Companhia do Caminho de Ferro de Benguela


Uma história sucinta da sua formação e desenvolvimento

LISBOA 2008

A Génese

Cecil Rhodes foi o promotor da constituição do império britânico na África Central, o que conseguiu construindo caminhos-de-ferro com o objectivo de ligar o Cabo ao Cairo, o célebre “C to C”, e explorando as riquezas do solo do continente africano.

Quando em 1897 a linha do caminho-de-ferro vinda de Bechuanalândia chegou a Bulawayo, a 1.362 milhas do Cabo e a mais de 1.000 milhas do Katanga, Rhodes incumbiu Robert Williams de estudar os territórios que ficavam a norte, entre os rios Zambeze e Congo.

Deste estudo resultou a descoberta dos maiores jazigos de cobre de África, o “Copper Belt”, na Rodésia do Norte e no Katanga (antiga Garanganja).

Para que este centro, de enormes possibilidades de produção, fosse útil às indústrias europeias, era indispensável uma linha-férrea que o ligasse até ao mar. De imediato percebeu-se que o escoamento do cobre pelos portos da costa oriental de África, já existentes, seria muito dispendioso, pelo que se tornava imprescindível fazê-lo pela costa ocidental; a Via Lobito permitiria reduzir a distância de transporte em relação à Via Beira em 3.533 milhas, e em relação à Via Cape Town em 2.715 milhas.

De início, o objectivo da linha do Caminho de Ferro de Benguela era transportar 40.000 toneladas por ano de minério de cobre do Katanga, única saída económica para a exploração das 60.000 milhas quadradas (155.400 km2) da concessão para pesquisa mineira naquela região, dada em 1899 pelo Rei Leopoldo à “Tanganika Concessions Ltd.”.

A Fundação da Companhia

A fundação da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, e a criação do Porto do Lobito, devem-se aos esforços desenvolvidos por Robert Williams que, em 28 de Novembro de 1902, obteve de Portugal uma concessão por 99 anos para construir uma via-férrea que ligasse o porto do Lobito à fronteira oriental de Angola com o Katanga, junto ao paralelo 12º,5.

Os Estatutos da Companhia foram aprovados pelo Decreto de 25 de Maio de 1903, e registados no Tribunal do Comércio a 28 de Maio de 1903.

De acordo com o Contrato de Concessão, a linha tinha de seguir o traçado do reconhecimento inicial português (ver Mapa I, datado de 1906) destinado a ligar Benguela, o então porto de mar cujas condições de utilização eram bastante precárias, a Caconda, que até ao final do século XIX foi o grande centro de trocas comerciais, e o ponto-chave da ocupação portuguesa no interior da região planaltica de Benguela. Comprometia-se ainda a chegar a Catengue, a 122km, em 10 meses.

A linha seria construída com a mesma bitola da linha “C to C”, que era de 3 pés e 6 polegadas (1,067m), com carris tipo CFB, de 60 libras por metro, e travessas metálicas de 30kg, com fixação por cunha, com um plano de assentamento de 1.430 travessas por quilómetro.

Para reforçar a mão-de-obra local, que era fraca e inapta, foi necessário contratar trabalhadores habituados à construção de vias-férreas, 7.000 nigerianos e senegaleses, e 2.000 indianos vindos com as suas famílias do Natal, África do Sul; para este contrato serviu de intermediário o jovem advogado Gandhi (1869-1948), a quem viria a ser atribuído o título de Mahatma (em sânscrito “A Grande Alma”).

Foram também importados camelos do norte de África, para apoiar os outros animais de carga e tracção, sobretudo no transporte de água e de materiais para a construção de linha.

O transporte de água para os trabalhadores, locomotivas, e outros trabalhos, foi uma das grandes dificuldades que tiveram de ser enfrentadas. A água era racionada, cabendo a cada trabalhador o equivalente a duas garrafas de Whisky por dia. Segundo o Eng. Varian, a distribuição de água tornou-se mais fácil com a introdução de barris rolados por serventes, sendo que, em média, era necessário um servente para cada trabalhador só para este serviço.

O Início da Construção

A construção da linha enfrentava grandes problemas financeiros. Em 1903, a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela celebrou um contrato com a “Tanganyka Concessions Ltd.”, segundo o qual esta adquiria metade do capital, obrigando-se a adquirir a outra metade à “Zambézia Exploring Co.” Esta aquisição só se efectivou em 1905, mediante a entrega de 75.000 acções da “Tanganyka Concessions Ltd.”.

Era urgente organizar os trabalhos, que apresentavam grandes dificuldades materiais, técnicas, e logísticas, havendo carências a nível de instalações, de pessoal, e de transportes. A principal dificuldade era, no entanto, a falta de água na faixa costeira que, em virtude da escassez de chuvas, era conhecida por “Terra da sede”. Esta faixa constituía um grande obstáculo às caravanas que comerciavam com o interior, e foi a causa de muitas mortes.

O acto solene do início da construção do Caminho de Ferro de Benguela foi realizado no dia 1 de Março de 1903, junto à primitiva ponte sobre o rio Cavaco (Ponte D. Carlos), tendo sido presidido pelo Governador-Geral de Angola, Conselheiro Cabral Moncada, na presença das mais altas individualidades, como descrito no Boletim Oficial nº 16, do mesmo ano.

Os primeiros materiais para a construção da linha foram descarregados em Benguela, em Junho de 1904, entre eles os que foram utilizados na montagem da ponte sobre o rio Catumbela, com um peso de 650 toneladas, que para lá foram transportados em carros bóeres.[1] Esta ponte, com 76,60 metros de vão, foi inaugurada a 21 de Março de 1905, com o nome de “Luís Filipe”.

Os primeiros materiais descarregados no Lobito, a 28 de Novembro desse mesmo ano, foram transportados pelo vapor “Cromarly”, que fundeou na Restinga a 13 metros da praia, próximo do local onde foi posteriormente construído o “Pavilhão Luso”. Para se proceder à sua descarga houve necessidade de construir uma pequena pontes-cais improvisada, com quatro barcaças de ferro lançadas borda fora do “Cromarly”, sobre as quais se assentou uma plataforma, trabalho este realizado em dois dias.

À medida que a linha ia penetrando no território, esta ponte foi sendo melhorada de forma a satisfazer as necessidades comerciais que se iam criando. Seguiu-se a construção de uma ponte cais, que permitia a atracação simultânea de dois navios de 8.000 toneladas, com condições que permitiam processar aproximadamente 800 toneladas por dia. Esta ponte cais foi utilizada durante cerca de 20 anos, tanto para as necessidades do CFB, como para as do Estado e dos particulares.

Como o movimento portuário continuou a aumentar, o Governo decidiu construir um cais acostável, sendo a primeira fase do projecto entregue à firma “Pauling & Co.”. O trabalho ficou concluído em princípios de 1928, tendo o novo cais 230 metros de extensão e 14 de altura, o que permitia a atracação simultânea de dois navios de 10.000 toneladas.

Os trabalhos preliminares para a construção da linha-férrea foram entregues aos empreiteiros “Pauling & Co.”, e em Agosto de 1904 foi assinado um outro contrato com o empreiteiro “Griffiths & Co.”, que previa:

1- A construção da linha entre o Lobito e a Catumbela, e posteriormente até Benguela.

2- A construção na baia do Lobito de uma ponte cais para a Companhia.

3- Um reconhecimento de traçado até Caconda, no km 240.

O traçado até Benguela é quase todo em recta, atravessando o rio Catumbela através da referida ponte “Luís Filipe”. Esta ponte era utilizada tanto por circulação ferroviária como rodoviária e pedonal.

A 30 de Abril de 1905 a Companhia renovou o acordo para a construção da linha até Monte Sáoa, ao quilómetro 60.

A obrigação de chegar a Catengue em 10 meses, prazo que era necessário cumprir para que o contrato de concessão não fosse anulado, obrigou a enormes esforços. Nas primeiras secções, até se chegar à formidável garganta do Lengue, os tramos de via (o conjunto de dois carris ligados às respectivas travessas) eram literalmente pousados no chão, fazendo lembrar uma montanha-russa.

Rapidamente se verificou que, para se conseguir respeitar o prazo fixado, seria necessária a utilização de um troço em cremalheira (62,5‰) numa extensão de 2.120m, para vencer a subida até S. Pedro à altitude de 322m. Por esta razão, foram encomendadas duas locomotivas equipadas com os dois sistemas de tracção: aderência e cremalheira no eixo da via.

Foi igualmente necessário mandar vir especialistas na perfuração de rocha, para os desmontes e fundações dos três grandes viadutos metálicos, um dos quais com 300 pés (91m) de comprimento. Os inertes resultantes destes desmontes foram trazidos para o Lobito, para consolidação do solo arenoso da restinga.

Depois de ultrapassada esta estreita faixa de terreno, o traçado continua por uma zona subtropical ao longo do vale do rio Coruteva, que é atravessado nove vezes.

O assentamento da linha prosseguiu evitando o atravessamento de rios, contornando precipícios, fugindo ao vale de Catengue, onde chegou no prazo estipulado. Para o respeitar, os últimos quilómetros de linha foram assentes tão apressadamente que esta contornava pequenos obstáculos. Especialmente entre Chivite e Catengue, qualquer obstáculo que surgisse e ameaçasse atrasar a progressão dos trabalhos era pura e simplesmente contornado, como ainda se podia verificar na década de 1950.

Os trabalhos progrediram descendo algumas vezes mas voltando sempre a subir para se alcançar o Cubal, a uma altitude de 907m, ao quilómetro 197; este troço de linha foi aberto à exploração em 1908.

Por motivos financeiros, o empreiteiro “Griffths & Co.” decidiu rescindir o contrato a 20 de Junho de 1908, tendo regressado a Inglaterra com todo o seu pessoal num vapor da “Union-Castle” que propositadamente os veio buscar ao Lobito. O então Chief Resident Engineer do CFB, E.R. Robins, tomou igual decisão.

O Eng. H.F. Varian — contratado a 20 de Julho de 1907 e chegado ao Lobito em 12 de Agosto seguinte no barco de carga “Alnwick Castle”, que transportava materiais para a construção da linha — veio ocupar o lugar deixado vago, e assumir a direcção dos trabalhos em curso, supervisionando todo o empreendimento, mas sem ter os meios financeiros para lhe dar continuidade.

Apesar do empreiteiro principal ter abandonado o trabalho, a maior parte da mão-de-obra europeia, que constituía a principal força de trabalho, pertencia aos subempreiteiros. Estes, para não desfazerem as suas equipas de pessoal especializado, decidiram manter-se com o seu pessoal parado no acampamento principal, situado na zona do Lengue (km 52), na margem esquerda do rio Cavaco.

Esta opção foi tomada pelo facto de estas equipas serem muito difíceis de refazer devido à dificuldade em recrutar pessoal, não só por o trabalho exigido na construção de vias-férreas, na África de então, ser muito pesado, como também pelo receio de ir para aquele continente ainda envolvido em mistério, e onde estava sempre presente o pesadelo da doença do sono e da malária.[2] Só aceitavam estes trabalhos aventureiros, pessoas com sérios problemas com a justiça, ou que queriam desaparecer.

