é vista como um treinamento para competências técnicas. De fato, as instituições que usam os modelos baseados na primazia do saber tecnológico (ou técnico), conforme classificados por Porlán e Rivero (1998), caracterizam-se por seu reducionismo epistemológico racionalista e instrumental, não identificando o conhecimento profissional como um dos saberes disciplinares de maneira direta. Com uma concepção absolutista e hierárquica do conhecimento, esta tendência considera a intervenção como aplicação da teoria. Reconhece a dimensão prática da atividade docente, o que não ocorre com a tendência anterior, mas o que predomina neste modelo é um conjunto de competências técnicas, e não um saber profissional. Propõe apenas uma solução funcional para a capacitação didática e metodológica dos professores. No entanto, a natureza humana e social dos fenômenos educativos não permite considera-los como objetos técnicos, pois há uma complexidade que os caracterizam. Além disso, não existe uma única teoria científica que possa dar conta dos problemas específicos dos processos de ensino-aprendizagem. A formação técnica inclui a seguinte hierarquia de conhecimentos: disciplinar básico, disciplinar aplicado, e competencial. A imagem do professor é a de um técnico que aplica eficazmente as prescrições didáticas e curriculares.

 Após esta breve revisão dos modelos, tendências, teorias e propostas formativas, segundo diferentes critérios de classificação de diversos autores, tentamos estabelecer algumas relações entre suas características principais, conforme apresentadas sob a forma das abordagens “CHART”. Procuramos, portanto, sintetizar suas possíveis aproximações conforme a tabela 3.

Além dos modelos de formação inicial que acabamos de analisar, podemos localizar algumas tentativas de autores em apresentar modelos de formação continuada, apesar do seu escasso desenvolvimento teórico e conceitual (GARCIA, 1999). Por exemplo, conforme Eraut (1987, apud PACHECO, 1995), alguns modelos formativos também têm se instalado, sendo que o autor identifica quatro paradigmas principais: a) da deficiência (visa preencher lacunas de formação, seja devido à desatualização de conteúdo ou por faltas de competências didáticas); b) do crescimento (objetiva o desenvolvimento profissional através de uma lógica de experiência pessoal); c) da mudança (perspectiva a formação como um processo de negociação e colaboração dentro do espaço escolar, visando a reorientação de saberes e competências do professor); d) da solução de problemas (parte do princípio que os problemas serão melhor solucionados quando diagnosticados pelos professores). Sob uma ótica diferente, Pacheco (1995) apresenta três modelos de formação continuada: a) modelo administrativo (planejada e realizada de acordo com as necessidades organizacionais pelas instituições de formação de ensino); b) modelo individual (modelo oposto ao acima, centrado na escola e nas necessidades individuais dos professores, perspectivando a autoformação, em que cada professor é o sujeito e objeto de formação, e a heteroformação, em que um grupo de professores elabora projetos formativos dinamizados por outro professor que assume o papel de formador/animador); c) modelo de colaboração social (há uma parceria das escolas com as instituições de ensino superior, numa espécie de junção dos dois modelos acima). Independente dos modelos, porém, a formação continuada deve atender às necessidades formativas dos professores, preocupando-se em potencializar a colaboração dos diversos atores do sistema educativo e a realização de projetos de investigação-ação orientados para o desenvolvimento profissional do professor.

Sob outros critérios de classificação, Garcia (1999) identifica diferentes modelos de desenvolvimento profissional de professores (formação continuada), e identifica cinco:

a) Modelo de desenvolvimento profissional autônomo, onde o professor aprende por si mesmo, através de leituras particulares, da participação em seminários permanentes, de cursos à distância, ou cursos não diretamente ligados à formação de docentes.

b) Modelo de desenvolvimento profissional baseado na reflexão, observação e supervisão, em que se usam estratégias que permitam aos professores desenvolver competências metacognitivas, a fim de conhecer, analisar, avaliar e questionar a sua prática docente, envolvendo a análise de casos, redação, história de vida, análise de biografias profissionais, autobiografia, análise de constructos pessoais e teorias implícitas.

c) Modelo de desenvolvimento profissional através do desenvolvimento curricular e organizacional, em que o enfoque está nas relações que se estabelecem entre o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento curricular e escolar, incluindo atividades em que se desenvolve ou adapta um currículo, um programa, ou processos de melhorias na escola.

d) Modelo de desenvolvimento profissional através de cursos de formação, sendo estes os de maior tradição e reconhecimento, onde um grupo de professores participa durante um período de tempo em atividades estruturadas para se alcançar certos objetivos, com a presença de um professor que é considerado perito no tema a ser desenvolvido, sendo ele quem determina o conteúdo e o plano de atividades.

e) Modelo de desenvolvimento profissional através da investigação, em que aborda o conceito do professor investigador ou pesquisador, que reflete sobre sua atividade docente, diagnosticando problemas em sua prática, nos moldes da investigação-ação (pesquisa-ação), com o objetivo de gerar conhecimento através de sua própria análise (individual ou coletiva).

Garcia (1999) apresenta um sexto modelo, o sistema integrado para o aperfeiçoamento dos professores em exercício, que tenta integrar as diferentes componentes da formação dos professores, e visa institucionalizar seu aperfeiçoamento.

Segundo Demailly (1997), os modelos de formação contínua estão classificados sob diferentes formas:

a) a forma escolar, em que o plano de formação é previamente determinado e os saberes a adquirir são conhecidos de antemão. Os formadores são pagos por um setor da hierarquia para transmitir os saberes e os formandos são obrigados a adquiri-los.

b) a forma universitária, cujas negociações são prévias à ação, mas nada impede que também ocorram do decurso do processo. Em geral, as noções de plano de formação ou os seus objetivos são inadequados, a não ser que haja um reconhecimento do direito pessoal dos assalariados à formação e à promoção.

c) o modelo interativo-reflexivo, onde formadores e formandos são colaboradores, não sendo os saberes conhecidos de antemão, mas produzidos em cooperação com a finalidade de ajudar a resolver problemas práticos.

d) o quadro contratual, em que o formador tem uma margem imprecisa de iniciativa profissional, com uma dificuldade cultural de implementar formas contratuais de trabalho no sistema educativo.

Portanto, acreditamos que esta breve revisão panorâmica sobre as diferentes propostas e modelos de formação, bem como as aproximações que sugerimos (abordagens CHART), possam se constituir em importantes sínteses teóricas que subsidiam a consideração a respeito da profissionalização da carreira docente, uma vez que isto está diretamente relacionado com a sua trajetória formativa.

 

Este texto é parte integrante da tese de doutoramento:

LANGHI, R. Astronomia nos anos iniciais do ensino fundamental: repensando a formação de professores. 2009. 370 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2009.