Para manter o seu pessoal ocupado, já que a ociosidade é a mãe de todos os vícios, foram importados cavalos da África do Sul com o objectivo de se organizarem corridas, procurando assim proporcionar um entretenimento que evitasse desavenças e rixas, próprias desse tipo de pessoas dadas a todo o tipo de excessos.

Estas corridas de cavalos estavam documentadas em fotografias que existiam na biblioteca da Direcção Geral, no Lobito, e mostravam um grande espaço plano e livre, rodeado por grandes tendas.

O início da construção da linha do CFB fez activar os trabalhos das linhas do Congo Belga e da Rodésia, com o fim de atrair o tráfego do minério para os portos da costa oriental. Robert Williams considerou ser conveniente não deixar estabelecer essas correntes comerciais, pelo que em 1908 contratou com as minas do Katanga o transporte de mercadorias até ao Lobito, à razão de £110 por tonelada ascendente, e £75 por tonelada descendente.

Os transportes eram feitos no planalto em carros bóeres, com o auxílio de 200.000 carregadores.

A Continuação dos Trabalhos e Ligação ao Katanga

A Construção até Huambo

Assegurados os indispensáveis recursos financeiros, por Mariano Machado, o representante do CFB em Angola, foi contratada a firma “Pauling & Co.” para dar continuidade aos trabalhos até Cuma (km 322), que era um importante centro comercial. A empresa chegou ao Lobito no dia de Natal de 1909, tendo os trabalhos sido reiniciados no dia 1 de Janeiro de 1910.

A obra prosseguiu segundo o traçado inicialmente estudado pelos portugueses até aproximadamente ao km 151, próximo do rio Sapa, virando aí em direcção ao Huambo, seguindo sempre a linha mais curta até à Baliza nº 34, na fronteira Luso-Belga (Ver Mapa II).

Um segundo contrato foi estabelecido com “Paulig & Co.” para prosseguir com os trabalhos até ao sopé do monte Lépi (km 360), troço aberto à exploração a 31 de Julho de 1911.

No dia 9 de Janeiro deste ano tinha sido iniciado o serviço postal nos comboios de passageiros (os conhecidos “Comboios mala”).

Era necessário escolher um local, no início do planalto, para localizar o futuro centro ferroviário do CFB, constituído pelas oficinas gerais, alojamentos para o pessoal, serviços de apoio a importante número de empregados, bem como uma ampla estação. Esta era necessária para acoplar os comboios vindos do litoral com carga reduzida, devido ao traçado gravoso com rampas de 20 e 25‰ e curvas com raios de 100m, para formar composições com maiores cargas, permitidas por o traçado até à fronteira ser mais favorável, com rampas máximas de 12,5‰ e curvas com raio mínimo de 200m.

Para o efeito, foi formada uma Comissão constituída pelo Coronel de Engenharia Carlos Roma Machado de Faria e Maia, em representação do Governo, Mariano Machado pelo CFB, e António Costa como representante dos Comerciantes de Benguela. O estudo da Comissão iniciou-se, a cavalo, no Cuma, e estendeu-se até ao planalto. Foram seleccionados três locais: o Forte do Huambo,[3] o alto do Caululo, e a Missão do Padre Keilling, sítio conhecido por “Ombira y Ongombe” (cova dos bois). A localização escolhida, unanimemente aceite, foi esta, embora distanciada da Missão.

Por novo contrato, assinado a 19 de Dezembro de 1911, foi acordada a construção de um novo troço com 163 quilómetros de via, em duas secções: a primeira até ao Huambo (km 426), e a segunda a partir deste ponto até ao Chinguar (km 519). Na primeira secção, aberta à exploração a 21 de Setembro de 1912, atingiu-se a maior altitude do traçado, na Portela do Lépi, com 1.854m.

O acampamento e estaleiro da “Pauling & Co.”, que se situava ao km 370, a cerca de 50 quilómetros do local já escolhido para o futuro centro operacional do CFB, começou a receber correspondência endereçada para “Pauling Town – Angola”, facto que se pode explicar por aquele acampamento ser o único aglomerado populacional digno desse nome existente na região do Huambo; estes acampamentos alojavam entre 200 a 300 europeus e 2.000 a 3.000 nativos.

Este incidente deu origem a que se apressasse a criação duma nova cidade, por acção de Norton de Matos. Sobre o que se passou a seguir, damos a palavra a Norton de Matos:

“À minha chegada a Angola tive conhecimento que ao Huambo tinha sido dado, nunca cheguei a saber por quem, o nome de «Pauling town», isto é «cidade Pauling». Várias cartas vinham já dirigidas de Inglaterra para «Pauling town – Angola».”

“Era então Mr. Pauling, ou a sua firma, o empreiteiro da construção do caminho-de-ferro.”

“Dei então ordem os correios da Província para devolverem à procedência tal espécie de correspondência, com a indicação de “destino desconhecido”, e pus-me a estudar a fundo o caso do Huambo”.

“A situação do Huambo nos pobres mapas e cartas de que então se dispunha (e pouco melhores são os que hoje existem) era indicada pela existência de um pequeno forte, onde feitos heróicos tinham sido praticados. Mas essas indicações cartográficas eram bastantes para me indicarem a admirável situação geográfica do Huambo sob diversos pontos de vista – o politico, o económico e o militar”.

…………………

“O caminho de ferro de Benguela estava a atingir o Huambo. Antes da sua inauguração, a que tencionava assistir, era necessário marcar bem o nosso domínio naquela região. Vários diplomas legislativos foram por mim publicados… e, finalmente, a 8 de Agosto de 1912, criando a cidade do Huambo.”

O pequeno forte acima referido por Norton de Matos era o “Cabral Moncada”, um dos locais escolhidos como possíveis para a localização da futura cidade do Huambo, e que está referenciado como “Fortaleza do Huambo” na planta do traçado da linha do CFB (MAPA III).

Por Portaria Provincial nº 1.086, de 21 de Agosto de 1912, foi proibida a construção de casas de adobe, pau-a-pique ou outros materiais semelhantes na cidade do Huambo.

A 23 de Novembro de 1912 foi oficialmente inaugurada a cidade do Huambo, com a presença do Governador-geral Norton de Matos, na presença do Governador do Distrito, de representantes do CFB, e de outras altas entidades oficiais.

É curioso assinalar que já anteriormente, em carta de 20 de Maio de 1908 dirigida ao CFB, escrita da Missão de Cassinga pelo Padre E. Lecomte, Missionário que deixou nome, era proposto que se criasse no Huambo a cidade de “Nova Caconda” como sede de Distrito.

Como é sabido, em 1928, o nome da cidade do Huambo foi alterado para Nova Lisboa pelo Alto-Comissário Vicente Ferreira.

A Construção até à Fronteira

No planalto, para além do Huambo, o terreno era plano e a remoção de terras foi da ordem dos 2 metros cúbicos por quilómetro de via, sendo fácil o engajamento local de mão-de-obra. O total desta rondava, em média, 2500 nativos e 200 europeus.

A segunda secção até ao Chinguar foi aberta à exploração a 18 de Outubro de 1913.

O CFB passava por dificuldades financeiras e Robert Williams esteve em risco de perder o controlo da Companhia. Sobre este problema, transcrevo um texto do livro “CAMINHO DE FERRO DE BENGUELA – Junho 1929”, de autor desconhecido:

“Entretanto a Alemanha, que tinha já alcançado, por meios sinuosos, obter que Angola fosse considerada dentro da esfera da sua influência política e comercial, vigiava os progressos deste empreendimento. Presumindo, sem dúvida, que assim conseguia alcançar o seu objectivo, ofereceu todo o capital necessário para concluir a construção da linha. Sir Robert Williams porém viu desde logo que esse tal oferecimento visava apenas a obter para a Alemanha o controle deste Caminho de Ferro e assim, apezar das muitas dificuldades em que se encontrava para alcançar em outros centros a assistência financeira de que carecia, recusou a oferta.”

Seguidamente teve início a 1ª Grande Guerra, e a construção esteve parada até 1920. Depois desta data, os trabalhos prosseguiram com lentidão, em resultado das dificuldades na obtenção dos materiais para o assentamento da via. Só se chegou a Silva Porto (km 627) em fins de 1923, sendo o troço aberto à exploração a 31 de Janeiro de 1924.

Apesar das dificuldades, o empreiteiro “Pauling & Co.” continuou com os trabalhos, entregando ao CFB, em Setembro de 1925, o troço até ao Quanza (km 725).

Acordos económico-financeiros vieram dar novo alento à Companhia, pelo que foi firmado novo contrato com a “Paulins & Co.” para a construção da última parte da linha até à antiga fronteira com o Congo Belga, incluindo as casas, estações, tomas de água, e as Oficinas Gerais no Huambo.

Os trabalhos tiveram início em Agosto de 1925. Depois de atravessar o rio Quanza por uma ponte de quatro tramos de 40 metros cada, que também dava serventia a viaturas e peões, a linha passa através do vale do Cuiva, na divisória dos rios Cuando e Quanza, indo alcançar ainda a divisória do Zambeze, que segue até à antiga fronteira ao km 1.234, com uma altitude de 1.087 metros. Neste troço, com 527 quilómetros, há 26 estações e igual número de pontes.

Apesar do elevado número de pontes, a linha chegou à antiga fronteira a 27 de Novembro de 1927, tendo a construção sido feita à razão de um quilómetro por dia, atingindo-se por vezes quilómetro e meio. Em 1 de Março de 1928 a linha foi aberta à exploração até ao km 1.156.

Para além do rio Quanza, o traçado atravessa um terreno de bosque arenoso, que se estende até ao quilómetro 1.132, o qual antes da construção da linha era conhecido por “Terra da Fome”. Tal como o nome sugere, trata-se de uma área onde a comida escasseava e que, por essa razão, constituía uma difícil barreira a transpor para as caravanas comerciais, tendo aí sido ceifadas muitas vidas por esse motivo.

Em virtude do contrato celebrado em Luanda em Agosto de 1927, o Governo Belga cedeu a Portugal aproximadamente 3.000 quilómetros quadrados do seu território do Congo, o que fez deslocar a fronteira para leste em cerca de 100km.

A linha chegou à nova fronteira a 28 de Agosto de 1928. A construção para além do rio Luau, que seria atravessado por uma ponte internacional, foi executada pela “Compagnie du Chemin de Fer du Bas-Congo au Katanga” (BCK), a fim de ligar o CFB à linha principal do Cabo ao Cairo, em Tshilongo. Os materiais utilizados na sua construção foram já descarregados no Porto do Lobito, e transportados para a fronteira pelo CFB, tráfego que aumentou de forma apreciável as receitas de exploração.

O Serviço de Automóveis Angola-Katanga

Durante o tempo de construção da linha no Congo Belga que ligou Tshilongo ao CFB, os passageiros puderam viajar desde o seu termo até Netenke, naquela linha, e vice-versa, utilizando o Serviço de Automóveis Angola-Katanga, que funcionava durante a estação seca: de princípios de Junho até meados de Novembro. Este serviço, que facilitava as comunicações directas com todas as partes de África, era quinzenal, estando a alimentação e o alojamento dos viajantes a cargo da Companhia em estações de repouso devidamente equipadas. O percurso efectuava-se em dois ou três dias.

O bilhete de ida e volta custava £35, o peso máximo de bagagem por passageiro era de 50kg, peso que não incluía “cobertores, casacos e máquinas fotográficas de tamanho e peso razoáveis”, e os automóveis não transportavam malas pesadas.

O Regulamento estipulava que os passageiros viajavam por sua conta e risco, solicitando que se munissem dos cobertores e artigos de toilette necessários para a viagem, e limitava a capacidade dos carros de turismo a 3 passageiros adultos. O Regulamento previa ainda que não se transportavam passageiros indígenas, excepto como criados, e apenas quando houvesse acomodação. Incluía, ainda, uma curiosa clausula, que se transcreve: “Desejando os passageiros que a viagem seja interrompida ou efectuar paragem para seu benefício terão de pagar uma indemnização de £10 (ou equivalente) por dia ou fracção, pagas adiantadamente. Como as viagens estão sujeitas a um horário, estas interrupções ou paragens não poderão ser superiores a um dia em qualquer dos percursos. Excepto em condições muito especiais, a viagem não será interrompida uma vez começada”.

A distância entre Tshilongo e Luau era de 526km, e utilizavam-se nos transportes de passageiros e de carga viaturas “Dodge Brothers”.

A Inauguração Oficial da Ligação Angola-Katanga

A inauguração solene do Caminho de Ferro de Benguela realizou-se na manhã de 10 de Junho de 1929, na margem do rio Luau, atravessado ainda por uma ponte provisória. A cerimónia contou com a presença das mais altas individualidades de Portugal, Inglaterra, e Bélgica, tendo na ocasião sido colocada num bloco de granito vindo do Lengue, do lado esquerdo da via, junto à entrada da ponte, uma placa de bronze com a seguinte inscrição:

CAMINHO DE FERRO DE BENGUELA

CONCESSÃO A ROBERT WILLIAMS – 28 DE DEZEMBRO DE 1902

CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA – 26 DE MAIO DE 1903

CONSTRUÇÃO CONCLUIDA – 28 DE AGOSTO DE 1928

INAUGURAÇÃO SOLENE – 10 DE JUNHO DE 1929

Para esta inauguração organizaram-se comboios especiais, cujas marchas faziam parte do Convite Oficial: “Comboios especiais para a inauguração da Linha entre Lobito e Luau Km 0 a km 1.346,80”. As marchas estavam detalhadas como num horário normal, razão pela qual as reduzimos ao essencial:

Partida no dia 7 (sexta feira) do Lobito 15h00

Chegada ao Cubal 22h15

Chegada dia 8 a Nova Lisboa 11h30

Chegada dia 9 a Vila Luso 20h20

Chegada a Teixeira de Sousa no dia 10 (segunda feira) 10h05

Chegada ao Luau dia 10 11h00

Esta marcha teve quatro grandes paragens: a primeira no Cubal de 1h15, a segunda em Nova Lisboa de 10h30, a terceira em Cuemba de 1h00, e última em Vila Luso de 1h40.

A viagem demorou 68 horas a percorrer os 1.346,80Km, a que corresponde uma velocidade média de 19,81km/h, incluindo as 14h25 de paragens acima referidas. Eliminadas estas, a velocidade seria de 25,13km/h, mais realista para a marcha realizada.

Ficava assim concretizado o projecto concebido por Sir Robert Williams. Na altura da inauguração da linha, o CFB dispunha de 77 locomotivas, 47 carruagens e 573 vagões.

A construção da linha, permitia não só que o minério chegasse à Europa com um menor custo de transporte, como vinha beneficiar as deslocações das populações daquelas regiões que, naquele tempo, sem boas estradas, eram difíceis. Mesmo depois do início das carreiras aéreas, a via ferroviária continuou a ser muito utilizada.

De início, durante a construção, os comboios de passageiros não dispunham de vagões restaurantes, pelo que os ascendentes, que se dirigiam para o Planalto, paravam na estação de Catengue para que os viajantes pudessem jantar no Hotel do “Velho” Rodrigues, que também servia o pequeno-almoço àqueles que circulavam nos comboios descendentes para o Lobito. Para além deste, havia outros locais ao longo da linha, nomeadamente no Cubal, Ganda, Huambo, Chinguar, e Silva Porto, onde os passageiros podiam tomar as suas refeições a preços inferiores aos praticados no Lobito.

Logo após a junção das redes ferroviárias, foram iniciadas as ligações com o Katanga e com a África Central. Estas ligações eram efectuadas pelos comboios do CFB, já com vagões restaurante que seguiam até Teixeira de Sousa. Estas ligações intensificaram-se a partir de Junho de 1931, data em que se iniciou uma carreira regular para o Lobito da Agence Maritime Internationale SA (AMI). Esta carreira tinha uma frequência bimensal, excepto em Março e Agosto, em que a frequência era de três ligações por mês.

No Horário mais antigo que conhecemos, datado de 1937, em inglês e francês, estes comboios são designados com “Service Internationale”, sendo indicados apenas os dias de partida e chegada dos comboios ao Lobito e a Elisabethevile. O Cb. nº 1 (Ordinaire – 1ª, 2ª, 3ª, clas. indigenes) saía do Lobito às 18h00 de terça-feira e chegava a Elisabethevile às 8h00 horas de sábado. O Cb. nº 51 (Express de Luxe – 1ª e 2ª classes), saía do Lobito às 16h00 de segunda-feira e chegava a Elisabethevile às 12h30 de quinta-feira. O Cb. nº 2 (Ordinare) saía de Elisabethevile às 22h00 de quarta-feira e chegava ao Lobito às 9-00 horas de domingo. Finalmente, o Cb. nº 52 (Express de Luxe), saía de Elisabethevile às 15h45 de terça-feira e chegava ao Lobito às 10h15 de sábado.

De notar que este Horário continha variada informação, que incluía as companhias de navegação que faziam escala no Porto do Lobito, preçários dos Wagons-Lits para dormidas e refeições, agentes para compra de bilhetes, e ligações aos centros ferroviários mais importantes do Congo Belga, Rodésia, África do Sul e Moçambique.

No Horário nº 29 (01/12/1958), o mais recente que encontramos, há mais comboios de passageiros a fazer as ligações com a África Central. Estes comboios iam até Dilolo e desta estação até Elisabethevile, sendo estes serviços realizados duas vezes por semana pelo CFB, e uma pelo BCK (o chamado “Comboio Belga”, só com 1ª e 2ª classes), que vinha trazer e levar os passageiros dos navios da AMI.

Os comboios do CFB (Cb. 1/2 e 11/12) partiam do Lobito às 18 horas de segunda e sexta-feira, e terminavam a marcha em Dilolo, tendo ligação com comboios do BCK que seguiam para Elisabethevile, onde chegavam, respectivamente, às 17h00 de terça-feira, e às 3h40 de sexta-feira; esta diferença resultava do Cb. 11 só ter ligação em Dilolo com o comboio belga dois dias depois da sua chegada a Teixeira de Sousa. Nas ligações entre Teixeira de Sousa e Dilolo era utilizado o material do CFB, com máquinas e pessoal da Reserva daquela localidade, existindo nesta um Posto de Revisão do CFB. Após a independência do Congo, este serviço passou a ser efectuado pelo pessoal do BCK.

Os chamados comboios “Belgas”, identificados por Expresso 51/52 e Rápido 22, no referido Horário 29, eram como se disse semanais; o Cb. 52 chegava ao Lobito às 10h50 de sexta-feira, e partia às 16h55 de sábado. O Cb. 22 tinha o mesmo horário do Cb. 52, tendo designação diferente, possivelmente por este ter ligação a outro ou outros comboios, vindos da Rodésia. Nestes comboios só era utilizado material e pessoal do BCK.

Desconhecemos quando esta frequência de ligações ao Congo Belga do Horário 29 foi estabelecida, mas possivelmente teve início depois do fim da 2ª Guerra Mundial, quando aumentou o fluxo migratório.

Quem observar o Horário 29 estranhará, por certo, uma paragem de uma hora na estação de Mariano Machado, tanto para os comboios ascendentes como para os descendentes; tratava-se de uma reminiscência do tempo em que havia poucos troços de linha com brita, e destinava-se a recuperar eventuais atrasos provocados por descarrilamentos de qualquer comboio. Desta prática, que foi depois eliminada, resultava uma distracção para os habitantes da localidade, e um agradável convívio com os passageiros.

Além destes comboios de ligação ao Congo, havia outra ligação semanal entre o Lobito e Nova Lisboa (Cb. 3/4); o Cb. 3, com partida às 18h00 de quarta-feira, chegava a Nova Lisboa às 9h41 de quinta-feira, e o Cb. 4, partia de Nova Lisboa às 18h05 de quinta-feira e chegava ao Lobito às 9h05 de sexta-feira.

Todos estes comboios de passageiros do Horário 29 tinham quatro classes.

Realizavam-se também comboios regionais diários entre o Lobito e Benguela, cinco em cada sentido aos dia de semana e três aos fins de semana e feriados, e também entre Nova Lisboa e Robert Williams, um em cada sentido.

A descrição do transporte de passageiros ficaria incompleta se não fizéssemos referência a um comboio de mercadorias diário que percorria toda a linha e que não figurava nos Horários acima referidos, tendo os seguintes números: 101/2 no troço Lobito/Nova Lisboa, 201/2 no de Nova Lisboa/Vila Luso, e 301/2 no de Vila Luso/Teixeira de Sousa. Este comboio fazia o serviço de recoveiro, transportando cargas parcelares diversas, que não completavam a capacidade dum vagão, e incluía na sua composição um furgão de madeira destinado ao transporte em dois compartimentos separados não só de passageiros em classe única como também de remessas de serviço gratuitas (geralmente utilizadas pelo pessoal para o transporte de frescos e vitualhas) e pequenas encomendas comerciais. Estes comboios eram conhecidos por “Camacouve”.

Exploração da Linha

No início da exploração ferroviária as estações e desvios para cruzamento de circulações eram as indicadas no quadro que se segue, retirado do já mencionado livro “Caminho de Ferro de Benguela”:

A segurança da circulação dos comboios em cada troço era assegurada por ordens de avanço trocadas entre os chefes das estações colaterais, que entregavam ao condutor do comboio um impresso com a ordem de avançar. Estas ordens incluíam eventuais condicionamentos, como por exemplo circular com precaução entre os quilómetros tais e tais, ou estabeleciam um cruzamento com o comboio tal no desvio desguarnecido intermédio X. Por vezes, e sempre nos desvios desguarnecidos, este serviço era feito pelos maquinistas ou chefes dos comboios.

O Meterial Circulante

Enquanto os trabalhos de construção da linha prosseguiam, os engenheiros consultores do CFB, “Douglas Fox & Partners”, procediam a um criterioso estudo do material circulante a utilizar. As condições especiais dos caminhos-de-ferro africanos, muito diferentes das dos europeus, obrigaram a uma cuidadosa escolha para garantir a segurança do transporte e proporcionar conforto aos passageiros. O clima, as distancias a percorrer, o abastecimento de água e de lenha às locomotivas, e as características do traçado, com carris de 30 kg/m, curvas apertadas, rampas gravosas, e uma bitola de 1,067m, foram pontos que mereceram cuidadosa ponderação.

As Locomotivas

A primeira locomotiva, a 01, chegou ao Lobito em Novembro de 1904, com os primeiros materiais ai descarregados. Foi fabricada em Leeds, de onde saiu com o nº 847. De dimensões muito reduzidas (cerca de 3,5 a 4 metros de comprimento), possuía dois rodados conjugados, com rodas de pequeno diâmetro, e o seu farol era um candeeiro de petróleo. A partir de 1905, começou a trabalhar no transporte de materiais para a construção da linha no primeiro troço Lobito/Catumbela.

A locomotiva 01 rebocou o “comboio” que transportou o Governador-Geral Conselheiro Ramada Curto, e restante comitiva, para a inauguração da ponte sobre o rio Catumbela, no dia 21 de Março de 1905. Este “comboio” era constituído por duas vagonetas especiais, de dimensões maiores que as habituais, cobertas com um toldo, onde foram colocados bancos de madeira, com costas, para acomodação com algum conforto da comitiva (ver Foto 092 in “Memórias de Benguela e do Lobito” de João Loureiro 2ª ed. 2004).

Esta locomotiva continuou a trabalhar até Junho 1923, ano em que foi retirada do serviço, depois de ter efectuado 11.092km de percurso.

A locomotiva 01 voltou a ser utilizada para a reconstituição histórica dum comboio formado com o primeiro material circulante do CFB, que desfilou perante o Presidente da Republica Óscar Carmona durante a sua visita ao Lobito, a 5 de Agosto de 1939.

Baptizada com o nome de “D. Carlos”, e depois com o de “Mariano Machado”, o primeiro Administrador-Delegado do CFB, a locomotiva 01 foi solenemente exposta como peça museológica, sobre um pequeno troço de linha assente num plinto, na Estação do Lobito, junto à Direcção-Geral, no dia 26 de Maio de 1961, Dia do CFB.

Seguidamente utilizaram-se as locomotivas de tracção mista (de aderência e cremalheira), que serviram no troço de cremalheira. Não dispomos de informação quanto às características destas locomotivas, mas que admitimos serem as da Classe 5 (0-6-2T), do construtor “Esslingent”. Seguiram-se as da Classe 6 (4-6-0) da “North British Locomotive Ltd”, e por fim as da 9ª Classe (série 200), já próprias para trabalho de longo curso.

As duas primeiras locomotivas da 9ª Classe, com os números 202 e 203, fornecidas pela “North British Locomotive Ltd”, entraram ao serviço em 1914; seguiram-se em 1921 as (203/212), fornecidas pela mesma firma. Em 1924 entraram ao serviço outras do mesmo tipo, mas fabricadas pela firma “Baldwin Locomotives Work“ de Filadélfia, que tiveram os números 215 e 216. Esta série de locomotivas terminou com a aquisição em 1930 das locomotivas números 221/238, à “North British”.

Com base nos estudos anteriormente realizados, optou-se também por encomendar para serviço mais pesado de longo curso, à firma “Beyer, Peacock & Co.”, seis locomotivas articuladas “Garratt” (4-8-2+2-8-4),[4] que foram fornecidas ao CFB em 1926; esta disposição dos rodados destinava-se a permitir que circulassem, sem problemas, nos dois sentidos de marcha, por neles se inscreverem igualmente bem. Estas locomotivas formaram a 10ª Classe e a série 300.

Estas locomotivas eram equipadas com quatro cilindros de 18½ x 24 polegadas e rodas conjugadas de 1,30m de diâmetro, pesando 158 toneladas. Eram consideradas as mais poderosas para a bitola de 1,067m, e tinham potência para rebocar 500 toneladas nos troços mais acidentadas entre S. Pedro e Cubal, com rampas de 25‰ e raios de 100 metros. A escolha destas locomotivas, ainda não utilizadas noutras vias-férreas africanas, demonstrou o espírito empreendedor que deu origem ao CFB.

As Carruagens

As carruagens foram encomendas à Companhia “Metropolitan Carriage, Wagon and Finance Company Ltd”, de Saltley, Birmingham, que construiu dois vagões restaurantes, carruagens de passageiros de 1ª, 2ª, e 3ªclasse, e luxuosos salões para serviço privado da Companhia, sendo todo este material equipado com “bogies”, bem assim como pequenos salões de serviço só com dois rodados.

As carruagens de passageiros, fornecidas ao CFB em 1926, eram iluminadas a electricidade, tendo porém candeeiros de azeite para serem utilizados em caso de necessidade. Todas as carruagens foram construídas de forma a proporcionarem o máximo conforto aos passageiros, possuindo filtros para água e extintores de incêndio.

Nas carruagens de 1ª classe o interior era de carvalho, com guarnições em teca, tendo um corredor lateral, cinco grandes compartimentos e um pequeno, dois sanitários com chuveiro, uma despensa, e varandas nas duas extremidades.

Cada compartimento grande, que comportava seis passageiros sentados ou quatro deitados, dispunha de um lavatório de metal, cuja tampa constituía uma mesa, cabides, redes para bagagens, ventoinhas e campainhas eléctricas; os compartimentos pequenos, tinham o mesmo equipamento, mas eram só para duas pessoas, sentadas ou deitadas.

As carruagens de 2ª classe tinham seis compartimentos grandes e dois sanitários com chuveiro, sendo que cada compartimento comportava seis passageiros sentados ou deitados.

As carruagens de 3ª classe tinham bancos fixos laterais e dois bancos móveis contíguos ao centro, sanitários, torneiras com água potável, e uma varanda em cada extremidade.

Os salões de serviço possuíam um quarto individual, um sanitário com chuveiro, uma sala de jantar/escritório com um sofá, que se transformava em cama quando necessário, cozinha com despensa e frigorífico, além de um quarto para o guarda, que servia de cozinheiro e tratava do salão.

Os vagões restaurante tinham uma sala de jantar para 24 pessoas, bar, despensas e cozinha, além de uma outra despensa isolada e frigorífico. As cadeiras eram de carvalho inglês, forradas de couro de búfalo, de cor verde, que se podiam deslocar, e ventoinhas eléctricas. A cozinha era equipada com um fogão “Briffault”, e as louças, cutelaria, e copos eram de luxo.

Os Vagões

Todos os vagões, tanto metálicos, como de madeira de caixa fechada, eram equipados com “bogies” e freio de vácuo, o que permitia marchas rápidas nos comboios de mercadorias, com cargas de 35 toneladas.

Os Automóveis de Linha

Desde o início da construção foram usados veículos automóveis de linha (Atl) abertos, que circulavam sobre os carris e com comandos nas duas extremidades, para se poderem deslocar nos dois sentidos. Eram utilizados em deslocações do pessoal superior, sobretudo em viagens de trabalho, de estudo e de inspecção à linha, bem como para prestar socorro a doentes e a acidentados.

Os primeiros eram abertos e semelhantes aos automóveis que, então, circulavam nas estradas, e ainda com faróis de petróleo. Em 1916 foram adquiridos novos e mais evoluídos Atl à firma “The Drewry Car Company Limited”.

As Oficinas Gerais

Para o bom funcionamento de um caminho-de-ferro é indispensável o apoio de uma oficina bem equipada. Este apoio era particularmente importante numa linha como a do CFB, por se encontrar distante dos centros fornecedores dos materiais necessários à manutenção e à reconstrução dos seus equipamentos, sujeitos a grandes desgastes devido à natureza dos terrenos poeirentos e arenosos que a linha atravessa.

Na época da inauguração da linha, só havia uma oficina no Lobito e outra no Huambo, mas nenhuma era adequada aos trabalhos que uma exploração mais intensa exigiria.

Reconhecendo esta imperiosa e urgente necessidade, o Director-Geral, Eng. Henrique Chaves, tinha decidido construir no Huambo uma oficina inteiramente nova, grande e versátil, que pudesse resolver todos os problemas que aparecessem. Esta ideia foi contestada, mas venceu. Surgiu assim uma das maiores, mais bem equipadas, e actualizadas, oficinas de África.

As Oficinas Gerais foram construídas pelo empreiteiro “Pauling em chapa ondulada de ferro zincado.

Eram constituídas por uma oficina de máquinas, com uma área de algumas centenas de metros quadrados, com um pé direito superior a 33 metros, uma grande fundição, caldeiraria, serrilharia geral, tornearia e reperfilamento de rodados, oficinas de vagões e de automóveis, secções de pintura, carpintaria, eléctricos, telecomunicações, pequena mecânica, e depósito de moldes, e tinham todas as possibilidades para desempenhar cabalmente as funções para que foi concebida. Possuíam ainda poderosas pontes rolantes, uma das quais com capacidade para levantar 100 toneladas.

De certo modo ligada às Oficinas Gerais está uma barragem construída no rio Cuando, e a sua Central Hidroeléctrica. Situava-se junto à Missão Católica no Huambo, a cerca de 20 km de Nova Lisboa. Esta central fornecia também energia eléctrica a esta cidade. Este aproveitamento foi concedido ao CFB em 27 de Fevereiro de 1911.

Uma conduta com 6 pés de diâmetro, e com cerca de 300 metros de extensão, leva água para accionar duas turbinas de 250 quilowatts, sendo a corrente gerada transportada para as Oficinas por uma linha de 22.000 volts. Posteriormente, as Oficinas Gerais foram equipadas com 2 geradores “Peters” de 150 cv, para dar apoio quando necessário.

Esta barragem, designada por “Dique Varian”, foi ampliada nos primeiros anos da década de 1950.

Os Serviços de Saúde

Desde o início dos trabalhos de construção da linha que o CFB se preocupou com a saúde de todos os seus funcionários, incluindo a do pessoal dos empreiteiros. Chegados a uma nova terra, tinham de desbravar uma região virgem, onde poderiam encontrar variadas doenças tropicais, pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas: beribéri, doença do sono, ou malária, a mais devastadora para os europeus.

Desde logo foram tomadas todas as precauções, constituindo-se uma equipa de pessoal de saúde, no âmbito de um acordo com a “Tropical School of Medicine”, sob a direcção de Sir Patrick Manson, que, segundo “The African World” de 1929, foi o “man who had done more to save men from these perils, than any living man.”

Estas preocupações continuaram ao longo dos tempos. Ao completar o seu cinquentenário, os cuidados de saúde no CFB eram prestados nos hospitais do Lobito, Nova Lisboa, e Vila Luso, e num posto médico no Cubal. Havia também várias localidades com postos de enfermagem.

As populações espalhadas ao longo de linha eram assistidas mensalmente pelo comboio pagador, que incluía um gabinete médico, posto de enfermagem para tratamentos, e uma farmácia que fornecia a medicação necessária.

Este comboio pagador, para além de fazer os pagamentos aos funcionários espalhados ao longo da linha, como o seu nome indica, tinha também a importante missão de os abastecer de géneros alimentícios e de tudo o que necessitavam para a sua vida diária. Simultaneamente, permitia aos funcionários, às suas famílias, e a todos aqueles que viviam em completo isolamento, ter algum contacto social.

Em 1967 foram criados três Gabinetes de Medicina no Trabalho no Lobito, Nova Lisboa, e Luso, para a defesa da saúde dos trabalhadores e das suas condições do seu trabalho, com a finalidade de estes poderem desempenhar cabalmente a sua actividade.

A Escolha do Combustível

Durante os primeiros 35 anos, a lenha foi o único combustível utilizado nas locomotivas e noutros equipamentos a vapor do CFB.

O então Administrador-Delegado, General Machado, conhecedor dos bons resultados obtidos com este tipo de combustível na Índia e noutros caminhos-de-ferro africanos, mandou estudar meticulosamente a possibilidade da sua utilização no CFB.

Esta solução teve grande resistência por parte dos técnicos estrangeiros e maquinistas, por verem na lenha um combustível difícil de manusear e de características mais variáveis do que o consagrado carvão. Havia também a opinião desfavorável daqueles que consideravam ser a exploração de lenha para combustível prejudicial para as matas circundantes da via-férrea.

Entretanto, a lenha era obtida das matas nativas, por empreiteiros que nem sempre respeitavam as instruções de cumprirem as boas normas relativas à sua exploração. Os primeiros e mais intensivos cortes foram feitos na região onde abundava a “ungerite” e a “mutiati”, espécies que rebentam bem de touça, permitindo novo corte passados alguns anos.

Os estudos efectuados vieram confirmar as vantagens económicas da utilização da lenha como combustível das locomotivas. Não só se evitou uma exploração ruinosa para o caminho-de-ferro, como se criou mais uma actividade, a do corte de lenha, que contribuiu para o desenvolvimento económico das regiões atravessadas pela linha.

O CFB começou os trabalhos de plantação de matas próprias de eucaliptos em 1931/32 com 3.250 pés.

À época dos carros do tipo bóer com as suas espanas”, seguiu-se a dos camiões pesados e dos tractores com reboque. O corte foi mecanizado com serras circulares que chegam a seccionar 45 toneladas de lenha por dia com uma equipa reduzida de operadores.

O Hotel Términus

A Companhia reconheceu a necessidade de ter no Lobito um hotel para alojar convenientemente os seus passageiros, que tinham de aguardar a chegada do transporte marítimo ou ferroviário que os levasse aos seus destinos. Para o efeito, foi construído sobre no areal do lado do mar o confortável, impecável, e funcional Hotel Términus, em estilo colonial. Inaugurado 28 de Outubro de 1932, este hotel manteve sempre a sua traça inicial e uma elevada qualidade de serviço, razão pela qual foi considerado durante muitos anos o melhor hotel de Angola.

A exploração deste Hotel e das carruagens-cama foi inicialmente entregue à Companhia Internacional dos “Wagons-lits”.

A Organização dos Serviços

No Lobito estava situada a Direcção Geral do CFB, bem como as sedes dos Serviços de Pessoal, Contabilidade, Saúde, Movimento, Obras, e Armazéns Gerais.

Em Nova Lisboa situavam-se as sedes dos Serviços de Oficinas, Eléctricos, Tracção, Via, e Florestas. Nesta cidade concentravam-se mais de 50% dos funcionários da Companhia.

Posteriormente, em 1956, com a criação das Direcções que passaram a funcionar no Lobito, com excepção da Direcção Mecânica que se manteve em Nova Lisboa, incluindo os Serviços de Oficinas e Electricidade, juntaram-se os Serviços de Via e o de Obras (Direcção de Via e Obras) e o de Tracção e de Movimento (Direcção de Exploração). Nos anos 60, foi criado no Lobito o Serviço de Segurança.

O CFB Depois da 2ª Grande Guerra

Até ao final da 2ª Grande Guerra, o CFB pouco evoluiu. Só posteriormente, com um apreciável aumento do tráfego descendente de minério, é que a Companhia teve de proceder a melhoramentos para o poder transportar.

Só em 1948 é que a exploração deixou de ser deficitária, sendo os primeiros dividendos distribuídos 1954, após mais de cinquenta anos de actividade.

Para manter a circulação dos comboios e fazer face ao cada vez maior volume de tráfego, era necessário assegurar o fornecimento do combustível, o que deu origem ao desenvolvimento de um importante programa de florestação.

As Plantações de Eucaliptos

As plantações de eucaliptos do CFB distribuíram-se por 20 Perímetros Florestais, localizados ao longo da via-férrea, desde o km 200 até ao km 1.300, sendo subordinadas à conveniência dos abastecimentos de lenha às 102 locomotivas a vapor. Totalizavam cerca de 96 milhões de eucaliptos e ocupavam uma área de 35.000 hectares (1965).

Num país em que o carvão e o “fuel-oil” tinham de ser importados, e onde as regiões atravessadas pelo CFB, aquando da sua construção, se encontravam densamente povoadas por florestas espontâneas que garantiam por longo tempo a obtenção da lenha necessária, a adopção deste tipo de combustível era a solução indicada.

Por esta razão nasceu o programa de plantações, que foi sendo desenvolvido com a finalidade de constituir povoamentos florestais nas proximidades da linha, o que permitiria o fornecimento de lenha em condições económicas, a todas as locomotivas a vapor.

Em 1960, 80% do percurso total de cerca de 8 milhões de quilómetros, foram realizados com o emprego de lenha, 13% com a utilização de “fuel-oil”, e 7% com carvão. A lenha consumida, 1.500.000 esteres, proveio da exploração de matas espontâneas e das plantações de eucaliptos. A crescente produção de eucaliptos permitiu o aumento do consumo de lenha deste tipo, cujo poder calorífico é de 4.000 Kilocalorias por quilograma.

As plantações fizeram-se em ritmo acelerado, pelo que a maior parte ficou completa num período de 6 a 7 anos.

O maior esforço desenvolvido correspondeu às seguintes campanhas:

Entre os 20 Perímetros Florestais, os maiores núcleos eram os seguintes:

Os factores decisivos para a escolha da espécie de eucalipto a utilizar para rentabilizar este empreendimento foram:

- O rápido desenvolvimento;

- A fácil regeneração pelo rebentamento de touças;

- A boa adaptação ao clima do planalto;

- A pouca exigência quanto à fertilidade dos solos.

Embora experimentalmente se tenham plantado pequenas áreas de outras espécies, a quase totalidade das matas de eucaliptos foi constituída por “Eucalyptus rostrata, Schl” e por “Eucalyptus Saligna, Sm”. Inicialmente empregou-se a primeira destas espécies, que demonstrou maior rusticidade e adaptação às adversas condições locais de clima e solo. Posteriormente deu-se preferência à segunda, por ter um desenvolvimento mais rápido em solos mais férteis, e a grande mais-valia de ter uma maior copa e assim poder abafar mais depressa a vegetação espontânea indesejável, diminuindo o número de operações necessárias para a sua eliminação durante a sua tenra idade, além de retirar as possibilidades de essa vegetação vir a constituir sub-bosque.

Esta plantação, que chegou a ser de 102 milhões de eucaliptos, foi a maior do mundo pertencente a uma única entidade.

Melhoramentos do Traçado

O primeiro grande empreendimento foi a construção de uma variante para eliminar o troço de via com cremalheira. Esta variante saiu do fim do patamar a seguir a Benguela, e foi ligar a S. Pedro, criando a estação de Chivanda, e aumentando o percurso em cerca de 3 quilómetros.

Anos depois, foram também construídas duas variantes, uma entre o km 206,250 e Marco de Canavezes, encurtando o percurso em cerca de dois quilómetros, eliminando algumas curvas, aumentando o raio de outras, e reduzindo rampas. A segunda (1965) saiu do km 377,477 e foi ligar a Vila Verde, numa extensão de 4.537,28 metros. Com a sua execução desapareceu o que era o ponto mais alto da linha (alto do Lépi, com 1.854m), passando este a ser localizado em Vila Nova, com 1.848 metros. Os benefícios alcançados foram os seguintes:

- Redução do número de curvas, que passou de 15 para 7, e aumento do seu raio: uma passou para 200m e as restantes 6 para 310m.

- Redução das inclinações de 25‰ para 12,5‰.

Para além de outras variantes menos importantes, foi ainda construído em 1962 o Ramal do Cuíma, com 65,789 quilómetros, que, saindo da estação de Robert Willians (Caála), ligava às minas de ferro situadas naquela localidade.

Há que referir a construção, ao longo dos anos, de inúmeros desvios e ampliação de várias estações, o que se tornou indispensável para se poder satisfazer o tráfego sempre crescente. As 57 estações e apeadeiros indicados na “LISTA DAS ESTAÇÕES”, apresentada no ponto 5, aumentaram para 100, o que ilustra o esforço realizado.

Melhoramentos na via

Com o crescente aumento de tráfego descendente, houve necessidade de se proceder à balastragem da via com brita e laterite. Esta foi utilizada, por razões de economia, nas plataformas com pouca resistência, sobretudo na zona da Anhara da Cameia. Esta opção revelou-se de grande importância por a laterite ter constituído um bom sub-balastro que consolidou a plataforma, e permitiu uma considerável economia de brita quando se procedeu à posterior balastragem total da linha.

Procedeu-se à total substituição das travessas metálicas de cunha, aplicando-se travessas metálicas de grampos em curvas de raio inferior a 200 metros, e de madeira nas rectas e curvas de raio igual ou superior àquele valor. Inicialmente, a madeira utilizada era de “mussibi”, o que veio a ser proibido por esta espécie ter sido destinada exclusivamente à construção. Esta espécie foi substituída por “mufuca” tratada e creosotada, menos duradoura. A duração média das travessas de “mussibi” era de cerca de 12/14 anos, enquanto as de “mufuca” tratada era inferior a 10.

Os carris iniciais do tipo CFB de 60 libras por metro, que tiveram um magnífico comportamento, começaram a ser substituídos no troço da Portela a Chivite por outros do tipo BS 60R de igual peso. Estes tiveram um mau comportamento, não só no que se refere a desgastes, como também devido a um grande número de fracturas transversais totais originadas no bordo de ataque, facto que foi transmitido aos Engenheiros Consultores, a quem se solicitou o estudo das causas deste muito deficiente comportamento.

Este estudo revelou que a causa para este mau comportamento estava no desenho incorrecto da cabeça do carril e da sua ligação à alma. Por esse motivo, todos os desenhos de carris do “British Standart” foram alterados, passando a ter a designação BS 60N; uma nova revisão do desenho da secção do carril, que passou a ser designado por BS 60A, teve bom comportamento.

Outra importante contribuição para a melhoria do estado da via resultou da redução da sobreelevação do carril exterior das curvas (escala das curvas) — alteração essa que muito contribuiu para a redução do número de descarrilamentos nas curvas de raio pequeno em rampas acentuadas. A aplicação de aparelhos de lubrificação de carris em curvas de raio igual ou inferior a 200m também se mostrou muito eficiente na redução do seu desgaste: havia massa lubrificadora nos carris das curvas com raios de 100m do triângulo de inversão de marcha na Estação de Teixeira de Sousa, a mais de 300km do aparelho de lubrificação de via mais próximo.

Em meados da década de 60, iniciou-se a conservação mecanizada com a utilização de dois grupos constituídos por uma atacadora pesada, um regularizador de balastro, e uma “dresine” registadora do estado da via.[5]

Nos finais da década de 1960, iniciou-se a auscultação ultra-sónica de carris, merecendo especial atenção os seus topos, numa extensão de 1,5m para cada lado da junta, zona onde apareciam a maior parte das fracturas transversais, e a zona das barretas que ligam os carris, onde apareciam fracturas longitudinais e em torno da furacão. Já na década de 1970, estes exames passariam a ser extensivos aos eixos das locomotivas e vagões, mas o serviço não chegou a ser implementado.

Quando se tomou a decisão de aplicar carris de 45 kg/m na Variante do Cubal, foram igualmente adquiridos carris de 40 kg/m para aplicação além Nova Lisboa, que começaram por ser assentes além Luso em longas barras soldadas com pregação elástica, algumas das quais chegaram a atingir 6 quilómetros de extensão.

Foram aplicados alguns aparelhos de mudança de via com menor ângulo, o que permitia maior velocidade na sua passagem.

Com a eliminação das travessas de ferro de cunha e a total balastragem da linha, o estado da via melhorou consideravelmente; basta dizer que em 1952 se verificaram 181 descarrilamentos atribuídos a causas desconhecidas ou defeitos da via, número que caiu para 0 em 1970. Entre 1965 e 1972, este número oscilou entre 0 e 5.

Simultaneamente, a partir de 1950, deu-se início à construção de desvios para cruzamentos de comboios, com o fim de reduzir os tempos de ocupação da linha, e assim aumentar a sua capacidade de transporte e poder corresponder ao progressivo crescimento do tráfego. Ao todo, foram construídos 43.

Ampliaram-se as linhas de várias estações: Lobito, Catengue, Cubal, Caála, Nova Lisboa, Silva Porto, Munhango, Vila Luso, e Teixeira de Sousa, foram as mais importantes. Em todos estes locais havia triângulos para inversão de marcha e Depósitos ou Reservas de Máquinas, excepto em Catengue.

Em 1960 foi montada uma nova ponte sobre o rio Catumbela com uma extensão de 85,44m, e maior capacidade de carga, tendo a primitiva sido cedida ao Estado, passando a servir em exclusividade para a ligação rodoviária Lobito Benguela.

Evolução do Material Circulante

Em 1949 foram adquiridas à firma “North British Locomotives Ltd” 5 locomotivas do tipo “Montanha” (4-8-2), 11ª Classe (série 400), com rodas de maior diâmetro, o que lhes permitia maior velocidade (70km/h).[6] Eram, sobretudo, utilizadas nos comboios de passageiros.

Foram compradas em 1964 nove locomotivas “Garratt” à Rodésia, e adquirido outro material novo: carruagens de passageiros metálicas e vagões de vários tipos.

Em 1950 iniciaram-se estudos para a correcção do pH da água utilizada ao longo da linha nas caldeiras das locomotivas, por esta estar a danificar as suas tubagens. A água que abastecia as gruas era frequentemente analisada, e de acordo com os resultados obtidos, e com a capacidade dos tanques das locomotivas, eram deitados nestes bolas de produtos químicos, previamente fixados, de acordo com a correcção a fazer.

Nas “Garratt” utilizadas entre Benguela e Nova Lisboa, foi iniciada a queima de “fuel-oil” em Março de 1956, data em que começaram a ser entregues as primeiras das 10 máquinas da série 10ª Classe D, nº 361 a 370. A razão da utilização do combustível líquido foi a escassez de lenha entre Benguela e Cubal, e a dificuldade do seu transporte a partir de outros locais. Outras locomotivas da classe C foram adaptadas à queima de “fuel” nas Oficinas Gerais de Nova Lisboa. Esta nova experiência das oficinas do CFB foi aproveitada pela BCK, que solicitou ao CFB a transformação de uma das suas “Garratt” para queima de “fuel”, o que foi executado com êxito.

As primeiras locomotivas “diesel-hidráulicas”, para manobras, foram adquiridas em 1961; estavam equipadas com motores “Paxman” de 440 B.H.P. a 1.500 rotações por minuto.

Posteriormente, quando foi tomada a decisão de construir a Variante do Cubal, a “Chave de Ouro do CFB que, na prática, fechou a actividade da Companhia, foram adquiridas 10 locomotivas “diesel-electricas de linha, “General Electric”, tipo U20C, inicialmente utilizadas no troço Benguela/Cubal. Estas locomotivas tinham uma potência de 2.180 cv, e um peso por eixo de 15 toneladas; o arranjo dos rodados era CO-CO (2 “bogies” de 3 rodados).

No prosseguimento da política de dieselização, foram compradas mais 12 locomotivas deste tipo, o que permitiria suprimir a tracção a vapor até Mariano Machado (700 km).

Em relação a carruagens, foram adquiridas outras metálicas, idênticas às existentes mas sem varandas, incluindo novas carruagens de 3ª classe com corredor central e bancos estofados.

Foram adquiridos novos vagões de acordo com as necessidades do tráfego: cisternas (2 construídas nas Oficinas Gerais em 1964), frigoríficos, e de leito rebaixado com “bogies” de três rodados para o transporte de volumes anormais.

Os automóveis de linha (Atl) também se foram modernizando, havendo dois tipos, ambos fechados: uns com capacidade para oito pessoas, sediados nos Depósitos de Maquinas e que qualquer Serviço podia requisitar, e outros de quatro lugares distribuídos em exclusividade aos Inspectores de Via, para fiscalização da linha.

Para além destes veículos, existiam outros carros ligeiros motorizados (Clm), abertos dos lados e cobertos, que se podiam retirar e colocar na via com relativa facilidade, por meio dum equipamento específico. Estes carros eram distribuídos aos Chefes de Lanço e aos Partidos de Via de maior extensão, sendo usados para rebocar as vagonetas onde seguiam os assentadores, ferramentas, e material para a manutenção e reparação da linha. Posteriormente, foram distribuídos a todos os Partidos, quando se procedeu ao agrupamento de alguns, o que aumentou a extensão a cargo de cada um deles.

Todos estes veículos serviam para prestar auxílio de urgência a doentes ou acidentados.

Construção de Novos Edifícios

Foram construídos novos Depósitos de Maquinas no Lobito e no Cubal, modernas estações em Cubal e Vila Luso, o edifício da Direcção no Lobito, e muitas habitações para o pessoal ao longo de toda a linha.

Ergueram-se ainda vários complexos desportivos, sendo quatro de grande vulto: o 1º foi o de Nova Lisboa com piscina e campo de futebol; o 2º, o de maior importância, foi a sede do “Lobito Sports Club (1964), que incluía, no 1º andar, um magnífico ginásio com pavimento flexível e no rés-do-chão instalações para a prática de desportos náuticos, com especial incidência no remo; o 3º no Cubal, e o 4º em Vila Luso, que incluía uma piscina olímpica, inaugurada solenemente em Janeiro de 1966.

A Acção Social

Os Serviços Sociais visavam, sobretudo, a promoção social das famílias dos trabalhadores menos habilitados, tendo obtido notáveis resultados na educação dos jovens, na promoção da família, no arranjo dos lares, e na formação religiosa.

Por outro lado, a Companhia promovia actividades desportivas e culturais, não só facilitando a construção de instalações, como promovendo a criação de Clubes, e realizando sessões de cinema ao longo da linha.

Nos aniversários do CFB (O Dia do CFB), organizavam-se vários encontros de convívio ao longo da linha, e um grande almoço no local onde esse dia era comemorado. Promoviam-se também várias provas desportivas e profissionais, bem como Jogos Florais e Concursos Fotográficos, geralmente muito concorridos.

Existiam Armazéns de Víveres (A.V.) no Lobito, Cubal, Nova Lisboa, Silva Porto, Munhango, e Teixeira de Sousa, para abastecimento de todos os funcionários nessas localidades, sendo o abastecimento ao longo da linha feito através do Comboio Pagador.

Não pertencendo aos Serviços Sociais, é de salientar a acção muito importante que o “Comboio Pagador” teve na promoção social dos funcionários e suas famílias, que por motivo de serviço viviam isolados, proporcionando-lhes um agradável e salutar convívio, para além de os abastecer do que necessitavam para o seu dia-a-dia.

Em Setembro de 1965, com o objectivo da suspensão gradual do serviço do A.V. no Comboio Pagador, deu-se início a um serviço de encomendas.

Por motivos de segurança, este comboio foi suprimido em Novembro de 1966 passando os Armazéns de Viveres a abastecer o pessoal espalhado ao longo da linha com remessas enviadas por comboio.

A companhia publicava mensalmente o “Boletim do CFB” com a súmula das actividades que se desenvolviam ao longo da linha, e notícias relativas à vida dos seus funcionários.

Em 1964 trabalhavam no CFB 14.800 empregados, que em conjunto com os seus familiares perfaziam mais de 50.000 pessoas, que constituíam uma grande família ferroviária.

Transportes Aéreos

Para economizar tempo nas deslocações dos Directores e do Pessoal Superior, quer ao longo da linha, quer nas frequentes viagens de serviço a Luanda, o CFB começou por adquirir dois aviões de quatro lugares “Cessna 200”, monomotores, de asa alta, que foram depois substituídos por outros maiores, bimotores, de asa baixa: primeiro um “Piper Aztec”, e posteriormente um “Piper Navajo PA-31” de seis espaçosos lugares, com bar e sanitário. Estes aviões serviram ainda para transportar doentes para os Hospitais da Companhia, ou para o de Luanda, tendo sido várias vezes utilizados no transporte urgente de doentes que não estavam ligados ao CFB. Nessa altura foram construídos dois campos de aterragem, um em Munhango e outro em Teixeira de Sousa.

Quando a luta armada chegou ao Leste, foram adquiridos outros dois aviões de asa alta (tipo Dornier Do 27), com grande capacidade de manobra e possibilidade de aterrar e descolar em pequenas extensões, para patrulharem a linha, especialmente antes da passagem dos comboios de passageiros, e prestar auxílio rápido de apoio a pessoal que dele necessitasse. Para o efeito, foram construídos campos de aterragem em diversas localidades.

Comando das Circulações

Com o fim de aumentar a segurança das circulações, de simplificar o trabalho do pessoal dos comboios, e reduzir os tempos de percurso, o tradicional comando por telefone foi substituído pelo sistema de “Bastão Piloto”.

Posteriormente, o “Bastão Piloto” foi substituído, passando o comando das circulações a ser feito via rádio.

Variante do Cubal

Apesar de se ter procedido a todos os possíveis melhoramentos para se optimizar a capacidade de tráfego, como a construção de novas estações, desvios, e rectificações de traçado, não seria possível dar escoamento ao tráfego esperado. A melhor solução era eliminar os condicionamentos impostos pelo troço Lobito/Cubal.

Seus Antecedentes

A necessidade de melhorar ou substituir o traçado entre o Lobito e o Cubal foi considerada desde o início, devido ao facto de este troço representar um sério condicionamento à capacidade de transporte da linha no restante percurso, que tem um traçado bastante mais favorável.

Podemos dizer que esta ideia esteve sempre no espírito dos responsáveis pela Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, desde o início da construção da sua linha. É natural que assim fosse, uma vez que eram bem patentes e intuitivos os benefícios que resultariam da sua construção.

A confirmar o exposto, nada melhor podemos apresentar de que o extracto de um relatório do então Engenheiro Residente, H.F. Varian, dirigido a 1 de Junho de 1918 aos engenheiros consultores Sir Douglas Fox and Partners, que a seguir se transcreve:[7]

Com o decorrer do tempo, será conveniente estudar com cuidado um trajecto para a remoção não só da cremalheira mas tanto quanto possível das actuais dificuldades na primeira secção até Cubal, e, se possível, igualar o perfil desta secção ao da segunda (Cubal-Huambo 2% compensado) de forma que a mesma máquina possa rebocar a carga, sem desdobramento, de Benguela ao Huambo, - um aumento de mais 2 ou 3 vagões (25 t), segundo a máquina, na primeira secção. O único desdobramento para o Katanga seria na nossa futura grande estação do Huambo. O actual traçado de Coruteva é um assunto sobre cuja eliminação eu tenho muitas vezes pensado. Lembro-me sempre da primeira vez que por ali passei, quando em 1907 se achava em construção. Acompanhava eu o General Machado na sua viagem e ele criticou asperamente a subida de Coruteva e subsequente descida para Catengue, como formando um sério obstáculo ao tráfego da futura linha principal para a costa. Os primeiros estudos levaram a linha para o plateau do Monte Sàoa, onde são os pontos elevados da cremalheira e Coruteva. Parte desta linha, perto de S. Pedro, é presentemente com curvas e contra-curvas de 100 m de raio com perfil de 2,5%, não compensado - uma resistência virtual de 3% em perfil de 1/33. Às vezes é necessária uma máquina de reforço desde S. Pedro a este ponto. Com as nossas actuais máquinas mais pesadas e a tendência para mais pesadas cargas por eixo, estas secções precisarão eventualmente de ser restabelecidas com rails mais pesados, como se tem tornado necessário nos Caminhos de Ferro Sul-Africanos, usando praticamente material circulante igual ao nosso. Antes disto se tornar necessário, eu lembrava que se fizesse uma completa inspecção ao Vale do Cavaco até cerca do actual Qlm.146, com o fim de se obter um uniforme levantamento de perfil, e se possível igual ao da secção Cubal-Huambo. O traçado a examinar seria a margem direita dos Rios Cavaco e Solo até ao Qlm.146. A margem esquerda dos Rios Cavaco e Catengue ligam com a actual linha principal, n’um monte ao sul do actual com o fim de eliminar a excessiva curvatura do presente monte.”

“As vantagens do novo traçado seriam:

a) Obter uma descida uniforme para o tráfego da linha principal, eliminando a barreira oposta ao actual monte da Coruteva.

b) Encurtamento da linha.

c) Se possível, um perfil semelhante ao da Segunda secção.”

“Os diversos pequenos troços do actual perfil de 2,5% seriam dispensados pelas variantes, fazendo-se depois novos trabalhos, se a variante principal de Bimbas ao qlm 146 demonstrasse um perfil de 2%. É sempre fácil dizer-se onde uma linha deve passar, quando anos depois é constantemente utilizada com conforto. Por isso, o pioneiro tem muitas outras coisas para contradizer. Este país é excepcionalmente difícil. Eu não tenho passado por este traçado, e por agora não posso dizer se ele é praticável. É certo que qualquer traçado representaria considerável e difícil trabalho, mas eu sou bastante optimista para sustentar que os meios seriam justificados logo depois do acabamento da presente linha principal até ao seu objectivo, e eu lembro que seria bom esgotar todas as possibilidades antes de nos obrigarmos a difíceis variantes locais, assim como diversas reduções de perfis e curvas que impliquem grande trabalho, o que será inevitável quando o constante tráfego seja mantido de futuro.”

“Esta secção Bimbas-Rio Solo é, e sempre tem sido o ponto fraco da linha.”

A razão de ser deste imediato reconhecimento do ponto fraco do traçado, encontra-se justificada na introdução do Relatório do Engenheiro Varian, datado de 30 de Novembro de 1921, em que apresenta três soluções para a concretização do projecto destinado a eliminá-lo:

“Para que houvesse motivo para qualquer alteração radical no primeiro troço da linha, é necessário fazer referência à Concessão inicial de há quase vinte anos, que obrigava a linha a seguir o traçado do reconhecimento inicial português, de Benguela a Caconda.”

“Naquela altura Caconda tinha uma posição diferente, de maior importância, do que hoje possuiu.”

“O traçado natural a partir do término em Benguela é ao longo do vale de rio Cavaco ou do Catumbela, mas as gargantas através das quais eles passam no seu caminho para o mar, põem fora da questão qualquer linha de caminho de ferro praticável. Consequentemente a linha seguiu evidentemente a linha de menor resistência através de difícil região seca e áspera, pois é a que mais se aproxima do caminho dos carros bóers que tinham também Caconda como objectivo, e com esta via mais ou menos directa definida, não havia mais necessidade de estudar outros traçados através de tal região.”

“Como é possível aos carros seguirem por caminhos mais directos do que a linha, e como têm necessidade de passar pela água o mais frequentemente possível, o traçado da estrada cruza várias cadeias de montanhas na sua passagem para o interior, enquanto o traçado da linha seguindo a estrada sobre estas cadeias traz consigo naturalmente uma quantidade excessiva de subidas e descidas, com a sua consequente formação de rampas e curvas para os vários cumes, todos os quais provocam sérios obstáculos ao andamento do tráfego no troço mais baixo da linha actual.”

“Depois de a construção estar em execução foi a linha desviada do seu traçado inicial próximo do rio Sapa, ao qlm. 151, para uma direcção mais a leste, o que por conseguinte deslocou o traçado da via em geral, no seu novo ponto a atingir.”

“Os valores relativos tanto do término como do ponto a atingir modificaram desde então a concepção inicial da linha, e estes pontos são agora definitivos: o primeiro é agora o porto do Lobito, em vez de Benguela, e o segundo, a linha mais curta para a Baliza nº 34 da fronteira luso-belga”.

A terminar esse Relatório, depois de analisar os traçados sugeridos, que designou por “A”, “B” e “C (ver Mapa IV), diz:

“... nenhum dos trabalhos sugeridos é de fácil reconhecimento ou construção. Têm todos quase o mesmo número de dificuldades, para uma distância mais pequena, à excepção da água, que a linha principal.

“... Se o traçado “C” fosse eventualmente adoptado e construído, a Companhia ficaria na posse de uma das linhas de mais fácil desenvolvimento para o Planalto Central, em África.”

Foi sobre este traçado “C” que, mais tarde, recaíram as atenções. É alvo de estudo em 1929-30, por Mr. Tucker, por conta de “Messrs. Pauling and Company, Ltd.”.

Em consequência da natureza acidentada do terreno, foi julgado necessário proceder-se à implantação do traçado no terreno, a fim de se reduzir ao mínimo os possíveis erros da estimativa do custo de um trabalho deste vulto.

O relatório final de Tucker apresentado à Companhia fornece os seguintes elementos:

“A linha proposta atravessará a planície da costa ao afastar-se da linha existente. Entra-se então no campo acidentado, e a linha sobe na sua rampa máxima entre o qlm 2 da variante e o qlm 18. Nos 4 quilómetros seguintes, até ao qlm 22, a linha desce e torna a subir gradualmente até atingir, ao qlm 25, a divisória das águas dos rios Catumbela e Hanya. Segue-se depois esta divisória até ao qlm 34, onde tem de ser abandonada. Tomando então a direcção do rio Catumbela, a linha atinge-se o qlm 50. Segue então o curso deste rio até à sua junção com o rio Cubal, ao qlm 90, atravessando o rio Catumbela e seguindo o vale do Cubal em todo o resto do percurso até se reunir à linha principal.”

“Desde as planícies até perto do qlm 20 a formação geológica é de pedra calcária, de todos os graus de dureza até dolomite.”

“A parte restante do caminho é em formação de granito. Não nos parece que qualquer das trincheiras de variante venham a ser classificada como sendo de terra.”

“Nos 50 kilómetros mais baixos encontra-se vegetação espalhada. Do qlm 50 ao qlm 90 há espinheiros de densidade média. Na parte restante do percurso há arbustos pouco densos e relva.”

As características deste traçado são:

-Extensão da variante: 142,781 km, com início ao Qlm 4,491 da linha actual.

-Movimento de terras previsto: 2.140.000 m3.

-Curvas:

-Nos primeiros 18 km: várias de R = 100 m.

Para além dos 18 km iniciais:

- Raios de 150 m em rampas no sentido do Katanga.

- Raios de 200 m em rampas no sentido do Lobito.

-Rampas:

- Na direcção do Katanga - 1/50, compensado à razão de 0,03% por grau.

- Na direcção do Lobito - 1/80 e igual compensação.”

Depois deste estudo, o projecto da Variante do Cubal voltou a cair em ponto morto, pois só passados cerca de 30 anos, em 1958, se submeteu à aprovação da Fiscalização do Governo, junto da Companhia, o anteprojecto do seu primeiro troço de 22 quilómetros de extensão.

O substancial aumento de tráfego verificado após a 2ª Grande Guerra (ver Quadro) fez renascer as preocupações relativas ao condicionamento imposto ao tráfego pelo troço Benguela/Cubal.

TRÁFEGO ENTRE 1931 e 1964

No que respeita ao traçado, a primeira medida tomada foi eliminar a cremalheira em 1949, sem o que não seria possível atingir os níveis de carga já transportados na década de 1950.

Seguidamente, iniciou-se a construção de uma série de desvios intermédios nos troços em que o tempo de percurso entre estações era demorado, o que ia permitindo aumentar a frequência das circulações e, consequentemente, intensificar o tráfego.

Paralelamente, desenvolveram-se outros trabalhos, como a ampliação de estações, nomeadamente em Catengue, Cubal, e Silva Porto, e rectificações de traçado para aumento do raio das curvas, de que se destacam, pela sua importância, uma na zona entre Marco de Canaveses e Mariano Machado, e outra no alto do Lépi.

Por outro lado, aumentou-se a capacidade de tracção com a aquisição de mais locomotivas “Garratt” (a vapor), as mais potentes ao serviço.

No entanto, especialmente após a independência do antigo Congo Belga, o sucessivo aumento de tráfego obrigou a que, em períodos de ponta, o CFB trabalhasse em condições difíceis, próximas da saturação, impondo a revisão do problema de forma a encontrar a solução mais conveniente, que permitisse encarar o futuro com a necessária confiança.

Era imperativo assegurar o escoamento de todo o tráfego que o constante desenvolvimento da Província de Angola e dos territórios vizinhos (o tráfego de trânsito representava cerca de 86% do total) fazia prever.

Duas soluções se apresentaram:

1. Correcções profundas do traçado existente, de forma a esgotar a sua capacidade, em conjugação com a aquisição de locomotivas mais potentes do que as existentes;

2. Construção da Variante do Cubal.

A primeira destas hipóteses conduziria a um resultado duvidoso, não só por ter de se aceitar algumas soluções tecnicamente defeituosas, de custo muito elevado, como também por limitações impossíveis de ultrapassar que conduziriam a uma saturação de linha em poucos anos.

Por estes motivos, decidiu-se retomar os estudos da Variante do Cubal, pelo que em 1958 se completou o anteprojecto do 1º troço de 22 quilómetros, estudo depois abandonado. Neste troço de linha, que é de mais fácil traçado, foram consideradas as seguintes características:

Raio mínimo das curvas: 150m

Rampa integral máxima: 20%

O traçado da variante em que o anteprojecto deste primeiro troço se integrava, tinha a sua origem ao quilómetro 5 da linha geral e entrava depois na parte quebrada e montanhosa da cintura da costa, em direcção ao vale do rio Catumbela.

Depois do rio Catumbela, apoiava-se na directriz geral do traçado de Tucker, pela margem direita do rio Catumbela até à sua confluência com o rio Cubal. Depois de atravessar o rio Catumbela, acompanhava a margem direita do rio Cubal em todo o resto do percurso, até se reunir à linha geral, na estação do Cubal.

Deste estudo e do conhecimento do terreno, estimou-se o custo total da variante em 314.500.000$00.

Posteriormente, atendendo ao Esquema Geral dos Aproveitamentos Hidroeléctricos do rio Catumbela, que interferiam com o traçado da Variante prevista, e às características pouco favoráveis conseguidas no anteprojecto do 1º troço, submetido à aprovação do Governo, foi decidido rever o problema estudando novos possíveis traçados.

O estudo do novo traçado, cujos trabalhos de campo estavam em execução em 1965, saía da linha geral ao km 40,250, além Benguela, seguindo depois pela margem direita dos rios Cavaco e Caimbambo, e passava na povoação do mesmo nome e na estação de Guerra Junqueiro, ligando depois ao Cubal.

No decurso dos estudos que então foram sendo desenvolvidos, encontrou-se uma nova solução mais vantajosa, cujas características seriam iguais às do resto da linha, o que permitiria passar a capacidade anual de transporte de 3.000.000 toneladas anuais para 10.000.000.

Solução Definitiva

O traçado definitivo da Variante do Cubal parte do quilómetro 15 da linha existente, onde foi criada a estação do Negrão (a seguir à de Catumbela), e inflecte para Sudeste, a fim de vencer os primeiros contrafortes montanhosos da zona do Vale da Mina, a cerca de 20 quilómetros da sua origem, tomando então rumo para Leste, através do pequeno planalto do Capilongo. Cerca do quilómetro 62, entra no vale do rio Cavaco, onde se desenvolve até ao quilómetro 80, e daqui segue o vale do rio Caimbambo até à povoação do mesmo nome, situada ao quilómetro 122. Estende-se, a seguir, através de campos de sisal, até à povoação de Guerra Junqueiro (Calenguer). Atinge o Cubal ao km 153 (ver Mapa V).

Esta Variante encurta o traçado Lobito/Cubal em 44 quilómetros e reduz o valor das inclinações dos traineis para metade, no sentido ascendente, e para um quarto no sentido descendente, ou seja, no sentido de maior incidência de tráfego. O raio mínimo das curvas aumenta de 100 para 350m, e o número de curvas decresce de 415 para 122.

A linha foi assente com carris BS 90 A = 45kg/m soldados em barras de 362,112m (24x15,088), e de 45,318m, em curvas de raio inferior a 650m, assentes em travessas de madeira.

Nos desvios não guarnecidos utilizaram-se aparelhos de mudança de via talonáveis, isto é, de abertura e fecho automáticos.

A estrada Lobito Benguela, bem como os cursos de água e dos vales, foram vencidos por 14 pontes e viadutos de betão pré-esforçado, com comprimentos que variam de 20 a 260m, e alturas entre 5 e 45m, com um desenvolvimento total de 1.800m.

A exploração da Variante é controlada do Lobito por um sistema de radiocomunicações UHF, VHF, e microondas, para o que todas as estações e veículos em circulação foram equipados com aparelhagem de rádio.

Para dar uma ideia da grandeza dos trabalhos realizados na construção da Variante, cujo custo total foi de 888.000 contos, refere-se que o volume das terraplenagens foi de cerca de 10 milhões de metros cúbicos, e o do desmonte de rocha de natureza calcária, xistosa-gneissica, e granítica, foi de 3 milhões de metros cúbicos.

Na drenagem da plataforma da via foram utilizados 9.000 metros de tubos de aço galvanizado ”ARMCO”, com diâmetros entre 1,07 e 4,57 metros.

Para o acesso aos locais de trabalho, durante os 4 anos que duraram os estudos e a construção, foi necessário abrir e conservar cerca de 600 quilómetros de caminhos de serviço. As desmatações atingiram uma área com cerca de 1.500 hectares.

A construção desta Variante iniciou-se em 1973, e a primeira circulação de um comboio nesta via ocorreu a 20 de Outubro de 1974, utilizando já a tracção Diesel eléctrica, com as locomotivas “General Electric”, tipo U20C.

Com a construção desta Variante, a capacidade anual de transporte da linha passou de 3.000.000 para 10.000.000 toneladas, como previsto.

Todos os estudos de traçado, bem como todos os trabalhos de construção da Variante do Cubal, incluindo os de telecomunicações, estiveram a cargo do pessoal da Companhia, com excepção das obras de arte em betão pré-esforçado.

Em 1973 o material circulante era constituído por 107 locomotivas a vapor, 18 locomotivas Diesel, 153 carruagens, salões, e furgões, e 1838 vagões.

Nesse ano, o tráfego atingiu 152.069.858 passageiros quilómetro, e o transporte de mercadorias foi de 2.566.364.000 toneladas quilómetro comerciais, e de 75.273.000 toneladas quilómetro de serviço.

A Companhia do Caminho de Ferro de Benguela pouco beneficiou da construção da Variante do Cubal. Pouco tempo depois, com a independência de Angola, veio o colapso, a que se seguiu a agonia, o coma profundo, e a morte anunciada aos seus 99 anos.

[1] Carros de dois rodados usados pelos Bóeres, puxados por numerosas juntam de bois, que podiam ir até 30, a que davam o nome de ”espanas” (aportuguesamento do inglês Sul Africano “span” = uma ou mais juntas de bois).

[2] A ligação da malária ao mosquito era ainda desconhecida.

[3] Foi o primeiro posto militar criado na região do Huambo, com o nome de Cabral Moncada, criado pela Portaria 431, de 20/09/1903, com sede na Quissala, ficando coma sua acção determinada sobre os povos do Huambo e Candumbo.

[4] Significa 2 grupos de rodados, cada um constituído por: 1 “bogie” de guiamento de 2 rodados (4), 4 rodados conjugados para a tracção (8), e 1 rodado bissel de guiamento (2).

[5] Experimentaram-se atacadores individuais (espécie de martelos pneumático), para substituir, em casos especiais, as tradicionais bitas, mas que não chegaram a sair da fase experimental, por todos os assentadores se recusarem a utiliza-los, alegando que lhes tirava a virilidade.

[6] A velocidade das locomotivas com rodados conjugados é limitada pela velocidade angular das rodas, por causa dos contra pesos que estas possuem.

[7] As transcrições são feitas respeitando a grafia dos documentos que existiam nos arquivos do CFB.

Mapas

MAPA I - Mapa de 1906 do reconhecimento do traçado ligando Benguela a Caconda (a pontuado cheio), com inclusão da linha já construída pelo CFB entre Lobito e Benguela (a traço cheio), e o desvio para leste em direcção ao Katanga (a tracejado). (Fonte "Boletim do CFB", de Março de 1961).

MAPA II - Traçado adoptado pelo CFB respeitando o estipulado com o Governo até cerca do km 151.

MAPA III - Linha do CFB, onde se vê a localização da “Fortaleza do Huambo”, do lado esquerdo do traçado, a seguir ao km 360.

MAPA IV - Possíveis soluções inicialmente estudadas para a construção da Variante do Cubal, que foram abandonadas por não satisfazerem o objectivo de se uniformizar as características geométricas do traçado de toda a linha. (FONTE: Boletim do CFB, Maio de 1966)

MAPA V - Traçado definitivo da Variante do Cubal, que uniformizou as características geométricas de toda a linha, o que permitiria o transporte de 10 000 000 toneladas anuais.Nota: onde se lê “Singa”, deve ler-se “Binga”.

Bibliografia

- Almeida, José (1951). “Para a história do Caminho-de-ferro de Benguela”, Lisboa.

- “Boletins do CFB”, vários números.

- Botelho, Margarida (s. data). “Caminho-de-Ferro de Benguela, avanços e os recuos de uma via atribulada”, in “Cascais equestre”.

- Jornal “O LOBITO”, 28 de Maio de 1973.

- “Le Cinquantième Anniversaire du Chemin de Fer de Benguela” in “La Revue Coloniale Belge”, Bruxelles, 15 Fev. 1953.

- Loureiro, João (2004). “Memórias de Benguela e do Lobito”, 2ª Edição, Lisboa.

- Machado de Faria e Maia, Cor. C.R. (1913). “Cidade do Huambo, a primeira cidade portuguesa no planalto de Benguela”, in “Revista de Engenharia Militar”, Lisboa, Tipografia Comercial.

- Matos, Norton de (1944). “Memórias e Trabalhos da minha vida”, 1º vol., Lisboa.

- “O CAMINHO DE FERRO DE BENGUELA – Junho 1929”, sem indicação de autor, mas com autorização do CFB.

- Teixeira, Ten. Cor. Tiago (s. data). “A Ocupação do Moxico”, col. “Cadernos Coloniais”, Editorial Cosmos.

- “The opening of the Benguela Railway”, Especially Compiled by Leo Weinthal, Chief Editor of “The African World”, London, 1929.

- Varian, H.F. (1953). “Some African Milestones”, Ed. George Roland, Oxford.

(NOTA: Parte desta bibliografia foi gentilmente facultada pelo Senhor Engenheiro Alfredo Abreu Freire)

Lisboa, Maio de 2008

Elísio Romariz Santos Silva